Institutos de pesquisa, que j� eram alvo de contesta��o durante a campanha, entraram na berlinda ap�s a divulga��o dos resultados do primeiro turno. Isso porque o saldo das urnas revelou que o desempenho do presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou acima do que indicavam as principais sondagens eleitorais. Ele obteve 43,2% dos votos v�lidos (desconsiderados votos brancos e nulos) e vai disputar o segundo turno contra o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), que obteve 48,4%, terminando em primeiro lugar.
Em entrevista coletiva na noite de domingo, Bolsonaro afirmou, quando questionado pelos jornalistas, que o resultado da elei��o "desmoralizou de vez os institutos de pesquisa" por prever vota��o menor do que recebeu. "Isso vai deixar de existir, at� porque acho que n�o v�o continuar fazendo as pesquisas, esse pessoal", afirmou.
- As hip�teses para explicar os votos de Bolsonaro que as pesquisas n�o previram
- Institutos de pesquisa precisar�o rever metodologias, diz professor da USP
A cr�tica n�o partiu apenas do presidente e de seus apoiadores. O professor de gest�o de pol�ticas p�blicas na USP e pesquisador do eleitorado bolsonarista Pablo Ortellado, por exemplo, defendeu que as empresas revejam suas metodologias.
"A credibilidade dos institutos, que j� era colocada em xeque pelos bolsonaristas, agora � colocada pelo resto da sociedade. Seguramente n�o � manipula��o, mas � uma limita��o [dos institutos] que a gente precisa entender", disse � BBC News Brasil. Nesta segunda-feira, os principais institutos procuraram apontar poss�veis explica��es para as diferen�as entre as pesquisas e os resultados das urnas e refutaram que tenha havido erros nas sondagens. Entre as explica��es apresentadas est�o uma migra��o de �ltima hora de votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) para Bolsonaro, o chamado voto �til, e uma absten��o alta que deve ter afetado mais os eleitores de Lula.Os institutos Ipec, Datafolha e Quaest insistem que pesquisas eleitorais s�o retratos da inten��o do eleitor no momento das entrevistas. Segundo os institutos, as sondagens n�o servem de progn�stico para o resultado das urnas porque o eleitor pode mudar seu voto at� o momento que digita os n�meros de seus candidatos na cabine de vota��o.
Datafolha e Ipec deram 14 pontos de vantagem para Lula em seus levantamentos divulgados na v�spera da vota��o, enquanto a Quaest mediu 11 pontos de diferen�a. Os tr�s institutos realizam pesquisas presenciais. Considerando a margem de erro, as tr�s sondagens n�o permitiam cravar se a disputa presidencial terminaria ou n�o no primeiro turno.
O saldo das urnas mostrou uma vantagem mais apertada para o petista. Com 99,99% das urnas apuradas, ele obteve 48,4% dos votos v�lidos, contra 43,20% de Bolsonaro — uma diferen�a de cinco pontos percentuais.
Simone Tebet (MDB) ficou em terceiro, com 4,16%, seguida de Ciro Gomes (PDT), com 3,04%.
Em nota enviada � BBC News Brasil, o Ipec destacou os acertos do instituto.
"Especificamente com rela��o a estas elei��es presidenciais, nossa �ltima pesquisa mostrou que n�o era poss�vel afirmar se a elei��o acabaria ou n�o no primeiro turno. Assim se confirmou. A pesquisa Ipec apontava Lula como o candidato que ficaria melhor posicionado no 1º turno. Isto tamb�m se confirmou. J� o presidente Jair Bolsonaro obteve 6 pontos a mais do que a pesquisa mostrava", destacou o comunicado.
Segundo o instituto, o desempenho do presidente foi resultado de uma migra��o de votos de �ltima hora, que vieram de parte dos que pretendiam votar em Ciro e Tebet, al�m de eleitores que estavam indecisos e optaram por Bolsonaro.
"Em nossa avalia��o, isto (a vota��o maior de Bolsonaro) ocorreu por tend�ncias tamb�m j� apontadas pela pesquisa: 3% que ainda estavam indecisos; Ciro Gomes, que na pesquisa aparecia com 5% e obteve 3% dos votos na apura��o; al�m do �ndice de Simone Tebet que tamb�m ficou um ponto abaixo do que a pesquisa mostrava (obteve 4% na apura��o contra 5% na pesquisa)", argumenta a nota do Ipec.

A diretora do Datafolha, Luciana Chong, fez an�lise semelhante em entrevista ao canal de not�cias Globo News.
"Acreditamos que teve um movimento de decis�o de �ltima hora, especialmente de eleitores de Ciro, Simone Tebet, indecisos e os que poderiam votar branco e nulo, e esse movimento acabou sendo mais em favor de Bolsonaro. Por isso que ele ficou com um resultado maior do que a pesquisa tinha captado na v�spera da elei��o", afirmou.
Chong n�o atendeu ao pedido de entrevista da BBC News Brasil, assim como Felipe Nunes, da Quaest.
O Ipec disse ainda por meio da nota que est� em constante reavalia��o de duas metodologias.
"O Ipec � associado � ABEP [Associa��o Brasileira de Empresas de Pesquisa], segue o c�digo de �tica da ESOMAR [associa��o internacional do setor] e os mais altos padr�es adotados internacionalmente nos m�todos utilizados em suas pesquisas. Al�m disso, est� empenhado e comprometido em sempre analisar, identificar e aplicar melhorias t�cnicas e metodol�gicas que contribuam para o avan�o e a acuracidade do resultado de suas pesquisas, pois sabe que este processo � cont�nuo", destacou.
'Eleitor mobilizado favoreceu Bolsonaro'
J� Andrei Roman, presidente da AtlasIntel, empresa que chamou aten��o neste ano ao realizar pesquisas eleitorais com entrevistas online, avaliou que houve sim erro dos institutos de pesquisa.
N�o, as pesquisas erraram! Atlas chegou mais pr�ximo que qualquer outra e mesmo na nossa pesquisa Bolsonaro foi subestimado em 2pp e Lula superestimado 2pp. A diferen�a de 9 pontos no Atlas acabou sendo de 5 pontos no resultado. Precisamos encarar esse desfecho com honestidade. https://t.co/WsmgaNGD7T
— Andrei Roman (@andrei__roman) October 3, 2022"N�o, as pesquisas erraram! Atlas chegou mais pr�ximo que qualquer outra e mesmo na nossa pesquisa Bolsonaro foi subestimado em 2pp [pontos percentuais] e Lula superestimado 2pp. A diferen�a de 9 pontos no Atlas acabou sendo de 5 pontos no resultado. Precisamos encarar esse desfecho com honestidade", escreveu no Twitter, em resposta a um coment�rio da colunista do jornal Folha de S. Paulo M�nica Bergamo argumentando que as pesquisas acertaram.
A �ltima pesquisa AtlasIntel indicou que Lula tinha 50,3% dos votos v�lidos, contra 41,1% de Bolsonaro.
Al�m da transfer�ncia de votos de Ciro e Tebet para Bolsonaro, Roman acredita que o resultado melhor de Bolsonaro foi puxado por uma mobiliza��o mais "aguerrida" do seu eleitorado devido � possibilidade de Lula ganhar j� no primeiro turno, indicada nas pesquisas. Isso, avalia, reduziu a absten��o dos eleitores do presidente.
"A pesquisa Datafolha mostrando uma poss�vel vit�ria de Lula no primeiro turno assusta o eleitorado de uma forma que eles comparecem em massa", acredita.
Al�m disso, Roman tamb�m considera que Ipec e Datafolha superestimaram em suas amostras de entrevistas o peso do eleitor de menor renda, que tende a apoiar mais Lula.
Ambos n�o usam cotas de renda para buscar uma propor��o fixa de entrevistados com determinada remunera��o, pois avaliam que os ganhos familiares s�o muito inst�veis no Brasil, ou seja, a renda das fam�lias teria grandes oscila��es.
Com isso, os levantamentos de Ipec e Datafolha costumam entrevistar mais de 50% de pessoas com renda familiar de at� dois sal�rios m�nimos, enquanto o dado mais recente do IBGE, de 2021, indica que esse grupo representa 38% da popula��o.
'Votos de Lula foram tragados por absten��o'
O cientista pol�tico Antonio Lavareda, presidente do Conselho Cient�fico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Pol�ticas e Econ�micas), instituto que realiza pesquisas por telefone, tamb�m considera que a maior mobiliza��o do eleitor de Bolsonaro parece ter feito a diferen�a no resultado das urnas.
Lavareda, por�m, n�o considera que as pesquisas erraram, como faz Roman. Em manifesta��o no Twitter, ele tamb�m repetiu que pesquisas n�o s�o progn�stico do saldo das urnas e destacou que as sondagens n�o conseguem medir qual ser� a absten��o no dia da vota��o e como isso afetar� os resultados.
O cientista pol�tico prop�s em seu Twitter uma an�lise comparando as inten��es de votos totais medidas na �ltima pesquisa do Ipespe e o resultado total das urnas, em vez de comparar os votos v�lidos.
Considerando essa leitura, que n�o descarta votos brancos, nulos e pessoas que dizem n�o saber em quem votar, o Ipespe mediu um apoio de 46% dos eleitores a Lula, e de 33% a Bolsonaro.
J� o resultado do TSE, levando em conta brancos, nulos e absten��es, mostra que o petista recebeu os votos de 36,60% de todos os eleitores aptos a votar, contra 32,64% de Bolsonaro.
Os demais candidatos somados, por sua vez, apareciam com 16% na �ltima pesquisa Ipespe, e ficaram com apenas 6,33%, sempre considerando os votos obtidos no total de eleitores aptos a votar.
Nessa an�lise de Lavareda, n�o foi a vota��o de Bolsonaro que a pesquisa Ipespe "errou" para menos, mas a de Lula que teria sido superestimada.
agora percentualizados sobre o TOTAL dos eleitores. N�meros esses, sim, pass�veis de compara��o com os resultados sobre o TOTAL dos institutos. Como se verifica no Quadro abaixo, os n�meros da quest�o estimulada discrepam na verdade em 9 pontos a + face aos resultados de Lula; + pic.twitter.com/OTvhiGA29P
— Antonio Lavareda (@LavaredaAntonio) October 3, 2022"No dia deu-se uma absten��o de 20,95% que essa pesquisa e nenhuma outra conseguiria medir. Lula perdeu 9 pontos e os candidatos n�o competitivos outros 9 pontos. Lula por conta da vulnerabilidade — custo de votar — do seu eleitorado mais pobre. Os demais candidatos certamente por n�o serem competitivos", escreveu em sua conta no Twitter.
"L�gico que pode ter havido movimentos de voto �til. Mas o fato � que a sua resili�ncia deve ser creditada, sobretudo, ao perfil socioecon�mico dos seus apoiadores e � 'taxa de entusiasmo' dos mesmos, como se pode depreender das manifesta��es que convoca. Ou seja, a pesquisa estimou Bolsonaro praticamente igual ao seu desempenho. Enquanto parte dos votos de Lula foram tragados pela absten��o", acrescentou Lavareda.

Disputas estaduais tamb�m s�o alvo de controv�rsias
Al�m das discrep�ncias no cen�rio nacional, candidatos bolsonaristas tiveram vota��es expressivas em algumas disputas por governos estaduais. Em S�o Paulo, Tarc�sio de Freitas (Republicanos) ficou em primeiro lugar e vai disputar o segundo turno contra Fernando Haddad (PT), que liderava as pesquisas.
J� no Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL) tamb�m teve desempenho melhor do que se esperava, vencendo o primeiro turno, e vai disputar o segundo contra Eduardo Leite (PSDB), que liderava pesquisas antes do pleito, mas acabou quase ficando de fora do segundo turno.
Resultados como esses levaram o presidente da C�mara dos Deputados, Arthur Lira (PP), a voltar a defender que o Congresso aprove uma regulamenta��o com regras para os institutos.
"N�s t�nhamos pesquisas que mostravam o Tarc�sio 10 pontos atr�s e a realidade da elei��o mostra o Tarc�sio na frente. As vota��es e express�es da popula��o brasileira deixam claro que as empresas de pesquisa n�o devem ser usadas para conduzir o eleitorado", defendeu em entrevista ao canal de not�cias Globo News.
No in�cio do ano, uma proposta chegou a ser debatida no Congresso, mas n�o avan�ou. A proposta inicial previa que os institutos deveriam informar um percentual de acertos das pesquisas realizadas nas �ltimas cinco elei��es. Al�m disso, proibia a divulga��o de pesquisas na v�spera da vota��o.
Antonio Lavareda, do Ipespe, tamb�m refuta que tenha havido erros nas pesquisas estaduais. Na sua avalia��o, a forte polariza��o entre Lula e Bolsonaro afetou a decis�o final dos eleitores nas disputas estaduais, levando a um alinhamento entre o voto para presidente naquele Estado e a escolha do candidato ao governo apoiado por ele.
"Na quase totalidade dos Estados onde a elei��o de Governador foi decidida nesse domingo as pesquisas anteciparam essa tend�ncia. Sobre as mudan�as de �ltima hora, elas foram exatamente isso. Movimentos finais que ocorreram depois dos �ltimos resultados de pesquisas serem divulgados."
"Precisamente como a teoria do voto estrat�gico sup�e: eleitores que utilizam os dados dos �ltimos levantamentos para alterar seu comportamento. Em Estados como S�o Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, e Bahia, � n�tido um processo de 'alinhamento' com a disputa nacional super polarizada", disse ainda.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63128876
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