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Estado de Minas Entrevista

STF age no v�cuo deixado pelo Executivo, alerta ex-ministro Marco Aur�lio

Aposentado pela corte, magistrado afirma que o governo federal deveria ter atuado contra a pandemia, como fizeram l�deres de outros pa�ses


20/12/2021 04:00 - atualizado 20/12/2021 07:19

Marco Aurélio de Mello, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
''O cidad�o comum tem 24 horas, citado para pagar, sob pena de ter bens penhorados. O Estado tem 18 meses, e n�o paga'' (foto: Carlos Moura/SCO/STF - 4/3/20)
Bras�lia – Sucedido recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ex-advogado-geral da Uni�o e ex-ministro da Justi�a Andr� Mendon�a, o ministro aposentado Marco Aur�lio de Mello acaba de reativar sua inscri��o na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de janeiro. Ele vai atuar como parecerista, ou seja, vai continuar atento aos temas relevantes do pa�s.

Nos �ltimos dias, um assunto que o desagradou foi a promulga��o, pelo Congresso, de mudan�as na Constitui��o autorizando o governo federal a adiar o pagamento de precat�rios – d�vidas do setor p�blico reconhecidas pela Justi�a.

Em entrevista ao Correio Braziliense/Di�rios Associados, Marco Aur�lio Mello diz que esse “n�o � o exemplo que o Estado deve dar”, j� que “o cidad�o comum tem 24 horas” para pagar suas d�vidas, “sob pena de ter bens penhorados”.

A ida de Mendon�a para o Supremo foi comemorada por Mello. Na avalia��o do ministro aposentado, � importante que o novo magistrado “perceba a grandeza da miss�o de julgador”. Sobre o perfil “terrivelmente evang�lico” do indicado do presidente Jair Bolsonaro (PL) para a vaga, o jurista classifica como um “arroubo de ret�rica que acabou criando percal�os”.

Mendon�a enfrentou resist�ncias pol�ticas  e esperou quase cinco meses para ser sabatinado no Senado, condi��o necess�ria para ocupar a fun��o. Questionado sobre a atua��o do Supremo durante a pandemia de COVID-19, Mello afirma que o tribunal tem agido no “v�cuo deixado pelo Executivo”. Confira os principais trechos da entrevista.

A Constitui��o passou por v�rias altera��es desde que foi promulgada para o pa�s viabilizar mudan�as como as mais recentes reforma da Previd�ncia e, agora, a possibilidade de o governo adiar pagamento de precat�rios. Ainda se pode chamar essa Constitui��o de cidad�?
Em primeiro lugar, quando voc� pensa a Constitui��o, imagina um documento est�vel, um documento editado para viger por prazo indeterminado. O que tivemos na nossa Constitui��o de 1988? Mais de uma centena de emendas constitucionais. At� costumo, no campo do folclore, brincar que uma vez um cidad�o entrou em uma livraria e tentou adquirir  um exemplar da Constitui��o, e o atendente disse, simplesmente, que aquela livraria n�o trabalhava com peri�dicos. Ent�o, se encara dessa forma.

Como o senhor avalia a aprova��o no Congresso do adiamento do pagamento de precat�rios?
Precat�rio. � poss�vel chegar-se ao ponto de reconhecer a d�vida e, simplesmente, programar que se pagar� quando se quiser? N�o. O que prev� a Constitui��o Federal? O cidad�o comum tem 24 horas, citado para pagar, sob pena de ter bens penhorados. O Estado tem 18 meses, e n�o paga. Tivemos, depois da Constitui��o de 1988, j� com ela houve um parcelamento. Tivemos v�rias morat�rias. Ent�o se vai empurrando a d�vida, que vai crescendo cada vez mais. A� se diz que n�o h� recursos para satisfazer o que foi pedido, e pedido mediante t�tulo judicial, pronunciamento do Judici�rio, pressupondo-se que tenha tramitado processo durante alguns anos. Realmente isso n�o implica o exemplo que o Estado deve dar.

O senhor considera que as mudan�as trazidas pela PEC dos precat�rios ser�o judicializadas?
O Judici�rio sempre tem o protocolo aberto �queles que se sintam prejudicados por um ato do Estado, por um ato do governo. E acaba tudo desaguando no Judici�rio, que paga um pre�o incr�vel pela atua��o, mas paci�ncia, � a democracia e o estado democr�tico de direito. O que n�o se pode, porque a� haveria transgress�o a uma cl�usula constitucional, � afastar do crivo do Judici�rio les�o a direito ou amea�a de les�o a direito, sendo que essa �ltima cl�usula justifica a exist�ncia de liminares e de tutelas antecipadas.

Andr� Mendon�a foi chamado pelo presidente de ministro 'terrivelmente evang�lico'. Como o senhor avalia esse perfil para atua��o no Supremo?
Mais um arroubo de ret�rica do presidente, que acabou criando percal�os para o indicado ao Senado da Rep�blica. Confio que Andr� Mendon�a ser� um grande juiz, e que, com a capa sobre os ombros, ter� uma atua��o como conv�m. Uma coisa foi Andr� Mendon�a como auxiliar do presidente da Rep�blica, no Minist�rio da Justi�a, outra como advogado da Uni�o, e outra ser� como julgador. Ser juiz � uma miss�o sublime, e aquele que o � deve perceber essa miss�o, a grandeza dessa miss�o, e atuar com pureza d'alma. �  o que eu espero do Andr� Mendon�a, tanto que, quebrando at� o que eu costumo fazer normalmente, fui � posse dele, para, de certa forma, testemunhar essa posse, e revelar que aposto na atua��o dele como julgador.

O STF vem garantindo a ado��o de medidas essenciais no combate � pandemia da COVID-19? Por que o Supremo tem assumido esse protagonismo?
Ele acaba atuando no v�cuo. E, como n�o se pode afastar da aprecia��o do Judici�rio a amea�a ou a les�o a direito, ele age, evidentemente, implicando at� mesmo, como neste caso do certificado de vacina��o, desgaste para o Executivo nacional. O Executivo nacional devia ter adotado as provid�ncias, como v�rios pa�ses adotaram.

O que o senhor diria sobre o est�gio atual da rela��o entre os poderes, ap�s um per�odo de grande turbul�ncia?
Veio da Constitui��o Federal que a Rep�blica est� num trip�, um trip� constitu�do pelos tr�s Poderes, que, pela Constitui��o, s�o harm�nicos e independentes. Cada qual atuando em sua �rea, n�o extravasando os limites estabelecidos na Constitui��o, teremos um avan�o social. Eu vejo uma atua��o normal. O Supremo, �s vezes, precisa ser contramajorit�rio, e adotar posi��es que n�o s�o do agrado da sociedade em geral. � o papel do Supremo. O Supremo � guarda da Constitui��o Federal. Ele vem buscando manter a intangibilidade desse documento b�sico, que � a Carta da Rep�blica.

O presidente Bolsonaro voltou a dizer que pode jogar fora das quatro linhas da Constitui��o, em mais uma amea�a ao Supremo. Desde a redemocratiza��o, o senhor j� tinha visto algo parecido entre um presidente da Rep�blica e o STF?
O presidente tem uma forma desabrida de atuar, e parte para o arroubo de ret�rica, o que n�o contribui, realmente, para a perfei��o do entendimento. Mas atribuo, e continuo atribuindo, a arroubo de ret�rica, ou seja, algo irrealiz�vel, porque a democracia veio para ficar, e ela, passo a passo, est� sendo robustecida.

O presidente Bolsonaro disse, nesta semana, que para ser indicado ao STF o candidato tem que tomar tuba�na com ele. O curr�culo n�o basta. O que o senhor acha disso?
Arroubo de ret�rica. Os requisitos constitucionais s�o outros, uma vida irreproch�vel e dom�nio do direito. E, por isso, � que h� cr�ticas t�o �cidas, que n�s notamos hoje em dia, ao governo central. N�o � bom, em termos de tranquilidade, em termos de seguran�a jur�dica.

Ap�s a aposentadoria no STF, o senhor continua, de alguma forma, se dedicando ao direito?
Eu reativei a minha inscri��o na seccional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio de Janeiro. E fiquei contente, porque vou permanecer com o n�mero que eu tinha. Era 21 mil e qualquer coisa, e hoje j� est� em 60 mil, 70 mil. E advogar para fazer foro n�o, mas estaria � disposi��o, se acionado, para pensar no direito e emitir o meu convencimento sobre algum conflito de interesses. Ou seja, para atuar como parecerista.
 

A Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ) da C�mara aprovou, no fim de novembro, a admissibilidade da Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC) que altera, de 75 para 70 anos, a idade para aposentadoria compuls�ria de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), demais Cortes superiores e Tribunal de Contas da Uni�o (TCU). Qual � a opini�o do senhor sobre a mudan�a? 

Estava muito pronto para me aposentar em 2016, aos 70. Veio a 'PEC da bengala', e eu sa� na und�cima hora, depois de completar os 75. Agora, essa proposta peca, primeiro, porque n�o d� tratamento ison�mico ao servidor g�nero do Estado, ou seja, deixa de fora os servidores, e cogitou apenas da observ�ncia com a redu��o da expuls�ria dos 75 para os 70 quanto ao Judici�rio. Em segundo lugar, n�s precisamos, no Brasil, �, principalmente, de homens p�blicos que observem as regras existentes. Essas idas e vindas n�o s�o salutares para a estabilidade que se almeja, a seguran�a jur�dica. N�o vejo com bons olhos essa proposta. O recuo � um recuo num espa�o de tempo pequeno, porque se majorou para 75 h� poucos anos.

A C�mara criou comiss�o especial para analisar a amplia��o de 65 para 70 anos a idade m�xima para indicados ao Supremo. H� rumores de que a inten��o � facilitar a indica��o de aliados do presidente Bolsonaro. Qual � a opini�o do senhor sobre a medida? 

N�o acredito que o objetivo seja esse. Acredito que essa majora��o decorra do fato de se ter alterado a expuls�ria dos 70 para os 75. E a�, se for isso, ela � uma proposta org�nica, uma proposta harm�nica com essa majora��o que houve quanto � expuls�ria. N�o vejo como direcionar a um certo resultado, um resultado como se praticamente a emenda constitucional tivesse nomes de benefici�rios e prejudicados. N�o vejo como se partir desse pressuposto, que visa a ensejar ao presidente da Rep�blica a indica��o de outros integrantes. Creio que o presidente est� satisfeito com as duas indica��es ocorridas. Eu, inclusive, estive, ontem (quinta-feira), no pr�prio Supremo para prestigiar a posse do ministro Andr� Mendon�a. Penso que foi uma substitui��o que me deixou contente.

Durante o �pice da crise institucional, aberta entre o presidente Bolsonaro e o Supremo, o senhor chegou a temer uma poss�vel ruptura institucional no pa�s? 

N�o, n�o temia. Agora mesmo a m�dia veiculou que estaria sendo convocado para prestar servi�os (no Tribunal Superior Eleitoral), claro que n�o de uniforme, um general reformado (Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa), para evitar um golpe. Ora, se dependermos disso, no Brasil, n�s teremos que convocar para servir no Judici�rio reservistas, e a� o Judici�rio contrata uma tropa. N�o � por a� que se resolve poss�vel descompasso de entendimento entre poderes.

Sucessivas pesquisas refletem baixos �ndices de aprova��o popular ao trabalho do supremo. A que o senhor atribui isso? 
 
Se l� estivesse, eu reexaminaria os meus votos, que eu estaria proferindo. E foi o que eu falei h� pouco: �s vezes o Supremo tem que ser contramajorit�rio, ele tem que adotar uma postura que contraria o anseio popular, mas ele tem o dever maior que � o de preservar a Constitui��o Federal. O Supremo n�o pode criar um crit�rio de plant�o para atender a um anseio que tenha a popula��o.

Ap�s cinco meses de aposentadoria, como � a vida sem o peso da toga do Supremo?
 
�, realmente, mais leve, mas eu nunca me preocupei de vir para casa e n�o poder dormir, com o of�cio judicante. Eu estive em colegiado julgador durante 42 anos, e na linha de frente, pegando no pesado. Hoje, tenho todo o tempo do mundo e n�o me sobra tempo, porque possuo uma atividade como cidad�o muito rica, e cuido das minhas leituras, das minhas coisas, da natureza onde moro, e estou vivendo na plenitude dos meus 75 anos, mas muito satisfeito, com muita leveza, com muita alegria.

Como o senhor est� aposentado, sem se envolver com o dia a dia do Supremo, tem tido novas percep��es sobre a Corte? 

N�o, eu continuo entendendo que as cadeiras existentes no Supremo, as 11 cadeiras, possuem uma envergadura maior, e que cumpre a cada qual que ocupe essas cadeiras atuar com independ�ncia, atuar com equidist�ncia, e atuar com fidelidade ao direito positivo, que � o direito aprovado pelo Congresso Nacional. E as cadeiras, elas s�o maiores que os integrantes.
 



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