
Em 2022, Bolsonaro afirmou que seu governo n�o seria poss�vel sem o presidente da C�mara, Arthur Lira, e seu Centr�o, grupo de partidos conhecido pelos posicionamentos mais fisiol�gicos do que ideol�gicos. Em 2018, um de seus mais longevos auxiliares, o general Augusto Heleno, lan�ava no microfone da conven��o uma par�dia do cl�ssico do sambista Ary do Cavaco, imortalizado na voz de Bezerra da Silva: "Se gritar pega Centr�o, n�o fica um meu irm�o".
O contraste
H� quatro anos, algumas centenas de pessoas estavam presentes no modesto centro de conven��es no Rio em que o PSL sacramentou o ent�o deputado federal Bolsonaro como seu presidenci�vel.
Os registros do evento eram feitos com uma c�mera fixa, de baixa qualidade, ou via celular dos presentes. Os discursos se seguiam, mais ou menos animados, e um mestre de cerim�nias chamava ao p�lpito os convidados. O microfone falhava. A ilumina��o era prec�ria. O candidato Alexandre Frota, que em 2022 � deputado federal e inimigo declarado de Bolsonaro, fazia as vezes de animador dos presentes.
Com apenas um deputado na C�mara, o PSL tinha poucos recursos - a campanha total n�o custou mais de R$ 3 milh�es, segundo o que a coliga��o PSL-PRTB declarou ao TSE. Para se ter uma ideia, em 2010 e 2014, as campanhas vitoriosas de Dilma Rousseff (PT) custaram respectivamente R$ 153 milh�es e R$ 350 milh�es.
Havia no ar, em 2018, um clima mambembe que o ent�o coordenador da campanha, Gustavo Bebianno, ostentava com certo orgulho. Para ele, as prec�rias condi��es do evento eram testemunho de que o candidato em quest�o era um "outsider", algu�m de fora do centro de poder pol�tico tradicional.
"(Querem) caracterizar o isolamento do Bolsonaro. Por que isolamento? Est� a� definitivamente configurado o porqu� do isolamento. Porque querem reunir todos aqueles que precisam escapar das barras da lei em um s� n�cleo. Quanto maior, melhor, mais eles v�o se proteger. E da� surgiu esse centr�o", disparou o general Heleno, atual ministro-chefe do Gabinete de Seguran�a Institucional (GSI), na conven��o de 2018.
Um dos apoiadores na plateia gritou: "Lix�o". Heleno, ent�o, corrigiu: "N�o, lix�o n�o d� por que t� proibido pela lei do meio ambiente, mudou de nome porque n�o pode ter lix�o", riu.
"Mas eles (Centr�o) t�m um ponto fundamental. Eles podem come�ar e terminar a sua inser��o televisiva com uma musiquinha sensacional. Eu vou pela primeira vez na minha vida cantar no microfone alguma coisa que n�o seja um hino p�trio. A musiquinha pra come�ar e terminar a inser��o televisiva do Centr�o �: "Se gritar pega Centr�o, n�o fica um meu irm�o", cantarolou Heleno.
Heleno representava o esp�rito no centro de conven��es, em 2018. Chamado a discursar, Eduardo Bolsonaro, terceiro filho do ent�o candidato, afirmou: "Eu queria tirar uma foto do rosto de cada um dos senhores aqui pra saber se quando, em 2019, o couro comer pra valer, voc�s v�o se deixar seduzir por discurso do Centr�o ou se manter firme forte Bolsonaro".

O pr�prio candidato afirmou que os titulares de seu futuro minist�rio e dirigentes de estatais seriam escolhidos a partir de crit�rios t�cnicos e n�o por conveni�ncia "de grupelhos pol�ticos aliados ao Centr�o. Mais uma vez obrigado, Geraldo Alckmin, por ter sido a esc�ria da pol�tica brasileira".
Em 2018, al�m do PSDB, a coliga��o de Alckmin contava com PP, PRB (hoje Republicanos), DEM, PR, SD, PSD e PPS. Hoje, al�m do PL, dirigido por Valdemar Costa Neto, conhecido por ter sido condenado por corrup��o no esc�ndalo do Mensal�o, a coliga��o de Bolsonaro � composta tamb�m por PP e Republicanos.
No domingo (24/07), o cen�rio era bem distinto de 2018. Bolsonaro comandava pessoalmente a conven��o no palco do Maracan�zinho, no Rio, diante de milhares de pessoas. Uma variedade de c�meras se revezavam em gravar os mais variados �ngulos do evento e uma mesa de som garantia a qualidade do que sa�a dos microfones. Recursos de sonoplastia, salpicados entre as frases do candidato, animavam a massa no lan�amento do candidato do tradicional PL.
Bolsonaro discursava sem ler, mas nada sugeria um evento improvisado. A dupla sertaneja Matheus e Cristiano entoava ao vivo o jingle da campanha, o "Capit�o do Povo". O PL de Bolsonaro hoje tem a maior bancada da C�mara dos Deputados, 77 deputados. "Obrigado, presidente Valdemar Costa Neto", dizia o locutor do evento no encerramento.
No palco, ao lado de Bolsonaro, o atual presidente da C�mara Arthur Lira (PP-AL) ostentava uma camiseta azul em que se lia "Bolsonaro 2022".
Ao falar sobre Lira, Bolsonaro afirmou que ele "tem colaborado muito com o governo, gra�as a ele conseguimos aprovar leis que vieram a baixar o pre�o dos combust�veis. A grande maioria dos parlamentares, cada vez mais, est� com o governo. E o governo est� com eles", afirmou, em refer�ncia � redu��o de impostos sobre gasolina e g�s e em poss�vel men��o � distribui��o de recursos bilion�rios aos deputados, pr�tica que ficou conhecida como Or�amento Secreto.
"Eu sei que a figura mais importante hoje aqui sou eu, mas se n�o � o Arthur Lira, esse cabra da peste de Alagoas, n�o ter�amos chegado a esse ponto.
Obrigado, Lira. Obrigado deputados e senadores. � o trabalho em conjunto", disse Bolsonaro. Os presentes puxaram palmas.
O antissistema x o representante do sistema
A inflex�o de Bolsonaro ao Centr�o n�o � exatamente uma novidade. H� um ano, ele disse que havia "nascido no Centr�o".
"Centr�o � um nome pejorativo, eu sou do Centr�o, eu sou do Centr�o, sou do PP. N�s temos 513 deputados, o tal Centr�o s�o uns partidos que l� atr�s se uniram na campanha do Alckmin, e ficou uma coisa pejorativa, uma coisa danosa. (Mas) n�o tem nada a ver, eu nasci de l�", disse o presidente em uma live em julho de 2021.
� verdade, o pr�prio Bolsonaro venceu cinco elei��es como deputado federal justamente pelo PP de Lira.

Mas o contraste entre as conven��es de 2018 e de 2022 salta aos olhos especialmente porque, h� quatro anos, a imagem de "outsider" era um dos maiores ativos do ent�o candidato do PSL.
Segundo Ant�nio Lavareda, presidente do conselho cient�fico do Instituto de Pesquisas Sociais, Pol�ticas e Econ�micas (Ipespe), em 2018, a Opera��o Lava Jato foi central para definir o humor dos eleitores. Naquele ano, 28% deles se diziam preocupados com o tema da corrup��o. Agora, apenas 6% afirmam que isso � um tema de sua aten��o.
A Opera��o Lava Jato, que investigou esquemas de corrup��o envolvendo a Petrobras e partidos pol�ticos, havia atingido frontalmente os dois principais nomes postulantes recentes ao Planalto, o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, do PT, e o tucano A�cio Neves. Nenhum partido, no entanto, tinha tido tantos quadros denunciados e condenados quanto o PP, de Arthur Lira.
O general Heleno, ainda na conven��o de 2018, demonstrava a prem�ncia do tema e defendia que Bolsonaro seria o nome certo para preservar os resultados da opera��o. "O primeiro ato do presidente que for eleito carimbado pelo Centr�o vai ser uma anistia ampla, real e irrestrita. Vai ser um indulto de todos os que est�o envolvidos em processos de Lava Jato a� e em todos os processos a�. Vai sair todo mundo zero a zero. N�o tenham d�vida disso", afirmou.
No poder, Bolsonaro comemorou ter "acabado com a Lava Jato", acrescentando, por�m, que isso teria ocorrido gra�as ao fim da corrup��o. Ele convidou para seu minist�rio o ent�o juiz Sergio Moro, que saiu do governo mais de um ano depois acusando o presidente de interfer�ncia indevida na Pol�cia Federal e em suas investiga��es.
Para a cientista pol�tica Beatriz Rey, pesquisadora visitante da Johns Hopkins University, � justamente ao bin�mio investiga��o/corrup��o a aproxima��o de Bolsonaro com o Centr�o.
"Bolsonaro n�o tem mais o discurso antissistema. Isso ficou bem claro ontem (na conven��o). O Lira � parte do sistema em n�vel federal e nacional. A virada em dire��o ao Centr�o foi selada pelo caso Queiroz, j� que Bolsonaro se move pelo temor de ser preso ou ver os filhos presos. Esse � um ponto de inflex�o na rela��o de Bolsonaro com o Congresso. Ao abra�ar o Centr�o, Bolsonaro se blindou no Congresso e ele tamb�m passou a ter uma estrutura m�nima para fazer um evento como o que fez no domingo, algo que n�o teve em 2018".
Em meados de 2020, um ex-assessor do atual senador Fl�vio Bolsonaro e amigo pessoal de seu pai, Fabr�cio Queiroz, foi preso quando se refugiava na casa do advogado da fam�lia Bolsonaro, Frederick Wassef. Queiroz era acusado de operar um esquema de desvio de recursos p�blicos do gabinete de Fl�vio na Assembleia Legislativa do Rio, na qual funcion�rios fantasmas devolviam parte de seus sal�rios, o que � conhecido como "rachadinha".
Ao mesmo tempo em que o esc�ndalo se desenrolava, o Executivo passou a liberar mais verbas ao Congresso em um formato em que elas eram carimbadas pelo relator do Or�amento na C�mara, de modo que sua destina��o final foi considerada opaca pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Somado a isso, nos meses seguintes, o Planalto passou a apostar na elei��o de Lira para presidente da C�mara. O posto dava a ele n�o apenas o controle sobre esses novos recursos de Or�amento como a decis�o de abrir ou n�o um processo de impeachment, algo que Lira se comprometeu a barrar. � essa sustenta��o que, de acordo com os analistas, Bolsonaro premia com suas palavras na conven��o.
Embora possa soar como "brutal", a mudan�a no discurso de Bolsonaro n�o deve provocar grande impacto em seu eleitorado, argumenta Rey. Em parte porque o tema saiu da agenda dos eleitores brasileiros. Em parte porque aqueles que viam a quest�o como central talvez n�o estejam dispostos a apoiar Lula, hoje candidato do PT novamente � Presid�ncia.
E em parte porque os valores representados por Bolsonaro hoje, como a defesa de ideias conservadoras, de armamento e contra o comunismo, s�o mais importantes para seu grupo de eleitores do que a corrup��o.
Al�m disso, Bolsonaro mant�m a base energizada ao atacar outros entes da Federa��o. "O Congresso ele n�o pode atacar mais, mas volta as baterias ao Supremo, �s urnas, chama a base para o Sete de Setembro", diz Rey.
"A elei��o de 2018 foi muito an�mala para o pr�prio Bolsonaro. Voltar ao Centr�o pra ele � como um retorno �s suas origens, na l�gica do 'bom filho � casa torna'", afirma Rey.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62299807
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