(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas INTOLER�NCIA RELIGIOSA

Elei��es 2022: 'Persegui��o contra crist�os j� come�ou no Brasil. S� que dentro da igreja'

Como press�o de pastores por votos em Bolsonaro leva evang�licos a expuls�o ou abandono de igrejas em diferentes partes do Brasil.


18/10/2022 05:58 - atualizado 18/10/2022 08:18


Mão estendida em culto religioso
Press�o de pastores e irm�os de f� por votos em Bolsonaro tem levado evang�licos a expuls�o ou abandono de igrejas em diferentes partes do Brasil (foto: Getty Images)

"A gente se sentiu descart�vel." "� como se n�s, crist�os, estiv�ssemos vivendo a pr�pria ditadura dentro do templo." "N�o reconhe�o mais a Igreja hoje." "O pastor abandonou a B�blia pra falar de comunismo." "� triste ver um lugar sagrado sendo corrompido." "A persegui��o contra os crist�os j� come�ou no Brasil. S� que dentro da pr�pria igreja."

Uma pesquisa do Datafolha sugere que seis em cada dez evang�licos brasileiros pretendem votar em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno. As frases acima foram ditas por crist�os que n�o fazem parte deste grupo majorit�rio.

Apesar de representarem parte expressiva da comunidade evang�lica — quatro em cada dez, segundo o levantamento mais recente do instituto —, aqueles que discordam do presidente raramente t�m chance de expressar sua opini�o.

Principalmente dentro das igrejas, eles contam.

� BBC News Brasil, eles dizem que, enquanto muitos de seus irm�os de f� apoiam Bolsonaro por medo de enfrentarem epis�dios futuros de intoler�ncia religiosa no Brasil, a persegui��o contra crist�os j� existiria no pa�s.

Nas palavras dos entrevistados, ela acontece dentro dos pr�prios templos, puxada principalmente por l�deres religiosos que amea�am com castigo divino ou puni��o dentro da pr�pria igreja aqueles que discordam da fus�o entre pol�tica e religi�o que tem marcado estas elei��es.

A BBC News Brasil pediu esclarecimentos a todas as igrejas citadas nesta reportagem: Igreja Quadrangular, Igreja Batista, Assembleia de Deus e Santu�rio cat�lico de S�o Miguel Arcanjo. Nenhuma respondeu �s solicita��es de coment�rios.

Enquanto pastores influentes como Andr� Valad�o e Silas Malafaia dizem que igrejas devem ter posi��o pol�tica clara e fazem campanha pela reelei��o do atual presidente, a BBC News Brasil recebeu mais de 100 relatos de crist�os, principalmente evang�licos, que narram epis�dios de press�o ou intimida��o dentro dos templos na reta final da elei��o.

Muitos pediram anonimato, com medo de consequ�ncias para si pr�prios ou suas fam�lias dentro das igrejas.

Outros j� sofreram consequ�ncias.


Jair Bolsonaro e Silas Malafaia em culto evangélico
Por votos em Bolsonaro, l�deres religiosos amea�am com castigo divino ou puni��o dentro da pr�pria igreja aqueles que discordam da fus�o entre pol�tica e religi�o que tem marcado estas elei��es (foto: Getty Images)

'Queimar quem vota em Lula'

Alisson Santos diz ter sido expulso junto � esposa da igreja evang�lica que frequentava desde 2019 em Aracaju (SE). At� o in�cio de outubro, ambos trabalhavam como evangelizadores de jovens no templo.

Em entrevista � BBC News Brasil, ele diz que o apoio de pastores a Bolsonaro e seus aliados sempre existiu, mas se intensificou no segundo semestre, quando um dos pastores se candidatou a deputado estadual.

"A partir da�, em todas as reuni�es a gente tinha que orar por esse pr�-candidato e fazia reuni�es para falar sobre isso", ele conta. "Diziam que Bolsonaro � o �nico candidato que defende a liberdade religiosa, o �nico que vai manter igrejas abertas. E que, se Lula for eleito, ele vai fechar as igrejas, queimar as igrejas".

Ele conta que viu frequentadores da igreja sendo expostos no altar por discordarem dos candidatos apoiados pela igreja.

"Ele (o pastor), antes do culto, procurou pessoas para perguntar em quem elas votariam. Algumas pessoas disseram que votariam num candidato diferente do dele. Na hora do culto ele usou essas pessoas como exemplo do que n�o fazer", ele diz.

"Ele fez isso durante a Palavra, duas semanas antes da elei��o."

Para o jovem, o tom violento adotado em alguns cultos contradiz o prop�sito dos templos religiosos.

"Teve um culto em que o pastor chegou e falou que se o candidato Lula fosse eleito e fossem queimar as igrejas, ele ia mandar queimar primeiro quem votou nele. Isso n�o foi fora da igreja, n�o foi nos corredores, foi na frente da igreja toda", ele diz.


Culto em igreja evangélica
"Voc� passa a ser perseguido dentro do pr�prio templo pelos irm�os, na f� e pelos pr�prios pastores. Porque, se voc� n�o obedece, se voc� n�o segue aquele pol�tico que eles escolheram para votar, voc� n�o � crist�o", diz entrevistada (foto: Getty Images)

'Minha esposa s� chora'

Ap�s semanas evitando se posicionar na frente de pastores, Alisson compartilhou no status do WhatsApp um trecho de uma entrevista de Bolsonaro � revista Isto� Gente, em fevereiro de 2000.

Questionado na ocasi�o sobre sua opini�o em rela��o ao aborto, que hoje condena veementemente, o ent�o deputado respondeu: "Tem que ser uma decis�o do casal".

Alisson tamb�m compartilhou um v�deo gravado em 2017, quando Bolsonaro discursou dentro de um templo da ma�onaria — entidade criticada por parte dos evang�licos.

Ambas as imagens viralizaram recentemente nas redes sociais e foram usadas por opositores para ilustrar mudan�as no discurso religioso de Bolsonaro ao longo das �ltimas duas d�cadas.

"Foi justamente por esse v�deo que eles marcaram uma reuni�o da diretoria", conta o jovem.

"Ele (o pastor) disse: 'Se voc�s que n�o querem seguir o posicionamento da igreja, procurem outro lugar'. E isso pra mim foi um absurdo. E n�o foi nem particularmente, foi em frente a toda a diretoria."

Os dois deixaram seus cargos e n�o frequentam mais a igreja desde ent�o.

"� muito triste. Minha esposa s� chora desde o ocorrido. Ela s� chora porque � o lugar que sempre nos acolheu", afirma. "A persegui��o contra os crist�os j� come�ou no Brasil. S� que dentro da pr�pria igreja."


Alisson
Alisson diz ter sido expulso da igreja por pensar diferente do pastor: 'Persegui��o contra crist�os j� come�ou no Brasil. S� que dentro da igreja' (foto: Arquivo pessoal)

'Persegui��o dentro do templo'

Marta vive numa capital nordestina. Muito religiosa, ela tamb�m diz que se viu obrigada a deixar a igreja que frequentava h� d�cadas por discordar da press�o de pastores por apoio ao presidente.

"Sinceramente, eu me senti pressionada. Fiquei muito triste, decepcionada primeiramente. E, sinceramente, n�o tenho vontade de retornar para o templo mais porque Jesus n�o � isso. Ele n�o veio para fazer press�o", diz.

"Voc� passa a ser perseguido dentro do pr�prio templo pelos irm�os, na f� e pelos pr�prios pastores. Porque, se voc� n�o obedece, se voc� n�o segue aquele pol�tico que eles escolheram para votar, voc� n�o � crist�o. A sua f�, ela est� sendo colocada � prova."

Durante toda a entrevista, Marta cita trechos e ensinamentos da B�blia.

"N�o � assim que Jesus nos ensinou, que a gente fosse agressivo, que a gente que se armasse e partisse para cima do nosso advers�rio. N�o � isso que a palavra do Senhor ensina. A Palavra de Deus diz que a gente tem que mostrar o amor, a miseric�rdia, a bondade", afirma. " Jesus, ele � amor, � bondade. Ele veio para curar, salvar e libertar, e n�o para colocar medo nas pessoas."

M�e de uma crian�a pequena e de um adolescente, ela conta que a press�o pol�tica e o consequente afastamento da Igreja abalou toda a fam�lia.

"Isso mexe muito com a fam�lia, porque temos uma base religiosa, uma base crist�. Voc� fala para os seus filhos, voc� prega para os seus filhos sobre a sua doutrina que voc� cr�. E, de repente, o seu filho pergunta 'M�e, que Cristo � esse'? 'Que doutrina � essa'? 'Que religi�o � desse jeito? Sobre press�o, sobre ditadura, sobre n�o poder escolher?'"

'Ningu�m se importou com a nossa sa�da'


Deloana
Deloana: "A gente se sentiu descart�vel, n�? Ficamos com essa vis�o de que � um ambiente em que a gente n�o vai ser bem-vindo por causa da forma que a gente pensa" (foto: Arquivo pessoal)

Quase 3 mil quil�metros separam Marta de Deloana, uma assistente social de Osasco que frequentava a Assembleia de Deus h� 12 anos. A hist�ria, no entanto, se repete.

"Sinto que perdi uma refer�ncia. De verdade. Sempre acreditei em Deus. Sempre gostei de ficar na igreja. Sempre gostei de participar dos grupos. Era realmente algo que fazia parte da minha vida", ela conta por videoconfer�ncia.

"E eu sinto que isso se perdeu. N�o reconhe�o mais a Igreja hoje como a que conheci h� dez anos. Por mais que a Igreja sempre tenha tido um posicionamento conservador, tenha a quest�o da doutrina, eu vejo as coisas hoje de forma muito violenta. Se penso de forma diferente, vem uma palavra de condena��o. � como se eu pudesse ser punida por um pensamento que seja contr�rio."

A puni��o, na pr�tica, aconteceu. Tudo come�ou quando seu marido, que frequentava a igreja desde crian�a, procurou um presb�tero ap�s um culto ap�s se sentir ofendido por algumas de suas falas.

"Meu esposo terminou o ensinamento dos adolescentes e os levou para o final da aula para adultos. Esse homem estava finalizando a aula. Ele come�ou a passar alguns slides, colocando como se fosse o antes e depois dos jovens que entram nas universidades p�blicas. Era uma esp�cie de alerta para os pais que estavam ali", ela conta.

As imagens, segundo Deolana, mostravam um "antes e depois" de jovens que entram em universidades p�blicas. "O jovem todo arrumado em um primeiro momento, e depois ele fazendo uso de droga ou se 'tornando homossexual' dentro da universidade e coisas desse tipo. Querendo deixar bem claro que a universidade p�blica era um ambiente perigoso para os jovens."

Eles disseram ao religioso que aquele discurso era inapropriado e que o pr�prio marido de Deolana estuda em uma universidade p�blica.

"Ele j� se alterou bastante, pelo que eu entendi, por ter sido questionado por uma fala. Como se ele j� n�o admitisse ser questionado. E a� chegou o momento de ele falou: 'Estou vendo que voc� � de esquerda e sinto muito por voc�'", conta a assistente social.

"E ele falou como se fosse um posicionamento que fosse trazer uma condena��o para a gente, como se fosse algo absurdo. Em momento algum o meu marido falou dessa quest�o de pol�tica, de esquerda e de direita. Ele estava querendo focar na fala dele em rela��o a universidade em si, e a� ele misturou v�rios assuntos."

O casal n�o conseguiu mais ir � Igreja depois do epis�dio.

"A gente se sentiu descart�vel, n�? Ficamos com essa vis�o de que � um ambiente em que a gente n�o vai ser bem-vindo por causa da forma que a gente pensa. O que me chateou mais a gente foi essa intoler�ncia. Que o pensamento contr�rio seja colocado dessa forma, como se fosse pecado ou coisas do tipo", ela diz.

"E com isso a gente n�o retornou mais, nem ningu�m procurou a gente. Ent�o, ningu�m se importou, essa � a verdade, com a nossa sa�da."

Santinhos

Jo�o* e a esposa moram em S�o Paulo e, diferente de Alisson, Marta e Deloana, v�o continuar frequentando a igreja, apesar da press�o pelo voto em Bolsonaro — em quem o casal n�o pretende votar.

"O nome de Bolsonaro � citado normalmente (nos cultos). Os irm�os, eles se dirigem ao presidente como o candidato correto. � o candidato do bem. E os demais candidatos, todos, independente da ideologia, s�o os advers�rios. S�o candidatos do mal, digamos."

Ele conta que, al�m do voto para presidente, pastores chegaram a indicar nomes e n�meros de candidatos a cargos legislativos no primeiro turno dentro do templo.

"Geralmente a gente tem essa parte dos avisos no final dos cultos. Ent�o, o pastor comentou que alguns irm�os tinham perguntado para ele alguma sugest�o de candidatos para deputados de senadores (…) Ent�o ele falou que, para quem quisesse, estava sendo montada uma lista de candidatos de deputados de que fosse, que seria disponibilizada para os irm�os que procurassem."

Frequentes nos coment�rios ouvidos pela reportagem, os relatos sobre indica��es de votos dentro e fora de templos n�o vem s� de evang�licos.

Cat�lica, a paranaense Paula Izidro diz que essa foi a gota d'�gua.

"Eu tinha o costume de participar de uma caminhada com peregrinos da regi�o ao Santu�rio de S�o Miguel Arcanjo. E na porta do santu�rio estava entregando o santinho de um candidato. Toda aquela coisa da peregrina��o de f� acabou para mim ali", ela diz.

"Aquilo me deixou indignada, porque eles usaram o santu�rio de palanque. O padre fala abertamente sobre engajar na elei��o, posta foto com Bolsonaro, e isso me deixa muito, muito deprimida. Logo ele que defende tortura, pena de morte, que n�o se importou com as pessoas na pandemia e tudo mais. N�o condiz com o contexto religioso", ela diz.

'Perdi minha f�. N�o tenho mais religi�o'

Enquanto muitos dos crist�os ouvidos pela reportagem contam que decidiram se afastar de suas igrejas e buscar outras op��es, onde sua posi��o pol�tica seja respeitada, Luiz Fernando, que vive no interior da Bahia e era evang�lico desde os 12 anos, tomou decis�o mais dr�stica.

"Durante todos os anos que eu estive na Igreja, passamos por elei��es presidenciais, por elei��es municipais e nunca, at� 2018, foi abordada essa quest�o de 'vote em tal candidato'. Era uma coisa que deixava todo mundo muito � vontade. Voc� n�o sabia se o seu irm�o da cadeira da frente era a favor do partido A ou do partido B. N�o sabia se a pessoa ao seu lado era a favor de partido A ou partido B. Tinha essa liberdade de voto e ningu�m era recriminado por isso", ele lembra.

"Em 2018, elei��o presidencial em que Jair Bolsonaro apareceu como o candidato crist�o, que levantava a bandeira da fam�lia, da religiosidade, aquela coisa toda, eu percebi que a entona��o dos cultos, o direcionamento dos cultos da igreja modificou. O pastor l�der, em culto, no p�lpito, falou: 'Vamos como crist�os votar em Jair Bolsonaro, pois ele representa a fam�lia e ele representa a n�s crist�os. A�, naquele momento eu entendi e falei 'n�o'. A pol�tica entrou na Igreja."

"A� eu simplesmente eu percebi que tudo o que eu tinha vivido, aquela coisa de paz, de amor ao pr�ximo, de tentar conquistar atrav�s do amor, foi tudo por �gua abaixo, porque eu vi o �dio e vi o �dio presente nas pessoas, nos meus amigos que eram da igreja. Eu vi essa coisa de guerra. Ent�o eu falei: 'n�o, n�o d� mais, me desiludi com a religi�o. Eu simplesmente deixei de ir'."

A decep��o o levou a, pela primeira vez na vida, se declarar "sem religi�o".

"Depois desse governo que se diz crist�o, eu n�o consigo mais me relacionar com Deus intimamente. Na �ltima pesquisa do IBGE, eu j� me declarei que n�o tenho f�. (Perguntaram) 'Voc� � crente, voc� � cat�lico, qual � a sua religi�o?' Eu falei: 'N�o, n�o tenho religi�o'. Ent�o n�o sei o que eles colocaram. Se agn�stico ou ateu, alguma coisa assim. Mas eu j� n�o me coloquei mais como crist�o, n�o me representa. Isso j� n�o me representa mais.

"Eu percebi que para eu voltar a ter um relacionamento com Deus, a Igreja precisa mudar. E eu vejo que a Igreja n�o quer mudar."

*Nome alterado a pedido do entrevistado

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63285936


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)