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Estado de Minas ELEI��ES 2022

'Meus filhos est�o apanhando e se separando dos amiguinhos por pol�tica'

M�e de duas crian�as relata como a disputa eleitoral se embrenhou na vida cotidiana e escolar da fam�lia: 'na festa infantil, pais e filhos j� sabem quem votou em quem e n�o conversam com o outro lado'.


24/10/2022 17:54 - atualizado 25/10/2022 08:02


Ilustração mostra crianças discutindo voto na escola e apontando a outra criança
(foto: Ilustra��o: Brum)

Alguns dias depois do primeiro turno das elei��es, o filho mais novo de Marcia (nome fict�cio) voltou da escola relatando um di�logo entre dois amiguinhos:

- N�o sou mais teu amigo se voc� vota no Lula.

- N�o, ent�o eu n�o votei no Lula, eu votei no Ciro!

Detalhe importante: s�o crian�as de pr�-escola. T�m cinco anos de idade.

"Na escola do meu filho, tem duas crian�as que ficam falando 'Lula � ladr�o', e todas falam como se elas pr�prias votassem. Tem uma continuidade entre o (voto do) adulto e a crian�a. Mas come�ou algo bizarro, que s�o discuss�es do tipo 'se voc� votou no Lula, n�o troco figurinha da Copa com voc�'", conta Marcia, que mora em Florian�polis (SC) e � eleitora declarada de Luiz In�cio Lula da Silva (PT).

Marcia ficou ainda mais incomodada quando a briga virou f�sica: houve um dia em que o filho dela voltou chorando por ter recebido um pux�o de cabelo ap�s uma discuss�o sobre os candidatos � Presid�ncia.

"Chegou ao ponto em que ele (o colega) falou: 'vou bater em voc� porque voc� votou no Lula'. E bateu."

A professora mediou o conflito, que acabou ali mesmo. Marcia n�o chegou a conversar com a fam�lia da outra crian�a.

"Nem tenho o contato do pai, porque ele parece ser muito bolsonarista. E o filho fica falando de Cristo, fala que menino n�o pode usar roupa tal. Eu nem quero que o meu filho ande com ele", diz ela.

Na escola do filho mais velho de Marcia, de 8 anos, quem apanhou dos amigos foi uma "crian�a bolsonarista", que era minoria na classe. Mesmo sem o epis�dio envolver diretamente seu filho, Marcia achou tudo "bem grave".

Assim como nesses casos, em meio ao calor das elei��es, t�m pipocado pelo pa�s relatos de discuss�es partid�rias que levaram a brigas ou situa��es delicadas nas escolas. E envolvem at� mesmo crian�as pequenas, ainda incapazes de entender a complexidade do debate pol�tico.

Na capital catarinense, onde Marcia mora, 45,67% dos eleitores votaram em Bolsonaro e 42,43%, em Lula no primeiro turno.

A disputa partid�ria se reflete tamb�m no segundo turno para governador no Estado, entre Jorginho Mello, do PL de Jair Bolsonaro, e D�cio Lima, do PT de Lula. E as divis�es s�o sentidas no dia a dia da fam�lia.

"A escola virou um palco da disputa dos pais, dos valores dos pais, algo que � muito mais grave do que a elei��o. E mais duradouro", opina Marcia, cujo nome real ser� omitido para preservar a identidade das crian�as.

Mais duradouro at� porque, em parte do c�rculo social dela, a polariza��o se enraizou tamb�m entre as crian�as, a depender de em quem o pai ou m�e de cada uma delas votou.

"Teve uma festinha de um amiguinho da escola (do filho mais velho, de 8 anos) em que os pa�s que eram eleitores do Lula se juntaram numa mesa. Os que eram neutros ou bolsonaristas sentaram em outra. Quando eu vi, as crian�as tamb�m tinham feito o mesmo: n�o estavam mais brincando todas juntas. Porque elas mesmas j� sabem 'quem votou em quem', tanto os amigos do meu filho mais novo quanto o mais velho", conta Marcia.

"Eles me dizem: 'fulaninho vota no Bolsonaro'. E tamb�m falam: 'n�o vou brincar com eles'. Ent�o n�o � s� que eles s�o violentados, como tamb�m falam (que n�o querem brincar com as crian�as do lado advers�rio)."


Fotomontagem com os rostos de Bolsonaro e Lula
Al�m da escolha do pr�ximo presidente da Rep�blica, entre Bolsonaro e Lula, segundo turno tamb�m definir� 12 governadores (foto: Reuters)

'Disputa de quem tem raz�o'

Na escola do filho mais velho de Marcia, onde ocorreu a agress�o contra o menino filho de eleitores de Bolsonaro, a coordena��o pediu aos pais que prestassem aten��o � forma como temas adultos est�o sendo discutidos na presen�a das crian�as.

"Nesta sociedade polarizada, at� mesmo as crian�as pequenas ficam numa disputa de quem tem raz�o. Sendo que at� o 5° ano, elas est�o reproduzindo o que escutam - ainda n�o t�m a capacidade de dosar ou refletir. E neste momento atual as fam�lias est�o muito seguras do seu posicionamento (pol�tico)", diz � BBC News Brasil uma das integrantes do corpo pedag�gico da escola (que tamb�m n�o ser� identificada para preservar a identidade dos alunos).

A educadora agrega que o caso de agress�o envolveu dois estudantes, depois de provoca��es em torno da pol�tica.

Mas, se tratando de crian�as t�o jovens, "n�o tem uma v�tima e um vil�o. Um ficou provocando o outro, e eles se irritaram. A professora ent�o falou sobre a import�ncia do respeito, e o que ficou na turma �: mesmo que discordemos, precisamos conviver".

Ela n�o acha que a situa��o neste ano esteja mais grave por causa da polariza��o em si, mas sim por causa das redes sociais e aplicativos de mensagem. "As crian�as est�o trazendo (reproduzindo) as discuss�es entre os familiares no grupo de WhatsApp", afirma.

"Por isso temos pedido aos familiares em geral que cuidem da forma como envolvem os filhos nessas discuss�es. Por vezes assuntos diversos do mundo adulto chegam j� de forma conflituosa, desrespeitosa e carregadas de preconceito - o que n�o � do universo infantil."

Claudia Costin, diretora do Centro de Excel�ncia e Inova��o em Pol�ticas Educacionais (Ceipe-FGV), diz que tamb�m tem escutado casos e questionamentos relacionados a como lidar com a pol�tica partid�ria por parte de diversos pais, professores e secret�rios de Educa��o do pa�s.

"� l�gico que essa quest�o tem aparecido mais nas escolas, e nem sempre de modo respeitoso, porque as crian�as reproduzem o que veem", diz � BBC News Brasil.

O natural, ela agrega, � que adultos tentem passar �s crian�as sua vis�o de mundo como se fosse a �nica. Costin cita o livro O Horror da Guerra, do historiador brit�nico Niall Ferguson, que relata como, depois da Primeira Guerra Mundial, alguns pa�ses europeus envolvidos no conflito passaram a ensinar �s crian�as o militarismo e o �dio � popula��o dos pa�ses advers�rios, inclusive usando informa��es falsas para refor�ar nas gera��es futuras a vis�o negativa em rela��o aos vizinhos.

"Ou seja, nem as fake news s�o novidade. Mas se queremos avan�ar no processo civilizat�rio, precisamos dar senso cr�tico �s crian�as - ensin�-las tanto a buscar fontes confi�veis de informa��o como a adotar uma comunica��o n�o agressiva. Porque um dos pilares da educa��o � aprender a viver juntos e conseguir dizer minha opini�o sem desqualificar quem pensa diferente. Isso, ali�s, � a base da democracia."

A preocupa��o de Costin � que, mesmo que o momento atual de �dio passe, "fique na crian�a essa ideia de que ela deve odiar quem pensa diferente".

Na casa de Marcia, em Florian�polis, isso � tema de reflex�o. "Meu marido conversa com as crian�as sobre direito democr�tico, sobre respeitar o coleguinha (independentemente da opini�o pol�tica). Mas eu acho que o momento pol�tico � outro. Concordo que a gente deve realmente ensinar sobre aceitar as diferen�as, mas isso se esta fosse uma elei��o entre Lula e FHC, entre Lula e Simone Tebet, entre Lula e Jos� Serra. A quest�o � o limite da democracia. Odeio quando dizem que estamos em uma polariza��o de extremos, porque n�o s�o dois extremos", diz ela, em refer�ncia �s amea�as � ruptura democr�tica feitas por Jair Bolsonaro.

E as diferentes perspectivas se refletem tamb�m nos dois filhos do casal. O mais novo - que levou o pux�o de cabelo na escola - � mais predisposto a comprar brigas pol�ticas. O mais velho � mais conciliador, evita conflitos e quer preservar suas amizades.

"Ele me pediu que eu n�o colocasse o adesivo do Lula no meu carro, porque viu que o carro do melhor amigo dele aqui da rua tem uma bandeira do Bolsonaro. E ele n�o quer perder o amiguinho", conta Marcia.

Mas ela tamb�m se preocupa com o rumo que o debate pol�tico est� tomando.

"Chegou a um ponto em que o que seria ades�o a pautas pol�ticas n�o est� acontecendo: se fala moralmente do sujeito, e n�o de projeto pol�tico. N�o tem debate de projeto pol�tico. S� se fala que o outro � 'violento', 'mau', 'ladr�o'. Para a maioria do eleitorado, tudo foi para o �mbito moral e �tico", avalia.

"A posi��o pol�tica virou hoje uma coisa identit�ria. Antes, era s� uma posi��o pol�tica. Voc� discutia se concordava ou n�o com a meritocracia, se concordava ou n�o com privatiza��es. (...) Agora, � puramente moral, algo pautado pelo bolsonarismo. Parece que se trata da identidade do sujeito - n�o se trata mais de aderir a pautas pol�ticas, mas sim a uma identidade."

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63378260


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