
Um projeto de emenda � Constitui��o Federal (PEC) reacendeu o debate sobre a possibilidade de cobran�a de mensalidades em universidades p�blicas brasileiras.
A PEC 206 foi apresentada pelo deputado federal General Peternelli (Uni�o-SP) e estava na pauta de ter�a-feira (24/5) da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a da C�mara, onde poderia ser votada. Mas foi retirada de �ltima hora, porque o relator do projeto, o deputado Kim Kataguiri (Uni�o-SP), est� de licen�a m�dica. Kataguiri se manifestou a favor da proposta em seu relat�rio.
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Mesmo sem a PEC na pauta, integrantes de movimentos sociais ocuparam o plen�rio da comiss�o enquanto deputados do PT, PSOL, PCdoB e PSD usaram suas falas para criticar a medida e acusaram de ser uma tentativa de privatizar o ensino superior p�blico do pa�s.
O deputado Peternelli tamb�m falou na sess�o e justificou sua proposta.
"Quem paga mais imposto � o pobre, � a classe assalariada, e quem paga a universidade p�blica? � o dinheiro p�blico. Essa pessoa humilde pagou para financiar o curso de Medicina do cara que vai estudar com carro Mercedes. � inconceb�vel termos uma oportunidade de dividirmos recursos e n�o querermos nem ouvir a proposta."
Ao fim do debate, foi aprovada a realiza��o de uma audi�ncia p�blica sobre a PEC antes que ela seja votada. Ainda n�o h� data para a audi�ncia.
� BBC News Brasil, Peternelli negou que sua proposta busque privatizar as universidades p�blicas e disse que o objetivo � corrigir distor��es do ensino superior e obter mais recursos para melhorar as institui��es.
No entanto, especialistas ouvidos pela reportagem dizem que a medida n�o resolver� a desigualdade social nas universidades p�blicas, pode dificultar o acesso de pessoas mais pobres a estes cursos e abre caminho para que o financiamento das institui��es seja reduzido no futuro.
O que diz o projeto?
A PEC 206 faz refer�ncia um relat�rio do Banco Mundial de 2017 que recomendou o fim de gratuidade nas universidades p�blicas do pa�s e a um estudo da Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE) que apontou em 2018 que, em 20 de 29 pa�ses estudados, havia cobran�as em universidades p�blicas.
O projeto afirma que, no Brasil, "a maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderiam pagar a mensalidade". "O gasto p�blico nessas universidades � desigual e favorece os mais ricos", diz o texto da PEC.
"A gratuidade generalizada, que n�o considera a renda, gera distor��es grav�ssimas, fazendo com que os estudantes ricos - que obviamente tiveram uma forma��o mais s�lida na educa��o b�sica - ocupem as vagas dispon�veis no vestibular em detrimento da popula��o mais carente, justamente a que mais precisa da forma��o superior, para mudar sua hist�ria de vida.
A proposta estabelece que a Constitui��o passaria a prever que "as institui��es p�blicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o pr�prio custeio, garantindo-se a gratuidade �queles que n�o tiverem recursos suficientes, mediante comiss�o de avalia��o da pr�pria institui��o e respeitados os valores m�nimo e m�ximo definidos pelo �rg�o ministerial do Poder Executivo".

O texto da PEC traz como sugest�o que o valor m�ximo da mensalidade seja o equivalente a 50% do pre�o m�dio cobrado pelos cursos particulares dentro de uma determinada regi�o. Mas seu autor afirma que os reitores teriam autonomia para determinar os valores e crit�rios usados para cobrar as mensalidades.
De acordo com Peternelli, a comiss�o que avaliaria a condi��o econ�mica de cada estudante seria formada por alunos, professores e assistentes sociais. Seria ent�o tomada a decis�o sobre a concess�o de bolsas, que variariam entre 30% e 100% do valor da mensalidade, para os alunos mais pobres.
"Quem pode paga, quem n�o pode n�o paga", diz Peternelli. "Acho isso natural. � justo que os mais humildes paguem a faculdade dos mais ricos?"
O relator da proposta refor�ou esse argumento em nota enviada � imprensa, ao dizer que os mais pobres s�o "ref�ns de escolas p�blicas subfinanciadas e pagam pela universidade p�blica frequentada, em regra, por pessoas com renda superior".
Kim Kataguiri reafirmou ainda que a PEC prev� que a gratuidade ser� garantida a quem n�o tiver condi��es financeiras suficientes e negou, assim como Peternelli, que a medida seja uma privatiza��o da universidade p�blica.
O autor da PEC afirma que o texto institui mensalidades, mas n�o altera outros elementos b�sicos de uma institui��o desse tipo. "N�o tem nada a ver. A universidade privada tem o componente do lucro, n�o depende de concurso p�blico para contratar professor, o reitor � escolhido pelo dono e n�o pela coletividade", diz Peternelli.
"Esse dinheiro vai ser investido em ci�ncia, pesquisa e tecnologia, vai ser tudo revertido para melhorar as condi��es das universidades p�blicas."
O que dizem os especialistas?
No entanto, a posi��o de Peternelli n�o se reflete nas opini�es de especialistas ouvidos pela reportagem.
Cl�udia Costim, diretora do Centro de Pol�ticas Educacionais da Funda��o Get�lio Vargas (FGV), diz n�o ser contra a cobran�a de mensalidades, especialmente na p�s-gradua��o, e afirma que esse assunto poderia ser revisitado no futuro.
Mas o considera inoportuno agora, em meio � crise que o pa�s atravessa, por ser uma proposta "absolutamente desvinculada de qualquer tipo de solu��o para os problemas emergenciais e estrurais da educa��o no pa�s".
Para al�m do momento imediato, Costim avalia que a cobran�a de mensalidades poderia se tornar uma nova barreira de acesso para estudantes de baixa renda.
"O efeito disso, ao meu ver, seria o aprofundamento da crise do ensino superior, porque estar�amos correndo o risco de cobrar de quem n�o pode pagar ou de endividar fam�lias que teriam que contrair empr�stimos", diz.
Outra consequ�ncia a m�dio prazo poderia ser uma redu��o dos recursos p�blicos destinados �s universidades. "� verdade que h� pa�ses que cobram mensalidades em universidades p�blicas, mas em nenhum deles � a principal fonte de financiamento", explica Costim.
"Corremos o risco, ao fantasiar que vai ter financiamento importante por meio de mensalidades, de os governos se desvencilharem do seu papel de financiar as universidades, porque sofrem press�o de cortar gastos, e os investimentos em Educa��o e Ci�ncia n�o geram resultado no curto prazo e s�o mais dif�ceis do pol�tico capitalizar."
Embora o autor da PEC afirme que a cobran�a de mensalidades seria um recurso extra e n�o levaria a cortes de or�amento, Costim afirma que "n�o d� para colocar na Constitui��o que n�o vai ter cortes". "Seria muito f�cil no futuro algu�m dizer que a universidade tem outras fontes de financiamento e cortar".
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ci�ncia (SBPC), afirma que a argumenta��o apresentada pela PEC 206 para a cobran�a de mensalidades est� "desatualizada".
"A ideia de cobrar poderia fazer sentido no passado, mas n�o faz mais porque a Lei de Cotas mudou o perfil da universidade. N�o � mais verdade que n�o tem negros e pobres, porque hoje metade das vagas s�o reservadas a quem vem de escola p�blica", afirma Ribeiro, que foi ministro da Educa��o no governo de Dilma Rousseff.

Uma pesquisa de 2019 aponta que, hoje, 70,2% dos estudantes das universidades federais � de baixa renda. O levantamento da Associa��o Nacional dos Dirigentes das Institui��es Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que esses estudantes t�m uma renda familiar mensal de at� 1,5 sal�rio m�nimo per capita.
Ribeiro considera ainda que seria dif�cil instaurar um sistema de avalia��o capaz de dar conta da complexidade das diferentes situa��es econ�micas dos estudantes.
"Imagina uma pessoa de 25 anos que mora com os pais, qual renda vai ser levada em considera��o: a dela ou da fam�lia? E se uma pessoa de 18 anos � independente e mora sozinha? E uma pessoa de 40 anos que mora com o pai e recebe uma mesada?", afirma.
"Sem falar que vai ser preciso criar todo um sistema burocr�tico para colocar tudo isso em pr�tica e obter um ganho muito pequeno. N�o vale a pena."
Ribeiro defende que uma forma melhor de obter mais recursos para o ensino superior seria cobrar mais imposto de renda de quem � mais rico e passar a tributar lucros e dividendos distribu�dos por empresas, por exemplo.
"A solu��o est� na tributa��o e n�o em transformar a educa��o em mercadoria", diz o presidente da SBPC.
Compromisso
Renato Janine Ribeiro diz ainda ter escrito para o General Peternelli para cobrar um compromisso assumido por escrito com a SBPC de que, em sua atua��o parlamentar, defenderia o ensino p�blico superior gratuito. "A PEC viola esse compromisso. Talvez o deputado tenha se esquecido que o assumiu."
Peternelli diz que n�o rompe com esse compromisso, porque est� garantindo a gratuidade do ensino superior a quem precisa na PEC.
"Estamos contribuindo com a universidade para que ela tenham melhores condi��es de ensino e pesquisa e que propicie ensino de qualidade a quem n�o pode pagar", diz o deputado.
Peternelli acredita que a pol�mica em torno da proposta � despropositada.
"N�o entendo por que essa repercuss�o toda. Estou simplesmente defendendo um posto de vista. Eu, por exemplo, tenho um filho que estudou na UnB [Universidade de Bras�lia]. Eu posso pagar, ent�o, eu pago esse dinheiro. Isso faz parte dessa ideia de quem tem mais recursos paga."
Peternelli explica que seu filho desistiu do curso de Arquitetura na UnB para cursar Educa��o F�sica em uma universidade privada. Questionado se ter um filho que estudou em uma universidade p�blica n�o contraria de certa forma a ess�ncia de sua proposta, Peternelli responde que n�o.
"A� voc� estaria tirando minha liberdade. Eu matriculo meu filho onde ele tem direito, onde for necess�rio. Tem que colocar um filho nas melhores institui��es. N�o � porque pode pagar que n�o vai colocar l�", diz o deputado. "Voc� est� desvirtuando, n�o leve por esse lado. Leve pelo lado bom."
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