
Um estudo in�dito realizado por pesquisadores da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) durante p�s-doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, n�o encontrou qualquer evid�ncia de irregularidades na contagem de votos das elei��es brasileiras de 2018.
Alguns dos m�todos usados pelos pesquisadores foram utilizados em elei��es em outras partes do mundo — e j� mostraram sinais de poss�veis fraudes em pa�ses como R�ssia e Uganda.
A pesquisa foi revisada por pares e publicada em 7 de setembro no peri�dico cient�fico Forensic Science International: Synergy, dedicado � ci�ncia forense, campo do saber voltado � investiga��o de crimes e assuntos legais a partir de conhecimentos t�cnicos e cient�ficos.
O novo estudo corrobora an�lises feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e por outros pesquisadores independentes, que chegaram ao mesmo resultado, reiterando a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.
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No levantamento, os pesquisadores da UFPE utilizam cinco testes estat�sticos diferentes, baseados em tr�s metodologias distintas, para analisar os resultados da �ltima elei��o presidencial brasileira, a partir dos dados oficiais fornecidos pelo TSE.
O ano de 2018 foi escolhido para an�lise por se tratar de um evento singular na hist�ria eleitoral, explicam Dalson Figueiredo, Lucas Silva e Ernani Carvalho, autores do estudo."Foi a primeira vez em que um candidato vencedor alegou suspei��o do processo que regulou a sua pr�pria vit�ria. As d�vidas quanto � integridade das apura��es costumam ser feitas, exclusivamente, pelos candidatos derrotados", destacam os pesquisadores, citando como exemplo desse padr�o a contesta��o da vit�ria de Dilma Rousseff (PT) por A�cio Neves (PSDB) em 2014 e da vit�ria de Joe Biden por Donald Trump nas elei��es americanas de 2020.
O ineditismo do estudo est� na aplica��o simult�nea dos cinco testes matem�ticos com diferentes metodologias, explica Figueiredo, em entrevista � BBC News Brasil.
"Quando dados s�o manipulados de forma intencional, isso pode ser detectado por m�todos estat�sticos, porque deixa rastros", diz o coordenador do Programa de P�s-gradua��o em Ci�ncia Pol�tica da UFPE.
"Normalmente, na literatura de per�cia eleitoral, o que os pesquisadores fazem � aplicar um ou outro teste. O que n�s fazemos � pegar todas as metodologias estat�sticas conhecidas e juntar numa mesma aplica��o", acrescenta.
"N�o � imposs�vel algu�m fraudar [um pleito] antecipando algum desses testes. Mas fazer isso com diferentes testes, que t�m diferentes pressupostos, � praticamente imposs�vel", afirma Figueiredo. "Exigiria um conhecimento matem�tico fora do normal, uma capacidade computacional muito avan�ada e que isso fosse feito de forma sistem�tica, envolvendo urnas de todo o Brasil, sem deixar nenhum rastro. N�o vou dizer que � imposs�vel, mas exigiria uma conspira��o de n�vel hollywoodiano, com muita gente envolvida."
Al�m de publicarem seus resultados no peri�dico cient�fico internacional, os pesquisadores tamb�m disponibilizam publicamente todos os dados e scripts computacionais utilizados no estudo. Isso permite que qualquer outro pesquisador ou pessoa com conhecimentos de computa��o possa avaliar a robustez dos resultados e reproduzir os testes.
Eles tamb�m planejam aplicar a mesma metodologia na an�lise dos resultados eleitorais de 2022.
"J� montamos os c�digos para, na noite da apura��o, rodar tudo de novo para 2022. Se os resultados forem similares aos de 2018, teremos uma evid�ncia robusta de que a contagem foi �ntegra e que n�o houve nenhuma distor��o significativa", diz o cientista pol�tico.

Os cinco testes matem�ticos
Os cinco testes utilizados pelos pesquisadores da UFPE durante sua estadia no Centro Latino-Americano (LAC, na sigla em ingl�s) da Universidade de Oxford s�o os seguintes:
- Lei de Benford do segundo d�gito;
- m�dia do �ltimo d�gito;
- an�lise de frequ�ncia dos �ltimos d�gitos 0 e 5;
- correla��o entre o percentual de votos v�lidos recebido pelo candidato vencedor e a taxa de participa��o;
- e densidade de Kernel reamostrada da propor��o de votos v�lidos.
Apesar da linguagem estat�stica, � poss�vel explicar cada um desses termos de forma simplificada.
1) Lei de Benford do segundo d�gito
A Lei de Benford, que leva o nome do f�sico Frank Benford e foi descoberta pelo astr�nomo Simon Newcomb em 1881, estabelece que, em alguns conjuntos de n�meros, como tamanhos de rio ou da popula��o de cidades, o d�gito inicial mais comum � o 1 (com 30,1% de frequ�ncia), seguido do 2 (17,6%). A frequ�ncia dos demais algarismos como d�gito inicial vai caindo sucessivamente do 3 at� o 9, quando � de apenas 4,6%.
A Lei de Benford, no entanto, tende a funcionar quando se est� analisando um conjunto abrangente de n�meros que n�o tenham uniformidade.
No caso das se��es eleitorais brasileiras, o C�digo Eleitoral estabelece um limite m�nimo de 50 e m�ximo de 400 eleitores por se��o. Por conta disso, como n�o h� uma grande varia��o entre os n�meros analisados, � mais indicada a an�lise do segundo d�gito, e n�o do primeiro, explica Figueiredo, da UFPE.
Para o segundo d�gito, a frequ�ncia esperada segundo a Lei de Benford � muito pr�xima de 10% para cada algarismo — n�o � dif�cil de entender: o sistema de numera��o decimal tem dez algarismos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9), ent�o cada um deles tem cerca de 10% de chance de aparecer como segundo d�gito num conjunto de dados que n�o tenha sido manipulado.
Para ser mais preciso, a expectativa de frequ�ncia do segundo d�gito vai diminuindo gradualmente do zero ao 9, de 11,97% para 8,50%
Veja a frequ�ncia esperada para o segundo d�gito segundo a Lei de Benford:

Agora veja a rela��o entre a expectativa segundo a Lei de Benford e os votos por candidato no primeiro e segundo turnos de 2018, considerando dados por munic�pio fornecidos pelo TSE:


A conclus�o dos pesquisadores �: n�o h� evid�ncia de anomalias, o que � um sinal de aus�ncia de fraude sistem�tica na contagem dos votos.
2) M�dia do �ltimo d�gito
A l�gica do teste de m�dia do �ltimo d�gito fica f�cil se voc� entendeu que, no sistema de numera��o decimal, cada um dos dez algarismos tem aproximadamente 10% de chance de aparecer como d�gito num conjunto de dados que n�o tenha sido manipulado.
Partindo dessa premissa, de que a distribui��o dos algarismos de 0 a 9 � uniforme, se voc� somar os �ltimos d�gitos de um conjunto de n�meros, a m�dia esperada deve ser pr�xima de 4,5 (ou seja: 0+1+2+3+4+5+6+7+8+9 = 45, dividido por 10 = 4,5).
Agora veja a m�dia encontrada pelos pesquisadores, analisando o �ltimo d�gito do n�mero de votos por candidato no primeiro turno de 2018, considerando dados municipais. A terceira coluna mostra o intervalo de confian�a e a �ltima, o n�mero de munic�pios com informa��o dispon�vel:

E agora, a m�dia do �ltimo d�gito para os votos do segundo turno:

A conclus�o dos pesquisadores � que os valores obtidos nas elei��es presidenciais de 2018 est�o pr�ximos do par�metro esperado, com todos os candidatos com m�dia do �ltimo d�gito pr�xima a 4,5. A evid�ncia, portanto, n�o mostra nenhuma anormalidade.
3) An�lise de frequ�ncia dos �ltimos d�gitos 0 e 5
Esse teste segue a mesma l�gica do anterior. Partindo do pressuposto de que, numa elei��o n�o manipulada, a incid�ncia de cada um dos dez algarismos (0 a 9) como �ltimo d�gito tende a estar pr�xima de 10%, a frequ�ncia esperada para que os n�meros 0 e 5 apare�am como �ltimo d�gito � de 20% (ou 0,2, se quisermos representar esse 20% de forma decimal).
Veja o que os pesquisadores encontraram, analisando a frequ�ncia com que 0 e 5 aparecem como �ltimo d�gito no n�mero de votos por candidatos no primeiro e segundo turnos de 2018:


Mais uma vez a conclus�o dos pesquisadores � de que n�o h� anormalidades nos dados.
4) Correla��o entre o percentual de votos v�lidos recebido pelo candidato vencedor e a taxa de participa��o
Depois de tr�s testes baseados em d�gitos, chegamos a um teste diferente, com uma metodologia que foi desenvolvida para identificar fraudes eleitorais na R�ssia.
A fraude que ela busca identificar � o desvio de votos de pessoas que n�o compareceram ou votaram nos candidatos perdedores, para o candidato mais votado.
"Se isso � feito de forma repetida, gera um padr�o de associa��o — uma correla��o estat�stica — entre a taxa de comparecimento e a vota��o do candidato vencedor", explica Figueiredo.
Para analisar essa associa��o, os estudiosos fazem um tipo de gr�fico chamado histograma, em que cada ponto � uma sess�o ou distrito eleitoral. O eixo vertical (↑) � o percentual de votos no candidato vencedor e o eixo horizontal (→), a taxa de comparecimento para vota��o.
Quando h� uma manipula��o sistem�tica de votos, transformando absten��es e votos nos candidatos derrotados em votos para o candidato vencedor, surge uma "mancha" no canto superior direito dos gr�ficos: s�o sess�es eleitorais com comparecimento pr�ximo a 100% e vota��o no candidato vitorioso tamb�m pr�ximo a 100%, o que � indicativo de poss�vel fraude.
Veja esses exemplos de elei��es na R�ssia e em Uganda onde essa anomalia foi identificada, num estudo dos pesquisadores Peter Klimeka, Yuri Yegorovb, Rudolf Hanela e Stefan Thurner:

Agora veja o que os pesquisadores da UFPE encontraram analisando os dados das elei��es de 2018:

Conclus�o: nenhuma mancha anormal no canto superior direito do gr�fico que possa sugerir manipula��o dos votos.
5) Densidade de Kernel reamostrada da propor��o de votos v�lidos
O quinto e �ltimo teste realizado pelos pesquisadores da UFPE durante o p�s-doutorado de dois deles em Oxford, foi o que deu mais trabalho, por exigir uma elevad�ssima capacidade computacional para ser realizado, conta Figueiredo.
Os pesquisadores s� conseguiram rodar o modelo porque um professor da UFPE, Rafael Mesquita, conseguiu um financiamento para fazer computa��o na nuvem — sem depender da mem�ria local do computador, os dados s�o rodados no ambiente virtual.
"Levou um dia e meio para conseguir rodar o modelo para cada candidato. E fizemos isso para Bolsonaro, Haddad e Ciro no primeiro turno, e para Bolsonaro e Haddad no segundo turno", lembra o professor da UFPE.
Nesse processo de reamostragem, o sistema pega o percentual de votos v�lidos por se��o eleitoral e seleciona amostras, realizando testes repetitivos em busca de percentuais arredondados.
"Dificilmente um percentual de votos v�lidos vai ser 45%, por exemplo. Ele vai ser 45,13%, 44,29%. Ent�o esse m�todo busca quantas se��es t�m percentuais sem a fra��o, em compara��o a quanto seria esperado", diz o pesquisador.
Para as elei��es da R�ssia de 2003, 2007 e 2011, os percentuais de sess�es eleitorais com ind�cios de fraude chegaram a 24%, 86% e 94%, segundo estudo de Arturas Rozenas, professor da Universidade Nova York (NYU), que desenvolveu essa metodologia.
No Brasil, os percentuais encontrados s�o menores do que 1%, abaixo at� do percentual de sess�es suspeitas em elei��es no Canad� em 2011, onde n�o houve qualquer ind�cio de fraude.
"Mesmo trocando o m�todo estat�stico, da estat�stica frequentista para a bayesiana, e utilizando uma computa��o muito mais intensiva, tamb�m n�o encontramos nada remotamente parecido com ind�cio de fraude ou de irregularidade", conclui Figueiredo.
"Estamos muito mais pr�ximos do ideal canadense do que da R�ssia. O pessoal diz que 'o Brasil vai virar a Venezuela', mas estamos mais perto de pa�ses com democracias consolidadas e desenvolvidas", acrescenta.
O pesquisador explica qual � a conclus�o tirada ap�s a realiza��o dos cinco testes.
"A conclus�o que tiramos � que, independe do tipo de teste — usamos testes de d�gito, teste de correla��o e teste de padr�es de distribui��o de votos v�lidos —, as tr�s vertentes apontam para uma mesma conclus�o: n�o h� sinais de irregularidade na apura��o dos votos", afirma.
"Isso prova que n�o houve irregularidade? N�o prova, mas o �nus da prova cabe a quem acusa. Se voc� diz que o sistema est� adulterado, � voc� quem tem que apresentar onde est� a corrup��o, o adult�rio, o erro do sistema."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62909452
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