
Viol�ncia, pobreza, corrup��o, servi�os prec�rios de sa�de e educa��o: todos s�o problemas graves que afetam a vida de grande parte dos brasileiros, mas qual deles est� mais presente na cabe�a do eleitor quando ele entra na cabine de vota��o pode ser determinante para os rumos da elei��o presidencial.
Pesquisas da ci�ncia pol�tica indicam que na maioria das vezes � o bolso que tem maior peso na decis�o de voto, explica � BBC News Brasil Daniela Campello, professor da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) e pesquisadora do Wilson Center em Washington, think tank sediado nos Estados Unidos.
Foi essa realidade que levou o estrategista pol�tico americano James Carville a cunhar a m�xima "� a economia, est�pido!" para explicar a esperada derrota — que se confirmou — do ent�o presidente dos Estados Unidos, o republicano George H. W. Bush, na sua tentativa de reelei��o em 1992. Naquele momento, o pa�s passava por uma crise econ�mica e quem acabou eleito foi o democrata Bill Clinton.Levantamentos realizados na campanha brasileira de 2018, por�m, mostram que aquela foi uma elei��o diferente.
H� quatro anos, eleitores entrevistados por institutos de pesquisa respondiam que a corrup��o era o maior problema do Brasil. Naquele momento, os partidos pol�ticos tradicionais estavam fragilizados pelo impacto da Lava Jato, mega opera��o que revelou grandes desvios de recursos na Petrobras durante o governo da petista Dilma Rousseff (2011-2016).
Segundo Ant�nio Lavareda, presidente do conselho cient�fico do Instituto de Pesquisas Sociais, Pol�ticas e Econ�micas (Ipespe), aquela foi, no jarg�o da ci�ncia pol�tica, uma "elei��o cr�tica", ou seja, fora da curva, o que abriu espa�o para um candidato radical, Jair Bolsonaro, romper a antiga polariza��o entre PT e PSDB.
"Havia crise econ�mica, polariza��o ideol�gica e um fato super importante: a Lava Jato. A opera��o decidiu o mood (o humor) daquela elei��o. Abriu as portas para a chegada do outsider. Isso ocorreu na vit�ria de Jair Bolsonaro, mas tamb�m na elei��o do Congresso, em que o PSL (partido at� ent�o nanico pelo qual Bolsonaro se elegeu) fez uma enorme bancada", lembra Lavareda.
Quatro anos depois, as pesquisas mostram o retorno do "voto econ�mico".
Problemas relacionados ao bem-estar financeiro, como infla��o, mis�ria e desemprego, voltaram ao topo das preocupa��es do eleitor. � um cen�rio que tem dificultado a tentativa de reelei��o de Bolsonaro (hoje no PL) e impulsionado a candidatura do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), reconhecido por ter alcan�ado bons resultados econ�micos no seu governo.

N�o � toa, Bolsonaro tem adotado uma s�rie de medidas para tentar minimizar a dificuldade econ�mica da popula��o, como baixar impostos e elevar benef�cios sociais. A primeira medida j� permitiu reduzir o pre�o da gasolina. J� Aux�lio Brasil maior (de R$ 400 para R$ 600), a amplia��o do vale g�s para fam�lias pobres e o novo aux�lio de R$ 1 mil para caminhoneiros aut�nomos devem come�ar a ser pagos em agosto.
O que dizem os n�meros?
Pesquisa do Ipespe realizada em maio deste ano perguntou aos entrevistados qual tema consideravam mais importante para ser tratado pelo pr�ximo presidente no in�cio do governo. Infla��o ficou no topo com 26% de men��es. Somando todos os temas econ�micos (al�m de infla��o, desemprego, fome/mis�ria e sal�rio), essa �rea aparece como maior preocupa��o de 49% dos eleitores ouvidos.
J� corrup��o e viol�ncia aparecem como o sexto e s�timo temas principais para o eleitor, com 6% e 3% de men��es, respectivamente, ficando atr�s tamb�m de educa��o (24%) e sa�de (15%).
O resultado � bem diferente do coletado pelo Ipespe em maio de 2018, quando esses quatro temas juntos (infla��o, desemprego, fome/mis�ria e sal�rio) eram apontados como o principal problema a ser solucionado pelo pr�ximo presidente por apenas 18% dos entrevistados. Naquela elei��o, a pesquisa mostrou corrup��o no topo das preocupa��es (28%), seguida de sa�de (22%), educa��o (16%) e viol�ncia (13%). Apenas em quinto lugar, vinha o desemprego (11%), como quest�o econ�mica mais citada.
Um exemplo que ilustra bem o impacto dessa mudan�a, nota a professora Daniela Campello, � a transforma��o do voto evang�lico. Em 2018, esse segmento optou em peso por Bolsonaro. Pesquisa do Instituto Datafolha da v�spera do segundo turno mostrou que 59% dos evang�licos pretendiam votar no ent�o candidato do PSL, contra apenas 26% em Fernando Haddad, o candidato do PT.
J� neste ano, a pesquisa Datafolha mais recente, do final de junho, mostra um cen�rio mais apertado, com Bolsonaro marcando 40% de inten��o de voto entre os evang�licos, e Lula com 35%.
"H� um certo consenso de que os evang�licos votaram em peso em Bolsonaro em 2018 por toda uma agenda de costumes. Acho que muitos votaram contra Haddad tamb�m porque vinham de uma crise econ�mica do per�odo da Dilma (Rousseff). � muito dif�cil diferenciar se as pessoas estavam votando contra o PT da Dilma ou a favor da agenda de costumes", analisa Campello.
"Hoje, Bolsonaro n�o tem a mesma vantagem no voto evang�lico. A gente percebe que, mesmo aqueles que compartilham do discurso do Bolsonaro n�o v�o votar nele porque precisam se alimentar, precisam ter emprego, precisam conseguir comprar, e n�o est�o conseguindo", acrescenta.
"Crise alimentou indigna��o com Lava Jato"
Voltando � an�lise mais macro do voto em 2018, a professora da FGV considera que a quest�o econ�mica n�o estava completamente ausente da decis�o do eleitor naquele ano. Na sua avalia��o, foi a fraqueza da economia que criou as condi��es para que as revela��es da Lava Jato gerassem tanta revolta na popula��o.
Campello compara o cen�rio de 2018 com a elei��o de 2006, quando outro esc�ndalo de corrup��o, o do Mensal�o (acusa��o de compra de votos no Congresso pelo governo Lula), era um tema importante da campanha eleitoral, mas n�o impediu a reelei��o do petista.
Naquele ano, o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e servi�os) cresceu 4%, e o bom desempenho da economia se refletia na boa avalia��o do governo.
"Em 2006, falava-se muito sobre Mensal�o, mas essa conversa n�o colou na cabe�a do eleitor e ele votou novamente no Lula. H� pesquisas na ci�ncia pol�tica que mostram que esc�ndalos de corrup��o ou outros esc�ndalos de governo tendem a ter um efeito mais forte na cabe�a do eleitor em situa��o de crise", explica a professora.
J� em 2018 o PIB brasileiro crescia num ritmo lento pelo segundo ano seguido, ap�s forte retra��o no final do governo Dilma Rousseff (PT) — a economia encolheu mais de 3% em 2015 e 2016.
"Havia crise econ�mica, as pessoas estavam extremamente insatisfeitas, e a� vem o esc�ndalo de corrup��o. Isso fica na cabe�a do eleitor e ele responde corrup��o (como maior problema do pa�s). Mas eu acho que o pano de fundo dessa frustra��o com a corrup��o tamb�m era o fato de que havia uma crise econ�mica muito forte", analisa a professora.
De 2018 para c�, a Lava Jato sofreu forte desgaste depois que a s�rie de reportagens Vaza Jato, do site Intercept Brasil, revelou poss�veis abusos da opera��o. Ap�s isso, uma s�rie de condena��es acabaram revertidas nos tribunais superiores, inclusive condena��es contra Lula, o que permitiu que o petista recuperasse seus direitos pol�ticos.
Se por um lado o discurso anticorrup��o acabou enfraquecido, de outro a crise econ�mica se agravou ap�s a pandemia de covid-19, provocando forte aumento da mis�ria e fome no pa�s. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Seguran�a Alimentar e Nutricional, h� 33,1 milh�es de brasileiros passando fome, 14 milh�es a mais do que em 2020.
"Em geral, economia tente a ser o grande tema de qualquer elei��o, porque a economia � o bem estar das pessoas, � o emprego, a capacidade de comprar. Mesmo que outros fatores afetem a economia, como a pandemia, o eleitor sempre associa o resultado econ�mico � imagem do presidente", afirma Campello.
"A elei��o de 2018 tamb�m foi diferente porque o presidente (Michel Temer) n�o tentou a reelei��o e candidato do seu governo (Henrique Meirelles) era muito desconhecido. Eu acho que 2022 � uma elei��o tradicional: tem uma crise econ�mica e tem um governo que vai responder pelos resultados do que fez nos �ltimos quatro anos. Se houvesse um per�odo muito bom economicamente, seria uma resposta positiva a Bolsonaro", ressalta.
Lula � visto como mais preparado na economia
O cen�rio apontado pela pesquisa Ipespe � confirmado por outras pesquisas. No levantamento eleitoral da Quaest de julho deste ano, economia � apontada como principal problema do pa�s por 44% dos eleitores, bem acima dos outros temas. Em segundo lugar est� "quest�es sociais" (17%), seguido de sa�de/pandemia (12%), corrup��o (9%) e viol�ncia (4%).
A pesquisa n�o foi realizada em 2018, mas � poss�vel perceber o aumento da preocupa��o com a economia analisando outros levantamentos da Quaest no �ltimo ano. Em julho de 2021, por exemplo, a quest�o econ�mica era o principal problema para 28% dos entrevistados, perdendo para sa�de/pandemia (41%). Naquele momento, o pa�s ainda passava por um per�odo mais severo de mortes causadas pelo coronav�rus.
Outra pesquisa Quaest, de outubro, ajuda a entender porque Lula tem sido beneficiado pelo aumento da preocupa��o com a economia. Na ocasi�o, 44% dos entrevistados apontaram o petista como o mais apto para controlar a economia, contra 18% de Bolsonaro.
Lula tamb�m foi apontado como o melhor candidato para tratar de outros temas, como sa�de e pandemia (37%) e combate � corrup��o (28), mas � nos desafios econ�micos — justamente a �rea percebida como mais problem�tica — que ele registra o maior �ndice de confian�a do eleitor.
Esse tipo de percep��o pode limitar o impacto das a��es recentes adotadas por Bolsonaro para amenizar os problemas econ�micos. Al�m disso, analistas pol�ticos t�m apontado o risco de essas medidas, implementadas a poucos meses do pleito, serem vistas como eleitoreiras.
A distribui��o apenas no per�odo eleitoral � chave para a associa��o com a compra de voto. Assim, ao limitar a dura��o do aumento s� at� dezembro, acabando depois das elei��es, � quase imposs�vel desfazer a associa��o do aumento entre os beneficiados com a compra de votos.
— Mariana Borges (@Mari_BorgesMS) July 18, 2022Para a cientista pol�tica Mariana Borges, pesquisadora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, o fato dos novos benef�cios sociais criados pelo governo terem previs�o de durar apenas at� dezembro tamb�m deve dificultar a atra��o de votos para o presidente. Na sua avalia��o, esse prazo curto pode levar o eleitor a associar a medida a uma tentativa de "compra de voto".
"Ao contr�rio do que tradicionalmente se pressup�e, eleitores de baixa renda percebem muito negativamente a compra de voto, exatamente porque tomam como certo que candidatos que compram voto abandonam os eleitores ap�s as elei��es", disse Borges em sua conta no Twitter.
"Com o aumento com hora marcada pra morrer, Bolsonaro est� assim, sem querer, colando sua imagem com os chamados 'pol�ticos de copa de mundo', os que 's� ajudam de quatro em quatro anos' (durante as elei��es). Dificilmente, portanto, vai conseguir ser visto como pais dos pobres com essa aumento com hora marcada pra acabar...", escreveu ainda na rede social.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62270734
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