
A vota��o do primeiro turno das elei��es de 2022 pode ter sido surpreendente se comparada aos resultados das pesquisas, mas o historiador Sidney Chalhoub diz que n�o foi inesperada quando se pensa a longo prazo.
O professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, diz que, desde 2013, o pa�s atravessa a terceira grande rea��o conservadora de sua hist�ria. "Mas as urnas mostram que ela n�o est� se esgotando como se pensava."
O historiador faz paralelos entre o momento atual com dois outros per�odos em que houve uma grande rea��o de cunho conservador. O primeiro, afirma Chalhoub, foi ainda no s�culo 19, quando o Brasil aboliu a escravid�o.
"A classe senhorial ficou bastante irritada com o apoio da monarquia a isso (aboli��o), principalmente onde a escravid�o ainda tinha for�a econ�mica, nas Prov�ncias de S�o Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, as que mais se opuseram � emancipa��o", afirma o professor.
"O conservadorismo senhorial insistiu na escravid�o at� o fim e, depois, deu o troco na monarquia, que defendia a escravid�o, mas, no final, se convenceu da necessidade de transforma��o social e pagou caro por isso." No ano seguinte � aboli��o da escravatura em 1888, foi proclamada a Rep�blica.
Golpe
O segundo momento, diz Chalhou, se deu no final da primeira metade do s�culo 20, quando houve o reconhecimento formal dos direitos dos trabalhadores e da cria��o da Justi�a trabalhista.O historiador explica que o Estado passou a ser a partir de ent�o, por meio do Judici�rio, um �rbitro das rela��es de trabalho, e o trabalhador, especialmente aquele ligado � classe industrial e oper�ria, passou a ter a possibilidade de obter ganhos reais, contrariando os interesses empresariais.
"Houve uma rea��o forte do empresariado, que viu seu poder ser diminu�do e reclamou que estava perdendo autoridade moral sobre os trabalhadores em uma �poca em que ainda vigorava uma rela��o de paternalismo que tratava a f�brica como uma fam�lia", afirma.
"Quando houve a discuss�o para estender os benef�cios aos trabalhadores rurais, isso parece ter sido a gota d'�gua que levou ao golpe de 1964, que imp�s um limite ao reconhecimento dos direitos dos trabalhadores."
Novo mundo
Agora, estamos vivendo uma terceira grande rea��o conservadora no Brasil, na avalia��o de Chalhoub, que tem sua origem na Constitui��o de 1988, conhecida como "Constitui��o cidad�", por ter institu�do direitos civis de forma in�dita at� ent�o.

O historiador diz que esse processo se estendeu pelas d�cadas seguintes com decis�es da Justi�a que reconheceram direitos de comunidades ind�genas e quilombolas, mulheres, negros, pessoas LGBTQIA+, entre outros grupos sociais, e a cria��o de pol�ticas afirmativas voltadas para esses segmentos da popula��o.
"No per�odo democr�tico p�s-1988, n�o apenas esses direitos continuam em vigor como foram expandidos, e isso causou uma rea��o conservadora muito grande a partir de 2013, especialmente na �rea dos costumes", diz o professor de Harvard.
"O Brasil da Constitui��o de 1988 foi sepultado com o golpe do impeachment de Dilma Rousseff em meio ao surgimento dessa direita poderosa, de forma bastante coerente com o que j� havia ocorrido na nossa hist�ria a longo prazo."
Sob essa perspectiva, Chalhoub diz que a elei��o de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 foi a culmina��o de um processo iniciado cinco anos antes, na figura de um "l�der carism�tico que tem uma conex�o com essas massas de conservadores e simpatizantes da extrema-direita no pa�s".
"Aquilo surpreendeu em 2018 e surpreende agora de novo com uma nova demonstra��o de for�a eleitoral da extrema-direita brasileira e n�o apenas do pr�prio Bolsonaro", afirma o historiador.
N�o apenas o presidente teve uma vota��o bem acima daquela prevista pelas pesquisas, mas muitos de seus aliados e membros do seu partido foram eleitos para o Congresso e para governos estaduais.
"Precisamos entender o que muda na vontade do eleitor nesse novo mundo em que as redes sociais s�o mais importantes do que outras formas de fazer campanha eleitoral, porque algo deu errado, e as pesquisas n�o detectaram esse panorama", afirma Chalhoub.
Os levantamentos apontavam na dire��o contr�ria, diz o professor, e indicavam que representantes deste campo pol�tico estavam perdendo for�a e para um poss�vel esgotamento da rea��o conservadora que teve in�cio na d�cada passada.
Na perspectiva hist�rica, � esperado que isso ocorra em algum momento porque as outras rea��es conservadoras se encerraram em algum momento, e o Brasil n�o voltou a ser escravista ou deixou de ter direitos trabalhistas, afirma Chalhoub.
"A rea��o conservadora � aboli��o da escravatura continuou Rep�blica adentro, a rea��o que culminou no golpe de 1964 levou a uma ditadura de mais de 20 anos. Essa rea��o atual vai completar uma d�cada e parecia haver um movimento de esgotamento at� pela hecatombe que foi esse governo", avalia.
"Mas essa onda eleitoral indica que n�o s� n�o se esgotou, mas pode, apesar da sua voca��o antidemocr�tica, sobreviver democraticamente e ter for�a para influenciar a democracia, porque conta com uma quantidade grande de eleitores. Na verdade, tudo indica agora para uma resili�ncia e uma continuidade de longo prazo e, agora, nem sabemos se essa rea��o conservadora ser� derrotada neste ciclo, e isso surpreende."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63112781
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