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Estado de Minas ELEI��ES 2022

A elei��o em que Bolsonaro defendeu urna eletr�nica como ant�doto contra fraude no voto impresso

Em 1994, atual presidente enumerou provid�ncias que julgava necess�rias para garantir lisura do processo eleitoral %u2014 entre elas, proibi��o do voto dos analfabetos, exig�ncia de segundo grau (o antigo ensino m�dio) para candidatos e informatiza��o das elei��es.


04/08/2022 06:55 - atualizado 04/08/2022 08:13


Jair Bolsonaro
Em 1993, Bolsonaro defendeu que elei��es fossem informatizadas pelo TRE (foto: Arquivo da C�mara dos Deputados)

"Esse Congresso est� mais do que podre", gritou o ent�o deputado federal Jair Bolsonaro no dia 20 de agosto de 1993. "Estamos votando uma lei eleitoral que n�o muda nada. N�o querem informatizar as apura��es. Sabe o que vai acontecer? Os militares ter�o 30 mil votos, e s� ser�o computados 3.000".

Bolsonaro, ent�o filiado ao PPR (Partido Progressista Reformador) de Paulo Maluf, discursava para coron�is e generais da reserva na sede do Clube Militar do Rio de Janeiro em um evento para discutir a "salva��o do Brasil". Fazia uma defesa da nascente urna eletr�nica como um ant�doto contra fraudes que ocorriam no voto impresso.

A maior parte da reuni�o, segundo o Jornal do Brasil da �poca, ocorreu sob sigilo, com os participantes divididos em seus planos para a retomada do poder. Uns defendiam o lan�amento de candidaturas para as elei��es de 1994. Outros, como Bolsonaro, sustentavam que a via democr�tica era um "sistema viciado".

"Independente das pequenas diverg�ncias, n�s j� somos uma for�a pol�tica, e estamos crescendo", disse no evento do clube militar Euclydes Figueiredo (1919-2009), irm�o de Jo�o Figueiredo (1918-1999), �ltimo presidente da ditadura militar brasileira. "N�o queremos o golpe, mas eles nos temem".

No final daquele ano, enumeraria as provid�ncias que julgava necess�rias para garantir a lisura do processo eleitoral — entre elas, a proibi��o do voto dos analfabetos, a exig�ncia de segundo grau (o antigo ensino m�dio) para os candidatos e a informatiza��o das elei��es.

"S� com essas medidas conseguir�amos evitar os votos comprados", disse.

As declara��es contrastam com uma das principais plataformas do atual presidente da Rep�blica: lan�ar desconfian�a sobre a lisura da urna eletr�nica.


Jair Bolsonaro com Michelle e Temer
Jair Bolsonaro durante a posse (foto: Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil)

As investidas de Bolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) v�m se acirrando desde 7 de outubro de 2018, com a defini��o do segundo turno contra Fernando Haddad (PT) na �ltima disputa presidencial.

"Lamentavelmente, o sistema derrotou o voto impresso", disse o ent�o candidato presidencial do PSL. "Se tiv�ssemos confian�a no voto eletr�nico, j� ter�amos o nome do futuro presidente da Rep�blica decidido no dia de hoje".

No �ltimo dia 14 de julho, o Minist�rio da Defesa sob comando de Bolsonaro sugeriu, para as elei��es de 2022, uma vota��o paralela em c�dulas de papel, sob a justificativa de testar a confiabilidade do sistema eletr�nico.

Quatro dias depois, em meio a uma reuni�o com embaixadores estrangeiros no Pal�cio da Alvorada, Bolsonaro criticou ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), acusando-os de sabotar eventuais medidas de transpar�ncia.

"Bozo Ricupero"

Em 1994, ano em que Bolsonaro se reelegeu para a C�mara dos Deputados, a infla��o e o Ex�rcito assombravam os debates pol�ticos no pa�s.

Era tamb�m o in�cio do Plano Real.

A medida provis�ria nº 434, publicada no final de fevereiro de 1994, instaurava a Unidade Real de Valor (URV), empregando-a como refer�ncia nas convers�es financeiras para a nova moeda, a ser lan�ada em junho.

Organiza��es trabalhistas se opunham aos crit�rios do governo, por consider�-los prejudiciais aos assalariados. Segundo c�lculos do Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese), as perdas no poder de compra da popula��o oscilariam entre 26% e 55%.

A URV desagradava igualmente ao Ex�rcito. De acordo com Bolsonaro, coron�is teriam soldos reduzidos a 5,5 sal�rios m�nimos; capit�es, a 3,2; e sargentos, a 2,5.

O jornal Tribuna da Imprensa noticiou que, em 1º de mar�o, Bolsonaro discursou na tribuna da C�mara: "N�o admito uma pol�tica econ�mica dessa forma. J� que o presidente n�o � homem, que pelo menos o ministro seja, e assuma de vez esse arrocho".

Segundo o di�rio Jornal do Brasil de 12 de mar�o, o atual presidente recomendava "a��es de guerrilha, saques e sabotagem" contra o Plano Real para evitar que militares se transformassem em "meros funcion�rios de quarteis".

Em 14 de abril, o Congresso aprovou a medida provis�ria nº 457, que implementava pequenas mudan�as � URV, sem incorporar as propostas da oposi��o.

Bolsonaro, aos berros, alardeou: "Vejam o que eu fa�o com essa m...".

Em seguida, dirigiu-se ao senador Ronan Tito (PMDB-MG), que segurava uma c�pia do texto, e arrancou o papel de suas m�os, rasgando-o e cuspindo sobre as folhas picadas.

Quatro dias depois, o incidente reverberaria no Clube Militar. Falas do evento foram registradas pelo Tribuna da imprensa — o jornal que mais citaria o parlamentar ao longo dos anos 1990.

"Hoje n�o preciso cuspir em ningu�m. Aqui, estou entre amigos", discursou Bolsonaro, de volta ao local.

"Mas n�o posso dizer o mesmo do Congresso, que � uma pocilga."


Itamar Franco nomeia Fernando Henrique Cardoso ao Ministério da Fazenda, em maio de 1993
Itamar Franco nomeia Fernando Henrique Cardoso ao Minist�rio da Fazenda, em maio de 1993 (foto: Instituto Fernando Henrique Cardoso)

Rubens Ricupero, que substitu�ra Fernando Henrique no Minist�rio da Fazenda, foi o maior alvo do deputado naquela segunda-feira: "Esse ministro Bozo Ricupero est� fazendo papel de palha�o ao dizer que as medidas protegem sal�rios", acusou.

"O Plano Real s� dura at� o dia 3 de outubro, para eleger o canalh�o do FHC. Tenho imunidade para falar o que quero, n�o para roubar."

Fernando Henrique se demitira para disputar o comando do Executivo pelo PSDB. Luiz In�cio Lula da Silva, seu principal advers�rio, concorria � presid�ncia pelo PT.

O golpe de 1964 completava tr�s d�cadas, e sua mem�ria vinha sendo relativizada por diversas candidaturas militares menos de dez anos ap�s a redemocratiza��o.

No Clube Militar, uma plateia de 200 oficiais aplaudiu a fala de Bolsonaro.

Mas Euclydes Figueiredo externou certa ressalva: "J� dei conselho para ele falar tudo o que queira do Congresso, desde que n�o use adjetivos".

"Eu n�o entendo nada de pol�tica

Numa sexta-feira, 12 de agosto, cem militares da reserva se aglomeraram em frente ao Pal�cio Duque de Caxias, no centro do Rio de Janeiro. Insatisfeitos com os pr�prios sal�rios, entoavam palavras de ordem: "Melhor sobreviver na ditadura que morrer nessa democracia".

Bolsonaro liderava a manifesta��o. Como prova dos baixos vencimentos recebidos pela categoria, ostentou uma xerox do seu contracheque de parlamentar, lado a lado com o de um general e o de um juiz.

"Desafio o presidente da Rep�blica a divulgar na imprensa os contracheques dos funcion�rios das estatais, do Banco Central, dos auditores fiscais, entre outros", declarou � Tribuna da Imprensa. "Eles financiam a campanha do FHC com o que roubam dos civis e militares", acusou o congressista, sem apresentar provas.

Os militares planejavam disputar elei��es majorit�rias naquele ano.

O general Newton Cruz (1924-2022), candidato ao governo do Estado pelo PSD carioca, mostrava-se otimista com o futuro dos militares junto � opini�o p�blica: "A maioria da popula��o do Rio prefere um governador que n�o seja pol�tico", afirmou o general.


Bolsonaro e Newton Cruz em 1994
General Newton Cruz, candidato a governador do RJ em 1994, alisa rosto de Bolsonaro durante campanha (foto: Biblioteca Nacional)

"A todo momento, a gente ouve que antigamente era melhor, que as coisas n�o eram t�o ruins quanto hoje".

Em agosto daquele ano, pesquisas do Instituto Gerp revelariam que o general tinha apenas 4% das inten��es de voto no estado, contra 10% de Jorge Bittar (PT), 24% de Marcello Alencar (PSDB) e 27% de Anthony Garotinho (PDT).

Cruz, por�m, questionou as estat�sticas: "O que vale � o que estou vendo nas ruas", disse. "Pelo que li, o estudo foi pago pelo PT. N�o quero discutir com nenhum instituto, mas n�o acredito nessa pesquisa. Se for verdade, tem muita gente mentindo para mim."

Enquanto isso, Bolsonaro se dizia ignorante sobre pol�tica.

Um jornalista da Tribuna da Imprensa perguntou o que ele achava da coliga��o de seu PPR com o PSD de Newton Cruz: "Eu n�o entendo nada de pol�tica, n�o tenho a m�nima ideia", respondeu.

"S� estou aqui no cantinho, com o meu pessoal."

Mas o capit�o mostrava-se desconfort�vel com outros colegas de caserna que adentraram a pol�tica: "Alguns querem apenas atrapalhar o trabalho dos mais bem situados", reclamou.

A declara��o foi vista como uma indireta a S�rgio Porto da Luz — oficial da Marinha, assessor legislativo e candidato a deputado federal pelo PMDB.

"H� lugar para todos", defendeu-se Porto da Luz. "Bolsonaro diz no programa eleitoral que os demais candidatos n�o fizeram nada pelos militares, quando na verdade � ele quem rouba as ideias dos outros."

Numa quinta-feira, 10 de novembro, o oficial da Marinha prestou queixa no 22º DP da Penha, acusando Bolsonaro e outros seis homens de terem agredido seus eleitores na campanha de segundo turno.

O ataque, segundo Porto da Luz, teria provocado ferimentos nas m�os e bra�os das v�timas, entre elas um sargento, Eurico Pamplona, e sua filha, Andrea Lisboa.

Bolsonaro narrou uma outra hist�ria: dizia ter se apoderado dos panfletos que seus advers�rios distribu�am pela Avenida Brasil, e descartado o material num bueiro.

Negava, entretanto, quaisquer agress�es f�sicas: "Porto da Luz � homossexual passivo e recalcado", declarou � Tribuna da Imprensa. "N�o vou comprar briga com ele".

"Claro que roubaram meus votos"

O segundo turno para governador do Rio de 1994 seria disputado entre o ex-prefeito do Rio Marcello Alencar (PSDB) e o ex-prefeito de Campos dos Goytacazes Anthony Garotinho (PDT). O tucano acabaria vencendo.

Mas o Legislativo fluminense tamb�m teve uma nova elei��o no segundo turno porque a vota��o para deputado ocorrida no primeiro turno foi anulada.

Jairo Vasconcelos do Carmo, juiz da 13ª Zona, anulou os votos de uma urna mal lacrada na 923ª se��o. Na 890ª, teriam sido encontradas pelo menos 20 c�dulas n�o assinadas pelos mes�rios.

Na 1ª Zona, o juiz Fernando Cabral descobriu irregularidades em 185 c�dulas — de acordo com uma reportagem publicada pelo Jornal do Brasil, todas elas beneficiavam um candidato militar.

"Isso abala a credibilidade da democracia", lamentou a deputada Cidinha Campos (PDT). "O in�cio de tudo � a fraude eleitoral. O parlamentar j� chega ao Congresso roubando".

A sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no centro da capital fluminense, teve sua vigil�ncia refor�ada ap�s o recebimento de um telefonema an�nimo com amea�as de morte a Youssef Salim Saker, presidente do Tribunal, ao procurador Alcir Molina e ao ent�o juiz e atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que ordenara a recontagem de 380 mil votos na 25ª Zona.

"Isso parte de um grupo de pessoas contrariadas com meu trabalho contra as fraudes", declarou Fux. "Mas vou jogar duro at� o final".

No dia 19 de outubro, o TRE decidiu, por unanimidade, anular as elei��es para deputado no Rio de Janeiro — um novo pleito, em 15 de novembro, ocorreria paralelamente ao segundo turno para governador.

Bolsonaro, eleito na disputa cancelada, apoiava a medida: "Claro que roubaram meus votos", declarou.

O TRE requisitou o apoio das For�as Armadas para o monitoramento dos col�gios eleitorais na nova vota��o.

As tropas do Ex�rcito, contudo, mostraram-se incapazes de deter as irregularidades no dia.

Luiz Noronha Dantas, juiz da 25ª Zona, descobriu, numa �nica urna, 12 c�dulas preenchidas com a mesma caligrafia, todas em benef�cio de um candidato a deputado estadual pelo PSC.

"A semelhan�a � incontest�vel, por isso decidi anular os votos", explicou o magistrado ao Jornal do Brasil.

Um procedimento similar envolveu os nomes de outros candidatos a deputado. A falsifica��o, nesse caso, era mais sofisticada: "As caligrafias se repetem de quatro em quatro e de dois em dois votos", disse Dantas.

Bolsonaro mostrava-se confiante: "Em 3 de outubro, fui o mais votado aqui na 13ª Zona. A presen�a do Ex�rcito ajuda a inibir fraudadores, mas houve falhas. As For�as Armadas deveriam ter realizado o transporte das urnas at� os locais de apura��o".

Horas depois, o juiz Nelson Carvalhal, da 24ª Zona, descobriria quatro c�dulas falsas, impressas em papel mais fino.

Beneficiavam quatro candidatos, entre eles Bolsonaro.

A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do presidente, mas n�o obteve resposta at� o fechamento desta reportagem.

Essa pr�tica frequentemente vinha associada a um tipo espec�fico de fraude, conhecido por "voto formiguinha": o eleitor inseria na urna uma c�dula falsa, e em seguida repassava a terceiros uma aut�ntica. O c�mplice, depositando de forma irregular a c�dula recebida fora da se��o, por fim subtra�a outra, encaminhada a um novo fraudador — e assim sucessivamente.

Semelhante esquema levou Suimei Cavalieri, ju�za da 82ª Zona, a impugnar os 350 votos de uma urna. "Estamos peneirando tudo", anunciou a magistrada. "Aqueles que conseguiram fraudar na vota��o, est�o sendo descobertos agora".

Bolsonaro recebeu 134.643 votos — a terceira maior vota��o no Estado entre os candidatos a deputado federal.

O voto eletr�nico nos prim�rdios

Tamb�m naquele segundo turno de 1994, em cinco se��es do Educand�rio Imaculada Concei��o, tradicional col�gio cat�lico no centro de Florian�polis, ocorria mais uma experi�ncia do nascente voto eletr�nico na hist�ria pol�tica brasileira.

Fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Servi�o Federal de Processamento de Dados (Serpro), envolveu cerca de 1.880 eleitores.

Paulo Afonso Vieira, candidato a governador pelo PMDB, obteve 987 votos, contra 795 de �ngela Amin, do PPR. Os terminais contabilizaram 12 votos brancos e 86 nulos.

Em entrevista concedida � R�dio Nacional na manh� do dia anterior, Sep�lveda Pertence, ent�o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), defendera o novo sistema como �nica forma de se evitar fraudes: "Esperamos que esse acontecimento chame a aten��o do Congresso Nacional para a necessidade inadi�vel de chegarmos � limpidez completas das elei��es brasileiras", declarou.

A total informatiza��o do pleito, alegava Pertence, era um caminho quase certo — cerca de 3.500 microcomputadores j� haviam sido entregues �s zonas eleitorais para os trabalhos de apura��o.

O �ltimo passo seria o processamento eletr�nico dos votos, dentro da pr�pria urna: "Se pararmos na constru��o da rede, teremos constru�do um rob� modern�ssimo com p�s de barro", disse.

As urnas eletr�nicas seriam oficialmente implementadas em 1996 — na ocasi�o, eleitores de 57 munic�pios escolheram prefeitos e vereadores pelo novo sistema.

Em 2000, a informatiza��o atingiu pela primeira vez a totalidade do eleitorado. Hoje, ela permanece na mira do Poder Executivo.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62311882

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