
Pela primeira vez, o n�mero de pedidos de registro de candidatos negros no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) superou o de postulantes brancos desde que teve in�cio a autodeclara��o de ra�a, em 2014. Neste ano, houve 14.698 candidaturas de autodeclarados pretos ou pardos, representando um total de 50% dos registros.
O dado chama a aten��o, uma vez que a popula��o negra � maioria entre os brasileiros. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) de 2019, 56,2% dos cidad�os se declararam pretos ou pardos.
O avan�o � reconhecido por especialistas, mas considerado insuficiente para promover a paridade entre negros e brancos na pol�tica. Um dos motivos � que as candidaturas n�o se traduzem na mesma propor��o em representantes p�blicos. Em 2018, por exemplo, 55,17% dos postulantes � C�mara se declararam negros. Entre os eleitos, por�m, eles correspondem a apenas 24,3% do total.
Em segundo lugar, h� resist�ncias dentro dos pr�prios partidos. Nas elei��es de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que fosse feita uma distribui��o proporcional pelos partidos, entre candidatos brancos e negros, do Fundo Eleitoral e do tempo de r�dio e tev�. A medida, no entanto, foi desrespeitada por 22 siglas.
Sujeitas a puni��es que iam de multas � suspens�o do fundo partid�rio, as legendas articularam uma anistia no Congresso e n�o sofreram consequ�ncias. O mesmo ocorreu com quem desrespeitou as cotas voltadas �s mulheres.
Por outro lado, o pleito de 2022 � o primeiro no qual ter� efeito a Emenda Constitucional 111, de setembro de 2021, que determina que votos em negros e mulheres contar�o em dobro para a divis�o do fundo partid�rio da elei��o seguinte. Pelo menos em teoria, a medida incentiva as siglas a elegerem candidatos negros.
Outro fator de aten��o � a distribui��o das candidaturas negras entre os cargos disputados: elas est�o mais presentes para as fun��es de menor poder pol�tico, como a de deputado estadual, e se tornam minoria em altas posi��es. Apenas dois negros concorrem � Presid�ncia da Rep�blica neste ano: Vera L�cia (PSTU) e L�o P�ricles (UP), dos 12 nomes registrados no TSE.
Vera L�cia pontua que o aumento das candidaturas negras � resultado de luta travada pelos pr�prios movimentos em defesa da ra�a. "A quest�o � que, mesmo assim, isso n�o est� refletido nos principais debates do pa�s", destaca, referindo-se � aus�ncia dela e de L�o P�ricles nos debates. Em consequ�ncia, exclui-se, tamb�m, a discuss�o sobre o racismo. "Os problemas que mais assolam a sociedade brasileira, que s�o os negros e os ind�genas, ficaram ausentes do debate. Os programas desses candidatos n�o respondem �s necessidades dos negros e negras, e nem das mulheres da classe trabalhadora", diz.
P�ricles faz a mesma an�lise. "Esse ponto passa muito en passant pelas candidaturas, de forma extremamente secund�ria, at� porque mexer nesse problema significa enfrentar setores que mandam e desmandam no Brasil, que impuseram um modo de operar, que s�o as chacinas, as pol�cias extremamente militarizadas, que inclui uma grande viol�ncia contra o povo pobre, sobretudo nas periferias", aponta o candidato.
Insuficiente
Professor do Instituto de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de Bras�lia (Ipol-UnB) e membro do Observat�rio das Elei��es, Carlos Machado diz que as a��es afirmativas s�o importantes, mas insuficientes. "As medidas vigentes precisam de aprimoramento, pois n�o levam em considera��o os crit�rios utilizados pelos partidos para aloca��o de recursos.
Para que uma candidatura seja eleitoralmente vi�vel � importante que ela concentre uma quantidade elevada de recursos", explica. "N�o basta direcionar os recursos para candidaturas de pessoas negras de forma pouco estrat�gica, � preciso que esse recurso seja direcionado efetivamente para contribuir na elei��o dessas candidaturas. A ampla autonomia dada aos partidos para o direcionamento de recursos p�blicos n�o contribui diretamente para a elei��o de pessoas negras."
Machado acrescenta: para al�m de recursos, � preciso que as legendas forne�am um ambiente prop�cio e seguro para essas minorias. "A viol�ncia pol�tica atua como um aspecto que impede n�o apenas a campanha de candidaturas fora do padr�o predominante na pol�tica, mas tamb�m inviabiliza at� mesmo que certas pessoas pensem em se candidatar, com medo das viol�ncias pelas quais podem passar", salienta.
O professor acredita que o caminho para reverter o quadro � com legisla��o e a��o efetiva dos �rg�os fiscalizadores. A advogada e diretora do Instituto de Refer�ncia Negra Peregum, Sheila de Carvalho, defende que os partidos pol�ticos abracem a causa e que, de fato, cumpram a regulamenta��o eleitoral.
"J� houve um processo de anistia dos partidos que n�o cumpriram essa determina��o, e estamos muito receosos de que isso possa voltar a acontecer no ano de 2022. N�o � isso que a gente quer. A gente precisa de um compromisso dos partidos pol�ticos em incentivarem essas candidaturas, tornando-as realmente vi�veis para a competi��o eleitoral", pontua.
Sheila de Carvalho tamb�m destaca que a agenda dos candidatos extrapola o tema ra�a. "O que a gente tem tentado fomentar dentro da sociedade � que o movimento negro tem um projeto pol�tico de pa�s, que n�o � s� para negros e negras, � um projeto pol�tico para todas e todos", frisa. "E isso envolve uma agenda de garantia de direitos. Nesse cen�rio, o que eu acho que � necess�rio que a gente fa�a � buscar que esses candidatos e candidatas ao pleito eleitoral busquem afirmar um compromisso com essa agenda de reivindica��o de direitos."