
Questionado se teria assistido na v�spera a entrevista de Mandetta ao programa Fant�stico, Bolsonaro respondeu de pronto: "Eu n�o assisto a Globo".
A cena - gravada por v�rias pessoas e imediatamente veiculada nas redes, onde viralizou - foi previamente combinada entre o governo federal e o site bolsonarista Foco do Brasil, afirma o publicit�rio Beto Viana.
Naquele dia, ele figurava como apoiador do presidente e foi o respons�vel por fazer a pergunta. Agora, em entrevista � Folha de S.Paulo, Viana diz que havia sido indicado por um amigo e contratado, por telefone, por uma pessoa de nome Anderson, do Foco do Brasil, canal bolsonarista criado por Anderson Azevedo Rossi, com 2,9 milh�es de inscritos no Youtube.
Aquela segunda-feira, 13 de abril, era o seu primeiro dia de trabalho. Ele relata que Anderson o questionou se ele tinha coragem de fazer uma pergunta ao presidente.
"A� ele falou: 'Eu vou mandar a pergunta a� no WhatsApp e voc� faz essa pergunta pra ele. Se qualquer outro apoiador for falar com o presidente, voc� corta porque o presidente est� esperando essa pergunta sua. A� ele mandou o texto do jeitinho que era pra eu falar."
Mensagens de WhatsApp armazenadas no telefone de Viana mostram que, �s 8h26 daquele dia, o contato de nome "Anderson Foco do Brasil" mandou mensagens com o texto literal do questionamento e, posteriormente, orientou-o a sempre se fingir de apoiador e buscar n�o levantar suspeitas de outros rep�rteres que fazem a cobertura jornal�stica no local.
'Cercadinho'
V�deo postado nas redes sociais de Bolsonaro naquele dia mostra a comitiva presidencial parando perto do "cercadinho" - como � chamado esse ponto de entrevistas e conversas com apoiadores -, momento em que o Bolsonaro sai do carro e vai na dire��o do pequeno grupo que o aguardava.
Viana aparece nas imagens de camisa florida e, assim que v� uma oportunidade, faz a pergunta, repetindo o texto que havia recebido no telefone celular.
"Eu n�o assisto a Globo", diz Bolsonaro prontamente, sendo ovacionado pelas pessoas no "cercadinho".
Antes de entrar no carro, o presidente repete a frase, "para toda a imprensa", e olha diretamente para o auxiliar que est� gravando a cena.
"Eu fiquei at� meio sem gra�a porque imaginei que ele ia falar alguma coisa, falar da entrevista e tal, porque, no meu ponto [de vista], seria uma pergunta de imprensa, mas era uma pergunta para ele poder 'mitar'. A� ele 'mitou''', diz Viana.
TED de R$ 1.100,00
Naquele mesmo dia, �s 10h, o fot�grafo recebeu uma TED de R$ 1.100 transferido da conta da "Folha do Brasil Neg�cios Digitais", antigo nome do Foco do Brasil. Segundo ele, a informa��o foi a de que era um adiantamento de seu sal�rio mensal, de R$ 2.000.
O publicit�rio, que hoje trabalha como motorista de aplicativo, afirma que continuou indo ao cercadinho e foi orientado a n�o fazer mais perguntas e s� figurar como apoiador.
Ap�s alguns dias, ele relata que Anderson disse que o v�deo havia viralizado e ele estaria muito visado, raz�o pela qual ele seria deslocado para fazer imagens de manifesta��es bolsonaristas na Esplanada dos Minist�rios.
Cerca de um m�s depois, foi dispensado. Viana diz que nos dias em que ficou no Alvorada, foi abordado algumas vezes por seguran�as, mas que outros liberaram seu acesso dizendo frases como "esse � dos nossos".
Em uma das mensagens em seu telefone, o contato em nome do dono do Foco do Brasil diz que uma pessoa de nome Vera, da Secom (Secretaria de Comunica��o da Presid�ncia), j� havia passado seus dados para os seguran�as para que ele tivesse livre acesso.
Em outra mensagem, o contato de Anderson havia lhe prometido ajuda mensal de R$ 500 para que ele alugasse uma moradia na Vila Planalto, que fica bem pr�xima ao Alvorada.
Filia��o ao PCdoB
O publicit�rio relata ainda que Anderson, ao lhe convidar para o trabalho, o questionou sobre uma filia��o ao PCdoB. Viana disse que se filiou pouco ap�s ingressar na maioridade, mas que desde ent�o n�o teve atua��o partid�ria e que era simp�tico a Bolsonaro.
O sistema de registro de filia��o do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostra que ele se filou ao PCdoB em 2007. A Folha de S.Paulo enviou perguntas � Presid�ncia da Rep�blica nessa segunda-feira (19/9), mas n�o houve resposta.
Os telefones vinculados a Anderson no aparelho celular de Viana ou est�o inativos ou n�o est�o mais com o dono do Foco do Brasil (ao menos um deles foi confirmado como sendo de Anderson em investiga��o da Pol�cia Federal).
Bolsonaro x Mandetta
A Folha de S.Paulo mandou perguntas ao Foco do Brasil por meio de seus perfis no Instagram, mas tamb�m n�o houve resposta. Em abril de 2020, Bolsonaro e Mandetta trilhavam caminhos divergentes na condu��o da pandemia da COVID-19.
O ministro da Sa�de defendia posi��es mais alinhadas �s autoridades sanit�rias, no sentido de restri��o do contato social e pelo uso de m�scaras, entre outros pontos.
Bolsonaro j� adotava claramente uma posi��o anticient�fica de minimizar a pandemia e de ser contra o isolamento social e o fechamento do com�rcio. Naquela entrevista ao Fant�stico, ao ser questionado sobre a diverg�ncia de opini�es entre ele e o presidente, Mandetta pediu um alinhamento de discurso porque o brasileiro n�o estava sabendo se escutava o ministro da Sa�de ou o presidente.
Na quinta-feira daquela semana, Mandetta foi demitido e deu lugar a Nelson Teich, que pediu demiss�o antes de completar um m�s no cargo, tamb�m em meio a diverg�ncias com Bolsonaro.
Busca e apreens�o
Endere�os de canal foram alvos de busca da PF Endere�os do Foco do Brasil foram alvos de busca e apreens�o da Pol�cia Federal cerca de dois meses e meio depois, em julho de 2020, no �mbito da investiga��o dos atos antidemocr�ticos organizados por bolsonaristas.
A investiga��o indicou como era a rela��o de p�ginas, sites e perfis bolsonaristas com o governo na tentativa de disseminar not�cias de interesse do grupo pol�tico do presidente.
Em depoimento dado � PF, Anderson Rossi afirmou que era o fundador e �nico dono do Foco do Brasil e que seu canal tinha um ganho entre R$ 50 mil a R$ 140 mil ao m�s.
Ele afirmou ainda que chegou a receber v�deos de divulga��o de atividades de Bolsonaro enviados pelo ent�o assessor especial da Presid�ncia T�rcio Arnaud Tomaz. T�rcio confirmou a informa��o � PF, dizendo que enviava esses v�deos a Anderson assim como a diversos jornalistas.
Inicialmente solicitada pela Procuradoria-Geral da Rep�blica, a investiga��o teve pedido de arquivamento feito pelo gabinete de Augusto Aras ap�s se aproximar do n�cleo mais pr�ximo de Bolsonaro.
Ap�s isso, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), utilizou o material reunido pela PF para abrir outro inqu�rito, batizado de mil�cias digitais. Atualmente, a apura��o concentra todos os casos sobre fake news e atos antidemocr�ticos.