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A lei sancionada por Lula que fez explodir pris�es por tr�fico de drogas no Brasil

A lei de drogas, assinada por Lula em 2006, pretendia distinguir o usu�rio do traficante, tirando a pena de pris�o para o primeiro, e endurecendo as puni��es para o segundo. Mas, na pr�tica, a lei falhou ao tentar fazer isso, acelerando o encarceramento no Brasil, transformando o pa�s na terceira maior popula��o prisional do mundo.


28/10/2022 06:15 - atualizado 28/10/2022 10:44


Preso
Lei de drogas ajudou a acelerar encarceramento no Brasil, segundo especialistas (foto: Thinkstock)

O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato � reelei��o, tem repetido em seus discursos que seu advers�rio na disputa eleitoral, o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), vai legalizar drogas no Brasil.

Esse � um dos temas da chamada "pauta de costumes" que o atual mandat�rio frequentemente se utiliza para atacar o rival.

Publica��es que associavam Lula a drogas feitas por pol�ticos bolsonaristas, como Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, chegaram a ser suspensas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na semana passada.

No entanto, o plano de governo do petista n�o fala em legaliza��o das drogas - nem sua propaganda gratuita exibida na televis�o e no r�dio.

O programa de Lula destaca que "o pa�s precisa de uma nova pol�tica sobre drogas, intersetorial e focada na redu��o de riscos, na preven��o, tratamento e assist�ncia ao usu�rio".

"O atual modelo b�lico de combate ao tr�fico ser� substitu�do por estrat�gias de enfrentamento e desarticula��o das organiza��es criminosas, baseadas em conhecimento e informa��o, com o fortalecimento da investiga��o e da intelig�ncia", diz o documento.

J� em carta aos evang�licos, Lula afirmou que seu governo "vai fortalecer as fam�lias para que os nossos jovens sejam mantidos longe das drogas."

Na semana passada, por exemplo, ao ser questionado sobre uma poss�vel legaliza��o da maconha no podcast Flow, Lula afirmou que o assunto n�o depende dele.

Por outro lado, embora o petista seja "acusado" de ser a favor da legaliza��o, ele foi o respons�vel por sancionar uma lei que facilitou a pris�o e endureceu as puni��es por tr�fico de drogas quando ocupava o Pal�cio do Planalto, em 2006.

O presidente pode legalizar as drogas?


Toalhas de Bolsonaro e Lula à venda
O tema das drogas tem sido utilizado por Bolsonaro para atacar o rival, Lula (foto: Reuters)

O presidente da Rep�blica n�o tem poder para legalizar as drogas no Brasil. Uma mudan�a nessa �rea precisaria necessariamente ser aprovada pelo Congresso, por meio de um projeto de lei ou de uma Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC).

E, a depender das bancadas da C�mara e do Senado eleitas nessas elei��es - com maioria conservadora -, � improv�vel que alguma altera��o seja aprovada nos pr�ximos anos.

Outro caminho dependeria da Justi�a. Desde 2015, um julgamento sobre a descriminaliza��o do porte de maconha para uso pessoal est� parado no Supremo Tribunal Federal (STF), e n�o h� data para sua retomada.

Para Fernanda Vilares, doutora em processo penal pela USP e professora da Funda��o Getulio Vargas (FGV), a cria��o de leis � uma resposta do Parlamento a viol�ncias latentes na sociedade.

"O Congresso escolhe dar uma resposta institucional a quem causou uma viol�ncia. O tr�fico e o uso de algumas drogas s�o vistos pelo Estado como uma viol�ncia contra a sa�de p�blica", explica.

O que � a lei de drogas?

A chamada lei de drogas foi sancionada por Lula em agosto de 2006, tr�s meses ap�s uma onda de viol�ncia em S�o Paulo atribu�da � fac��o criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Em apenas 10 dias, 59 policiais foram assassinados em ataques a delegacias e pr�dios da pol�cia — 505 civis tamb�m morreram no per�odo.

Na esteira, a lei acabou com a pena de pris�o para usu�rios e aumentou a puni��o para traficantes.

"A lei tinha o objetivo de separar quem � usu�rio e quem � traficante. O usu�rio passou a ser visto como uma quest�o de sa�de p�blica, e n�o de cadeia. Quando � pego com drogas, ele vai � delegacia, responde a uma advert�ncia, mas n�o fica detido", diz Luis Carlos Valois, juiz de execu��es penais do Amazonas e doutor em criminologia pela USP.

"Em tese, a lei tinha o objetivo de diminuir o encarceramento, mas aconteceu justamente o contr�rio", explica Valois, autor do livro O Direito Penal da Guerra �s Drogas (Editora D'Pl�cido).


Fachada do Supremo Tribunal Federal, com destaque para imagem que representa a Justiça vendada
Um julgamento sobre discriminaliza��o da posse de maconha est� parado no STF desde 2015 (foto: Dorivan Marinho/SCO/STF)

O defensor p�blico federal Gustavo de Almeida Ribeiro, que h� 15 anos atua no STF, afirma que "a lei aumentou muito a aprisionamento e o tamanho das penas por tr�fico de drogas."

"Na lei anterior, de 1976, a pena m�nima era de tr�s anos de pris�o. Na nova, passou para cinco", diz.

Em 2005, antes da legisla��o sancionada por Lula, 14% dos presos haviam sido condenados por crimes relacionados ao tr�fico, segundo o Levantamento Nacional de Informa��es Penitenci�rias (Infopen). J� em 2019, o delito representava 27,4% — entre as mulheres, esse �ndice chega a 54,9% do total.

Em 2005, havia 296.919 pessoas encarceradas no pa�s. Em 2019, eram 773.151 detentos, alta de 160%. Os �ltimos dados do Infopen s�o de 2019, mas o Conselho Nacional de Justi�a (CNJ) estima que no ano passado havia 820 mil pessoas presas. O n�mero de vagas no sistema, no entanto, � de 442 mil.

O pa�s tem hoje a terceira maior popula��o carcer�ria do mundo, s� atr�s de China e Estados Unidos.

Segundo o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica, dois em cada tr�s presos s�o negros - apenas 51% conclu�ram o ensino fundamental. J� 62,3% t�m entre 18 e 34 anos.

Por que a nova lei aumentou condena��es?

Para defensores p�blicos e especialistas em direito penal, a lei de drogas de 2006 facilitou as condena��es por tr�fico, mas, na pr�tica, n�o cumpriu a meta de diferenciar usu�rios de traficantes. O problema � que a legisla��o n�o estipula par�metros objetivos para fazer isso.

O tr�fico passou a ser caracterizado mais pelas circunst�ncias da pris�o do que pela quantidade da subst�ncia apreendida.

A lei cita 18 verbos que definem o crime: como importar, remeter, preparar, produzir, vender, expor � venda, oferecer, ministrar, entre outros.

A falta de crit�rios mais claros fez com que a principal prova utilizada pela Justi�a para condenar seja o testemunho dos policiais envolvidos na deten��o, segundo profissionais da �rea.

"Essa diferencia��o do que � usu�rio ou traficante � bem aleat�ria. Na falta de investiga��o, se a pessoa tiver um caderno de anota��es no momento do flagrante, por exemplo, ou estiver pr�xima de um local de venda de drogas, isso faz com que ela seja enquadrada como traficante", diz Ribeiro.

Pesquisa do N�cleo de Estudos da Viol�ncia da USP, de 2012, apontou que 74% das pris�es por tr�fico em S�o Paulo tinham como �nicas testemunhas os policiais militares. S� 4% das deten��es ocorreram depois de investiga��es.

"Quem define se uma pessoa � traficante ou usu�rio � o policial. E isso � um poder muito grande. Se voc� tiver 5 gramas de maconha e R$ 20 no bolso, ele pode dizer que voc� � um traficante, e n�o usu�rio. Claro que essa decis�o pode depender se voc� � branco ou negro, se voc� foi preso em um bairro de classe m�dia ou na periferia. A Justi�a costuma validar a decis�o policial e condenar", diz o juiz Luis Carlos Valois.


Mão fechando as grades de uma prisão
'S�o raros os casos de pessoas de classe m�dia ou ricas condenadas por tr�fico' (foto: Getty Images)

Para Rodrigo Murad do Prado, crimin�logo e defensor p�blico de Minas Gerais, a a��o policial "n�o � imune a erros e preconceitos, como o racismo."

"Quem o policial prende com mais facilidade? Pessoas de bairros pobres, ou que na rua. O preso mais comum � o pequeno traficante, que atua no varejo, n�o ganha muito dinheiro e � facilmente substitu�do. Voc� prende um hoje, , amanh� j� tem outro no lugar. E quem o substitui primeiro? A mulher dele. Ajuda a explicar a alta de pris�es de mulheres por crimes de tr�fico", diz Prado.

"S�o raros os casos de pessoas de classe m�dia ou ricas condenadas por tr�fico. E por que isso acontece? Primeiro porque elas t�m mais acesso a bons advogados. Depois, porque o policial n�o entra em um apartamento de classe m�dia sem mandado judicial, mas muitos fazem isso na periferia", diz o defensor, que atua na �rea h� 16 anos.

Apreens�es de drogas funcionam?

N�o existem dados oficiais sobre a quantidade m�dia utilizada pela Justi�a para condena��es por tr�fico. H� apenas pesquisas de amostragem sobre apreens�es.

Uma delas, do Instituto de Seguran�a P�blica (ISP) do Rio de Janeiro, apontou que, em 2014, o volume de maconha apreendido n�o passou de 6 gramas em 50% das 24 mil pris�es em flagrante analisadas. Em 75% dos casos, o peso m�ximo n�o passava de 42,6 gramas.

Outro levantamento, do Instituto Sou da Paz, analisou milhares de ocorr�ncias entre 2015 e setembro de 2017 no Estado de S�o Paulo. A pesquisa concluiu que as grandes apreens�es de droga s�o minoria.

Nas 80 mil ocorr�ncias de maconha compiladas, cada a��o policial confiscou 39,8 gramas da planta, na mediana. Esse peso equivale a dois bombons da marca Sonho de Valsa.

J� em a��es envolvendo coca�na, cada opera��o apreendeu 21,6 gramas da subst�ncia, tamb�m considerando a mediana de 71 mil ocorr�ncias. O volume � o mesmo de dois sach�s de ketchup.

Em alguns pa�ses, como o Reino Unido, usu�rios e pequenos traficantes n�o s�o punidos criminalmente porque entende-se que isso n�o causa grandes efeitos ao narcotr�fico, que atua globalmente e em escala de milhares de toneladas.

J� o plano de governo de Bolsonaro celebra um aumento de 131% nas apreens�es de coca�na e de 172% nas de maconha entre 2018 e o ano passado.


policial em cima de caminhão com pacotes de drogas apreendidos
Apreens�es de drogas s�o celebradas por Bolsonaro (foto: SeComSoc DOF/Sejusp)

Neste ano, por exemplo, a Pol�cia Federal acredita que vai bater o recorde hist�rico de apreens�es de coca�na. At� agosto, foram 72 toneladas. O recorde atual � de 2019, quando 104 toneladas foram confiscadas pela PF.

Em entrevista � Ag�ncia Brasil, o delegado Fabr�cio Martins, da Coordena��o-geral de repress�o a drogas, armas, crimes contra o patrim�nio e fac��es criminosas, disse acreditar que apenas as apreens�es n�o causam muito efeito na contabilidade das fac��es.

"A apreens�o de drogas por si � eficiente? N�o. Dentro do quadro de perdas da organiza��o criminosa j� est� computado o quanto ela vai perder para as apreens�es. A empresa vai continuar lucrando, porque o lucro � muito grande", disse.

O delegado afirmou que, desde 2012, a Pol�cia Federal adota outra abordagem: a partir das apreens�es e de investiga��es de lavagem de dinheiro, traficantes e fac��es s�o "descapitalizados" - nos �ltimos tr�s anos, foram sequestrados ou apreendidos R$ 2,8 bilh�es em bens de membros de grupos criminosos.

O Brasil tem 15 mil quil�metros de fronteiras, al�m de ser vizinho de pa�ses produtores de maconha e coca�na, como Paraguai, Col�mbia, Peru e Bol�via.

Segundo o delegado, o Brasil � "um grande consumidor de drogas, mas tamb�m um ponto de tr�nsito" para cargas com destino � Europa, �sia e �frica.

Ele afirmou que um quilo de coca�na � comprado por cerca de R$ 13 mil na fronteira do Brasil e revendido por R$ 53 mil nas grandes cidades do pa�s. Se chegar � Europa, o mesmo volume pode render at� R$ 210 mil �s fac��es.

Distribui��o de renda

Para Isabel Figueiredo, conselheira do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, as pol�cias brasileiras "est�o estruturadas para cumprir metas de abordagens e apreens�es de drogas, mas h� pouco foco na resolu��o de crimes mais graves, como homic�dios".

Entre 2005 e 2019, o Brasil registrou 51 mil homic�dios por ano, em m�dia. Mas esse tipo de crime representa 11,3% das condena��es no sistema prisional, segundo o Infopen.

Boa parte dessas mortes violentas est�o relacionadas a disputas entre fac��es e opera��es policiais de combate ao tr�fico. "H� Estados com �ndice de resolu��o de homic�dios menor que 20% dos casos", diz.

Para Figueiredo, o pa�s tamb�m deveria criar pol�ticas de distribui��o de renda e de oportunidades para adolescentes e jovens pobres que s�o alvo de coopta��o pelo crime organizado.

"A palavra � disputar esses jovens mesmo, oferecer alternativas, oportunidades de vida. Muitos entram para o tr�fico porque economicamente � mais vantajoso para ele, mesmo que o futuro possa ser a cadeia ou morte", diz Figueiredo.

Para Valois, esses jovens s�o seduzidos pelo crime porque t�m vantagens financeiras e sociais no contexto do local onde vivem. "H� uma imagem de prest�gio do traficante em alguns pontos. O moleque quer aquele poder da fun��o, porque ali ele ser� valorizado, vai ter roupa de marca, t�nis caro, namorada...", diz o juiz.

Pol�tica de drogas

Como ocorreu em muitos pa�ses, a pol�tica de drogas do Brasil foi importada dos Estados Unidos: a chamada guerra �s drogas, que, desde os anos 1960, prop�e o combate b�lico e o encarceramento de quem vende e usa subst�ncias il�citas.

O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, costuma dizer que as drogas "destroem muitas fam�lias no Brasil" em rela��o ao uso problem�tico, ressoando o discurso de ex-presidentes americanos que apostaram na guerra �s drogas como plataforma pol�tica, como Ronald Reagan.

"N�s sabemos que a libera��o das drogas � uma desgra�a para o pa�s, n�o pretendo admitir isso", afirmou ele � Ag�ncia Brasil.

Nos �ltimos anos, os Estados Unidos est�o mudando sua pol�tica na dire��o contr�ria: est� legalizando e apostando no mercado de maconha e de outras subst�ncias, como psicod�licos.

Neste m�s, o presidente Joe Biden anunciou perd�o judicial a todos os americanos condenados por posse e uso de maconha na Justi�a federal - e pediu que os governadores fa�am o mesmo nos Estados.

"Ningu�m deveria estar preso apenas por usar ou possuir maconha. Mandar pessoas para a pris�o por portar maconha arruinou muitas vidas e prendeu pessoas por condutas que muitos estados n�o pro�bem mais", escreveu Biden no Twitter.


Joe Biden na Casa Branca em 15 de setembro
Joe Biden anunciou indulto para pessoas condenadas por posse de maconha (foto: Getty Images)

A legisla��o americana permite que cada Estado decida individualmente como regula as drogas em seu territ�rio.

Hoje, 19 deles permitem o uso medicinal e adulto da maconha. Outros 26 autorizam apenas o consumo medicinal.

No entanto, a legaliza��o n�o resolveu o problema da mercado ilegal em alguns locais, como na Calif�rnia. A pol�cia da regi�o v�m promovendo a��es contra as fazendas de plantio ilegais - dezenas de toneladas foram apreendidas no ano passado, al�m de centenas de armas.

Outros pa�ses, como Uruguai, Canad� e Portugal, tamb�m revisaram sua legisla��o e legalizaram a maconha.

Mercado de maconha legal no Brasil

Nos �ltimos anos, o Brasil flexibilizou o uso medicinal de maconha por meio de decis�es judiciais e de regulamenta��es da Anvisa. Atualmente, 5.500 m�dicos prescrevem produtos oriundos da planta no pa�s.

Eles s�o usados no tratamento de epilepsia, Parkinson, autismo, depress�o, entre outros.

Esse precedente fez florescer um mercado legalizado: farmac�uticas, start-ups, consultorias, ag�ncias de emprego e fundos de investimentos de grande bancos colocam e ganham dinheiro no setor.

Um estudo da Kaya Mind, consultoria de dados sobre o mercado can�bico, estima que apenas o setor de medicamentos movimentou R$ 130 milh�es no Brasil em 2021 - alta de 124% em rela��o ao ano anterior.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63366891


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