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Estado de Minas ELEI��ES 2022

Intoler�ncia religiosa vai piorar seja qual for o eleito, diz pesquisadora

Para Tayn� Louise De Maria, que estuda fundamentalismo crist�o na UFRJ, seguidores de religi�es afro-brasileiras poder�o ser alvos de persegui��o depois do pleito.


06/10/2022 05:37 - atualizado 06/10/2022 09:53


homem lendo a bíblia
(foto: Getty Images)

A pesquisadora Tayn� Louise De Maria, doutoranda em Hist�ria Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a intoler�ncia religiosa vai ficar mais forte depois das elei��es deste ano.

Para ela, discursos e posturas da campanha do presidente e candidato � reelei��o, Jair Bolsonaro (PL), incentivam a persegui��o aos seguidores de religi�es afro-brasileiras, como o candombl� e a umbanda.

Isso porque Bolsonaro tem associado de maneira negativa seu advers�rio, o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), a dem�nios e correntes religiosas de matriz africana.

"A intoler�ncia e o racismo religiosos v�o tomar propor��es maiores depois das elei��es. Os fundamentalistas v�o se sentir mais � vontade", diz De Maria, que pesquisa o fundamentalismo crist�o no Brasil.

Em agosto, por exemplo, a primeira-dama Michelle Bolsonaro criticou Lula nas redes sociais por um v�deo em que o petista aparece sendo aben�oado por mulheres de religi�es afro-brasileiras.

"Isso pode, n�? Eu falar de Deus n�o pode, n�", escreveu a primeira-dama, em resposta a uma publica��o de uma vereadora bolsonarista que falava que Lula "vendeu a alma" para vencer as elei��es.

Bolsonaristas tamb�m t�m associado a companheira de Lula, a soci�loga Ros�ngela Lula da Silva (conhecida como Janja), �s mesmas religi�es de matriz africana. O presidente tamb�m tem dito que as elei��es s�o uma batalha do "bem contra o mal" — e ele seria o bem.

Nesta quarta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a retirada das redes sociais de um v�deo que ligava Lula ao satanismo.

Por outro lado, Bolsonaro tamb�m foi ligado aos ma�ons depois de um v�deo de 2017, em que ele aparece em uma loja da ma�onaria, viralizar nas redes sociais nesta semana.

Para Tayn� Louise De Maria, o petista tem pouco a ganhar com v�deos como esse, e deveria se aproximar de religiosos progressistas que o ajudem a conversar com a parcela evang�lica do eleitorado.

J� a campanha de Bolsonaro, diz a pesquisadora, se apoia no fundamentalismo crist�o e racismo religioso para tentar vencer as elei��es no segundo turno.

Confira a entrevista abaixo.

BBC News Brasil - Por que crist�os, principalmente evang�licos, apoiam pautas conservadoras como as defendidas por Bolsonaro?

Tayn� Louise De Maria - O bolsonarismo segue uma pauta que n�o est� s� no Brasil, mas em v�rios pa�ses crist�os, como os Estados Unidos e It�lia, que recentemente elegeu uma pol�tica de extrema-direita (Giorgia Meloni, cujo partido Irm�os da It�lia ganhou as elei��es para formar um governo).

Ele se utiliza de um discurso que chamo de neofundamentalismo religioso crist�o, muito influenciado pelos Estados Unidos.


Tayná Louise De Maria
A pesquisadora Tayn� Louise De Maria pesquisa fundamentalismo crist�o no Brasil na UFRJ (foto: Arquivo Pessoal)

� preciso voltar um pouco no tempo para entender isso.

At� a Segunda Guerra Mundial, o fundamentalismo crist�o nos Estados Unidos atacava principalmente a ci�ncia e o ensino da teoria de Darwin nas escolas, porque enxergava esses elementos como uma amea�a ao cristianismo.

A partir da d�cada de 1960, com a influ�ncia da Guerra Fria, ele muda sua pauta para um combate ao comunismo, que vira o principal inimigo.

Nessa �poca, a Suprema Corte dos Estados Unidos revogou v�rias leis criadas por crist�os conservadores, como a lei da sodomia que proibia o casamento gay e a legisla��o Jim Crow, que era racista e segregracionista. Todas essas mudan�as foram associadas ao comunismo.

Os fundamentalistas crist�os passam a ver a pol�tica como um campo de batalha, porque as leis que sustentavam a religi�o estavam sendo revogadas. Eles come�aram a disputar e ocupar as casas legislativas.

Eu coloco esse ponto como o in�cio da bancada da B�blia.

BBC News Brasil - Como isso influenciou o Brasil?

De Maria - � preciso lembrar que o golpe militar de 1964 j� teve grande apoio de parte do catolicismo e dos evang�licos.

No per�odo da redemocratiza��o, essa influ�ncia continuou no Brasil e em outros pa�ses crist�os.

A for�a do bolsonarismo e do neofundamentalismo religioso est� na pauta de costumes.

Eles defendem os costumes e a cultura do cristianismo em oposi��o ao que eles acreditam ser a amea�a comunista. Para eles, o comunismo se revela de muitas maneiras.

Tudo � chamado de comunismo: religi�es afro-brasileiras, combate ao racismo e legaliza��o do aborto, por exemplo. Para os fundamentalistas crist�os, at� uma mulher que faz um aborto para n�o morrer � uma comunista.

BBC News Brasil - Como essa pauta encontra resson�ncia nas ideias de Olavo de Carvalho?

De Maria - O fundamentalismo crist�o precisa sempre ter um inimigo. Isso vai da ci�ncia aos imigrantes, por exemplo.

Para o falecido Olavo de Carvalho, o Ocidente e o cristianismo est�o amea�ados pela ideologia de esquerda e por outras religi�es.

O Ocidente � uma ideia que tem o cristianismo como um de seus pilares. Ent�o, na narrativa de Olavo e dos fundamentalistas, esses pilares precisam ser defendidos.

Mas essa narrativa se esquece que o progressismo e a pr�pria ideia de esquerda tamb�m nasceram no Ocidente, tamb�m nasceram no ber�o do cristianismo e se utilizam de valores crist�os.

BBC News Brasil - Pastores evang�licos famosos, como Silas Malafaia e Edir Macedo, tamb�m apoiaram governos do PT, mas essa pauta conservadora n�o tinha tanta for�a. Bolsonaro tirou o fundamentalismo do arm�rio?

De Maria - O fundamentalismo crist�o � camale�nico. Ele se adapta �s circunst�ncias, est� sempre ao lado do poder.

Talvez alguns pares n�o gostem do que vou falar, mas acredito que o bolsonarismo, principalmente sua face fundamentalista crist�, tamb�m � fruto do antipetismo.

Os principais l�deres religiosos que chamo de fundamentalistas, como Silas Malafaia e Edir Macedo, romperam com o PT depois dos esc�ndalos de corrup��o envolvendo o partido.


Bolsonaro e Silas Malafaia
Bolsonaro � apoiado por pastores como Silas Malafaia (foto: EPA)

Isso incentivou muitos religiosos a rever suas posi��es e rela��es com pol�ticos.

Mas Bolsonaro n�o � s� apoiado por pastores evang�licos, mas por religiosos que tamb�m s�o empres�rios.

A intelectualidade bolsonarista � crist�, mas, antes de tudo, tamb�m � liberal, faz parte do empresariado, do agroneg�cio. Essas pessoas n�o viam tantos benef�cios nos governos do PT, e agora se aproveitam da religi�o em sua narrativa eleitoral.

BBC News Brasil - O Brasil vai sair mais intolerante com as religi�es depois do segundo turno?

De Maria - Jair Bolsonaro incentiva a intoler�ncia religiosa.

Ele pode n�o cometer intoler�ncia, mas algumas de suas falas, alguns discursos, incentivam a intoler�ncia e deixam muito � vontade quem quer se comportar dessa forma.

A intoler�ncia e o racismo religiosos v�o tomar propor��es maiores depois das elei��es, seja qual for o resultado. Os fundamentalistas v�o se sentir mais � vontade.

BBC News Brasil - Voc� acredita que Lula e a esquerda est�o errando na abordagem com os evang�licos?

De Maria - Para vencer, Lula e a esquerda precisam urgentemente renovar sua base e conversar com crist�os liberais. N�o digo liberais no sentido econ�mico, mas evang�licos progressistas que n�o veem a B�blia de maneira literal.

S�o esses religiosos liberais que v�o ajudar a esquerda a convencer os crist�os conservadores de que h� outro caminho poss�vel. A intelectualidade de esquerda est� muito distante desse religioso.

A esquerda diz que os governos do PT beneficiaram muito a popula��o pobre, mas muitos desses benef�cios s�o relacionados ao poder de compra.

O que eles n�o entendem � que o pobre tamb�m � crist�o e n�o est� muito a fim de perder aquilo que d� sentido � vida dele. O crist�o n�o quer sentir que seus valores est�o amea�ados. E o bolsonarismo pintou Lula como uma amea�a a esses valores.


Lula
Lula tem sido associado negativamente a religi�es de matriz africana (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Na segunda-feira, repercutiu bastante um v�deo de 2017 em que Bolsonaro fez campanha em uma loja ma��nica. Como o evang�lico enxerga essa imagem?

De Maria - O primeiro ponto � que existem muitos pastores ma�ons, principalmente em igrejas evang�licas tradicionais, como a batista e presbiteriana.

A imagem de Bolsonaro ligado � ma�onaria talvez tenha um impacto negativo entre os pentecostais e neopentecostais.

� uma investida do PT de querer manchar o nome de Bolsonaro, uma vez que o Bolsonaro coloca Lula como anti-crist�o. Essa ala progressista percebeu que a ma�onaria � conhecida por ser uma coisa anti-crist�.

� claro que vai movimentar alguns setores, mas n�o acho que ter� um efeito muito grande.

BBC News Brasil - Por qu�?

De Maria - Bolsonaro est� convivendo e falando a l�ngua desses religiosos h� muito tempo. O PT n�o vai conseguir mudar isso em duas semanas. N�o vai virar o voto evang�lico perpetuando esse tipo de v�deo.

Volto a dizer: para vencer, Lula precisa chamar para conversar l�deres religiosos progressistas. S�o eles que podem mudar a vis�o dos evang�licos conservadores.

BBC News Brasil - Como o racismo religioso est� sendo usado nessa elei��o?

De Maria - Esse racismo religioso est� muito presente no neofundamentalismo crist�o, mas de maneira velada, dif�cil de identificar.

Lula � associado ao comunismo e �s religi�es de matriz africana, que s�o vistas como algo mal�fico e que amea�a o cristianismo.

Em muitas igrejas, ou em revistas evang�licas, o mal � sempre representado pelas cores escuras.

Isso tem a ver com uma interpreta��o de uma hist�ria da B�blia, o mito de Cam.

Essa hist�ria coloca a �frica como uma regi�o amaldi�oada por causa de Cam, um dos filhos de No�, que foi amaldi�oado por ver o pai nu. Depois, ele foi enviado � �frica. Esse mito foi utilizado pelo cristianismo para justificar a escravid�o e at� hoje tem muita influ�ncia na sociedade.

O resultado dessa postura t�m se revelado nos �ltimos anos, com uma s�rie de ataques a terreiros de candombl� e umbanda.


Camisetas estampadas com imagens de Lula e Bolsonaro
(foto: Getty Images)

BBC News Brasil - O quanto essa vis�o incentivada pelo bolsonarismo influencia na vida dos seguidores das religi�es afro-brasileiras?

De Maria - Afeta muito o cotidiano dos religiosos. Afeta do momento em que a pessoa coloca suas roupas religiosas at� quando anda na rua.

� viver sempre amea�ado porque n�o se sabe o que pode acontecer nas ruas.

Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, j� ocorreram v�rios epis�dios de viol�ncia, desde crian�a atacada por estar vestida de branco at� terreiros de candombl� invadidos e destru�dos.

A pr�pria democracia se coloca em risco quando uma pessoa n�o consegue praticar sua religi�o.

BBC News Brasil - Como os evang�licos lidam com posturas de Bolsonaro que contrariam valores crist�os, como apoio � tortura e armamento da popula��o?

De Maria - Vou fundamentar minha resposta citando uma s�rie que assisti na Netflix chamada The Family, que conta como fundamentalistas religiosos chegaram ao poder nos Estados Unidos.

Esses fundamentalistas acreditam que um pol�tico 'escolhido por Deus' � humano e pode errar. Ent�o, sempre h� posturas que s�o deixadas debaixo do tapete porque os benef�cios s�o considerados maiores do que os erros.

H� tamb�m a constru��o de narrativas para desvirtuar a hist�ria. Por exemplo, alguns dizem que Bolsonaro nunca atrasou as vacinas contra a covid-19, ou que as vacinas n�o funcionam, ent�o n�o houve problemas nesse atraso.

Mesmo que as pessoas desconfiem dessas narrativas em um primeiro momento, depois s�o convencidas de que existe um compromisso maior de Bolsonaro e que isso precisa prevalecer.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63152672

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