
A poss�vel alian�a entre o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) e o ex-governador de S�o Paulo Geraldo Alckmin � uma "vacina" contra a ideia de que o petista seria um extremista de esquerda. A afirma��o � do cientista pol�tico e professor da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) Cl�udio Couto.
"(Essa alian�a) � uma vacina contra a acusa��o de extremista. Como voc� vai dizer que Lula � extremista se ele tiver como vice o Geraldo Alckmin?", indaga Couto.
Uma poss�vel chapa com Lula e Alckmin tem sido um dos assuntos mais comentados no cen�rio pol�tico nas �ltimas semanas.
Grande parte do frisson em torno dessa possibilidade est� no fato de que os dois foram advers�rios pol�ticos durante boa parte de suas carreiras.
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Em 2006, por exemplo, Lula e Alckmin disputaram a Presid�ncia da Rep�blica. Na ocasi�o, o petista venceu o ent�o tucano no segundo turno.
O contexto atual, no entanto, � outro. Ap�s sobreviver pol�tica e juridicamente �s acusa��es e condena��es da Opera��o Lava Jato, Lula aparece como favorito a vencer as elei��es presidenciais em 2022, segundo pesquisas de inten��o de voto mais recentes. Mesmo assim, enfrenta resist�ncias em setores mais conservadores do eleitorado.
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Desde 2018, no entanto, quando obteve 4,76% e ficou apenas em quarto lugar na disputa presidencial, o ex-tucano viu sua influ�ncia na legenda diminuir ao mesmo tempo em que seu ex-afilhado pol�tico, o governador de S�o Paulo, Jo�o Doria, ampliou seu poder sobre o partido.
A alian�a entre Lula e Alckmin vem sendo costurada pelo PSB, um dos partidos ao qual, especula-se, o ex-tucano poder� se filiar.

Sob os holofotes, tanto Lula quanto Alckmin v�m dando sinaliza��es positivas sobre a poss�vel uni�o. Em viagem � B�lgica, em novembro, Lula teceu elogios ao ex-governador, indicando que o caminho para uma uni�o estaria aberto.
"Eu tenho uma extraordin�ria rela��o de respeito com Alckmin. Eu fui presidente quando ele foi governador, n�s conversamos muito. N�o h� nada que aconteceu entre eu e Alckmin que n�o possa ser reconciliado", afirmou.
Para Cl�udio Couto, al�m de mostrar que Lula � um moderado, a alian�a com Alckmin poderia trazer benef�cios caso a chapa saia vitoriosa em 2022. Segundo ele, a presen�a do ex-tucano no governo poderia criar pontes no Congresso Nacional com setores que, normalmente, poderiam fazer oposi��o a um governo do petista.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Por que juntar Lula e Alckmin?
Cl�udio Couto - Para o Lula, essa alian�a sinalizaria muito claramente que ele � um moderado. Assim, aquela acusa��o de que ele representaria a extrema esquerda cairia por terra. Como � que voc� vai dizer que algu�m como o Alckmin, sendo um pol�tico de uma direita moderada, toparia fazer uma chapa com Lula se ele fosse de extrema esquerda? Isso d� uma sinaliza��o para diversos setores dessa modera��o do Lula.
Serve tanto para que o eleitor mais ao centro ou � direita perca o medo do Lula, quanto para os setores das elites econ�micas e da m�dia que poderiam temer um retorno do Lula. Acho que o objetivo � esse: convencer setores que antes rejeitavam Lula de que ele n�o � nenhum maluco e de que ele seria capaz de compor e fazer um governo amplo.
BBC News Brasil - Mas como explicar isso para o eleitor hist�rico de Lula e de Alckmin?
Cl�udio Couto - Eu explicaria dizendo o seguinte: "Olha! O que temos diante de n�s hoje � o desafio de defender a democracia no Brasil e � preciso se juntar a outros democratas, mesmo aqueles que pensam diferente da gente". Esse � o primeiro ponto.
Num segundo momento eu diria: "Ou a gente constr�i um governo amplo ou n�o vamos dar conta da tarefa que � a reconstru��o do pa�s. E isso nos obriga a deixar de lado as diverg�ncias do passado e juntar for�as nesse momento". � preciso dizer aos eleitores que essa uni�o n�o significa que Lula e Alckmin ser�o iguais, mas que ser�o capazes de trabalhar juntos.
BBC News Brasil - Esse discurso � comum quando se fala das rela��es entre Executivo e Legislativo, por exemplo, mas neste caso, trata-se de uma chapa presidencial. N�o seria importante ou necess�rio que seus integrantes fossem mais "iguais" ou, pelo menos, estarem mais alinhados do que, historicamente, Alckmin e Lula foram?
Cl�udio Couto - Acho que h� duas coisas a serem levadas em conta. A primeira � que nessa rela��o com o Legislativo, quando voc� faz uma coaliz�o para governar, voc� necessariamente incorpora essa composi��o � forma��o do seu minist�rio. A diferen�a, agora, � que voc� n�o est� falando s� dos ministros, mas tamb�m do vice-presidente. Mas isso d� um pouco na mesma. Ent�o, ao final, voc� est� dividindo a composi��o do governo entre aliados.
E o Alckmin poderia representar uma parcela desses aliados. Ainda que ele n�o esteja dentro de um partido. Ele representa um certo campo pol�tico. E acho que, dentro desse ponto de vista, � poss�vel montar um governo com integrantes mesmo que eles estejam em campos pol�ticos diferentes. O segundo ponto � que o PT e PSDB estiveram juntos em v�rios momentos da hist�ria. Se voltarmos � campanha das Diretas J� (1984), veremos que as lideran�as do que seria o PSDB e do PT estavam lado a lado.
Em 1989, quando Lula foi pro segundo turno contra o Fernando Collor, essas mesmas pessoas estavam no palanque do Lula. PT e PSDB come�aram a se distanciar em 1994, nas elei��es vencidas pelo Fernando Henrique Cardoso, mas h� uma trajet�ria de relativa proximidade. Acho que � essa a quest�o que precisa ser apresentada.

BBC News Brasil - Quem tem mais a ganhar com essa alian�a? Lula ou Alckmin?
Cl�udio Couto - Em tese, acho que quem teria mais a ganhar seria o Lula porque � ele que t� disputando a Presid�ncia da Rep�blica e aumenta suas chances com Alckmin na chapa. Mas mesmo que Alckmin n�o estivesse na chapa, as pesquisas mostram que Lula ainda seria favorito.
Mas tem outra forma de olhar isso que � ver de onde parte cada um deles. De um lado, Lula parte da condi��o de ser um candidato que, segundo as pesquisas, � favorito a vencer as elei��es. O Alckmin, por outro lado, � um pol�tico que estava escanteado, inclusive no seu pr�prio Estado e pelo partido que ajudou a fundar. Mesmo assim, ele tinha algum favoritismo na disputa para o governo de S�o Paulo, mas sabe que seria uma elei��o dif�cil pois n�o teria a m�quina a seu favor.
Para algu�m nessas condi��es entrar no jogo nacional novamente em uma chapa competitiva, isso � um ganho consider�vel. Ent�o, penso que � um jogo de ganha-ganha. N�o acho que haja um perdedor ou um trouxa.
BBC News Brasil - Apesar de ter governado S�o Paulo quatro vezes e de ter chegado ao segundo turno nas elei��es presidenciais em 2006, Alckmin perdeu o controle do partido em que ele j� foi uma das principais lideran�as. Qual o peso efetivo dele em termos de atra��o de apoio ou votos para uma chapa com Lula? O que ele tem a oferecer ao ex-presidente?
Cl�udio Couto - O que Alckmin leva para o Lula � uma esp�cie de selo. Assim como o (ministro da Economia, Paulo) Guedes, que n�o tinha voto, mas proporcionou um selo do mercado ao Bolsonaro, Alckmin oferece uma esp�cie de selo de modera��o. � um selo de que Lula � um pol�tico capaz de compor com divergentes, de montar uma frente ampla. Esse � o ganho imediato.
Esse selo poderia nem ser dado pelo Alckmin, mas por uma figura similar ao que foi dado por Jos� Alencar (empres�rio e ex-vice-presidente da Rep�blica, morto em 2011) em 2002. Mas o Alckmin, mesmo com uma vota��o pequena em 2018 e escanteado pelo pr�prio partido, ele d� uma visibilidade a esse movimento do Lula em dire��o ao centro muito maior do que o que Lula fez com Jos� Alencar em 2002. N�o � transfer�ncia direta de votos, mas a mensagem que isso passa.
BBC News Brasil - O governador de S�o Paulo, Jo�o Doria (PSDB) evitou atacar Alckmin diretamente ao comentar essa poss�vel alian�a entre Alckmin e Lula. Na sua avalia��o, essa poss�vel uni�o fornece algum tipo de blindagem para o petista contra cr�ticas a corrup��o ou ao suposto radicalismo que atribuem ao PT?
Cl�udio Couto - Eu acho, sim. Para usar o termo mais na moda, essa alian�a serve como uma vacina.
BBC News Brasil - Vacina contra o qu�?
Cl�udio Couto - � uma vacina contra a acusa��o de extremista. Como voc� vai dizer que Lula � extremista se ele tiver como vice o Geraldo Alckmin? Que extremista de esquerda � esse que se alia com um pol�tico de direito, cat�lico praticante, de perfil conservador? � uma incongru�ncia. Acho que j� n�o faria sentido algum chamar Lula de extremista s� ao olhar a trajet�ria dele, mas com o Alckmin do lado fica ainda mais complicado fazer uma acusa��o dessa natureza.
BBC News Brasil - Muita gente na esquerda mostra desconfian�a em rela��o a essa alian�a sugerindo que o ex-tucano poderia atuar para uma queda precoce de Lula a exemplo do que, eles afirmam, aconteceu com Michel Temer e Dilma Rousseff. H� risco de Alckmin ser para Lula o que Temer foi para Dilma?
Cl�udio Couto - Eu acho que esse risco � muito baixo e por algumas raz�es. Primeiro porque Alckmin n�o � Temer. Ele � um pol�tico com outro perfil. Foi governador quatro vezes, foi candidato duas vezes � Presid�ncia e � um pol�tico que tem uma trajet�ria que n�o permite falar em deslealdade. Ele cumpre compromissos.
O segundo ponto �: Lula n�o � Dilma. Lula � uma raposa da pol�tica. Algu�m que est� fazendo pol�tica, negocia��o e articula��o desde os anos 1970. Foi presidente, bem-sucedido na sua negocia��o com o Congresso. � uma lideran�a e um pol�tico h�bil. Dilma estava longe disso. Ent�o, n�o temos Michel Temer de um lado e nem temos Dilma de outro.
H� um terceiro ponto que � o contexto atual. N�o estamos mais na situa��o de uma queda muito grande da popularidade do PT. Estamos em um contexto em que Lula e o PT est�o recuperando espa�o. Al�m disso, o pr�ximo governo, caso Bolsonaro n�o se reeleja, vir� logo ap�s uma verdadeira calamidade. Ent�o, penso que h� muito mais espa�o para esse governo ganhar f�lego e produzir do que o PT tinha em 2015 e 2016.

BBC News Brasil - Essa alian�a entre duas figuras que setores mais radicais chamariam de "velha pol�tica" n�o serve para alimentar o discurso de candidatos que se posicionam como antissistema sob o argumento de que "eles s�o todos iguais"?
Cl�udio Couto - Sim. Acho que essa uni�o pode alimentar esse discurso. Mas � preciso avaliar outros fatores. O primeiro � que a onda antipol�tica come�ou em 2013, passou por 2016, e chegou ao �pice em 2018 na onda bolsonarista.
Em 2020, no entanto, nas elei��es municipais, come�amos a ver um refluxo nisso. Acho que essa onda perdeu for�a. Mesmo o tema "corrup��o" j� n�o aparece mais como uma grande quest�o para os eleitores. Al�m disso, Bolsonaro se abra�ou com o Centr�o. Aquilo que ele dizia que iria combater, ele n�o combate mais. Se ele apontar o dedo para o Alckmin e dizer: "Olha com quem o Lula est� se aliando. Olha a velha pol�tica, a�", algu�m vai dizer: "Olha com quem voc� est� se aliando!".
BBC News Brasil - Mas num ambiente de elei��o, voc� acha que Lula, que tamb�m j� se aliou ao Centr�o para governar, faria esse tipo de r�plica?
Cl�udio Couto - Acho que � mais uma quest�o de dizer: "Como voc� v� um problema nisso se voc� mesmo faz?". A cr�tica teria de ser nessa linha e n�o atacando a alian�a, em si. Talvez o (Sergio) Moro possa ter espa�o para fazer esse tipo de cr�tica, mas � preciso, tamb�m, avaliar quem ser�o os aliados dele. Afinal, ele tamb�m poder� ter suas vulnerabilidades expostas no decorrer desse processo eleitoral.
BBC News Brasil - Voc� pontuou todas as vantagens que essa alian�a traria, mas quais s�o as desvantagens que essa alian�a pode enfrentar na elei��o e em um eventual futuro governo fruto desse casamento?
Cl�udio Couto - Diante de problemas que governos normalmente t�m, acho que essa alian�a tende a ser muito mais ben�fica do que ruim porque ela amplia o arco de apoios de um eventual governo. Ela cria pontes com setores que poderiam estar na oposi��o. H� uma poss�vel perda, obviamente, que s�o os narizes torcidos daqueles que v�o fazer reivindica��es de purismo ideol�gico. V�o dizer: "� imposs�vel um esquerdista como Lula se aliar a um direitista como Alckmin. Vamos lan�ar a candidatura do PSOL".
� poss�vel que haja gente cogitando coisas desse tipo, mas eu imagino que isso � muito pouco comparado ao que se vai ter de ganho do outro lado. Pode haver gente fazendo barulho, inclusive no pr�prio PT, mas, sinceramente, acho que � residual. Pode ser que algo parecido ocorra do outro lado, no PSDB.
Mas o que � o PSDB hoje? � o PSDB do Doria? Do (Eduardo) Leite? Acho que essa alian�a deixa os cr�ticos um pouco desarvorados. N�o vejo como algo que pode causar preju�zos s�rios. E para algu�m como Lula, que j� se aliou com Valdemar da Costa Neto (presidente do PL) e Paulo Maluf, � muito melhor ter o Alckmin ao seu lado.
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