
Ap�s o primeiro turno das elei��es presidenciais, voltaram a circular nas redes sociais postagens que denunciam a anula��o de 7,2 milh�es de votos pelas urnas eletr�nicas. Trata-se de um conte�do enganoso, que j� havia sido compartilhado em 2018, e vem sendo usado novamente �s v�speras de um dos pleitos mais polarizados da hist�ria recente do Brasil.
A narrativa j� foi desmentida publicamente — o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponibiliza os dados da apura��o e apenas os pr�prios eleitores podem anular votos, seja por erro ou vontade consciente —, mas antes de ser verificada causou muitas d�vidas e apreens�o entre os brasileiros.
Boatos e desinforma��o que colocam � prova a confiabilidade do sistema eleitoral n�o s�o um fen�meno novo, mas t�m causado cada vez mais preocupa��o entre estudiosos, jornalistas e autoridades eleitorais, segundo um grupo de pesquisadores americanos que estuda o assunto.Um relat�rio produzido pela chamada Election Integrity Partnership (Parceria de Integridade Eleitoral, em tradu��o livre), uma coaliz�o n�o partid�ria liderada pelo Observat�rio da Internet da Universidade de Stanford Internet e pelo Centro para o P�blico Informado da Universidade de Washington, identificou os fatores mais determinantes para que esse tipo de boato viralize no ambiente online.
A an�lise foi conduzida por ocasi�o das elei��es de meio de mandato que ser�o realizadas nos Estados Unidos em novembro de 2022, mas suas conclus�es tamb�m se aplicam ao contexto eleitoral brasileiro.
Segundo os pesquisadores, esse tipo de conhecimento pode ajudar a antecipar quais boatos ser�o disseminados, assim como seu potencial para viralizar.
"Muitos boatos viralizam antes mesmo que a verdade sobre eles possa ser verificada, o que pode minar a confian�a da popula��o no processo democr�tico das elei��es", afirmou � BBC News Brasil Ren�e DiResta, gerente de pesquisa do Observat�rio da Internet de Stanford e uma das pesquisadoras envolvidas no relat�rio.
"Os boatos n�o se restringem a temas pol�ticos, vimos muitas teorias que se provaram falsas serem disseminadas sobre a covid-19, por exemplo. Mas de qualquer maneira, eles representam um grande desafio para aqueles cujo trabalho � informar o p�blico."
Segundo a pesquisadora, diferente da desinforma��o, que � criada com a inten��o de manipular, os boatos muitas vezes surgem em ambientes inst�veis e podem se provar falsos ou n�o - no caso brasileiro, a grande maioria dos conte�dos difundidos nas redes sobre o sistema eleitoral e as urnas eletr�nicas � enganosa.
"Boatos podem tamb�m ser disseminados por governos ou autoridades e, nesse caso, cabe a outras fontes de informa��es confi�veis, como a imprensa e organiza��es comunit�rias, chec�-los e desmenti-los quando necess�rio", diz DiResta.
Confira a seguir quais s�o os principais fatores que impulsionam os boatos sobre processos eleitorais, segundo a an�lise da Election Integrity Partnership. O estudo reuniu diferentes disserta��es e pesquisas anteriores para elaborar a lista de dez itens.
1- Incerteza ou ambiguidade
Segundo os pesquisadores respons�veis pela an�lise, a incerteza � um fator chave para a dissemina��o de boatos.
Em momentos incertos e amb�guos, como por exemplo per�odos de crise pol�tica ou at� durante a apura��o das urnas em uma elei��o, informa��es pouco confi�veis tendem a ganhar mais tra��o diante da busca da popula��o por respostas e um entendimento do que est� acontecendo.
De acordo com o relat�rio, � medida que as pessoas tentam elaborar teorias e explica��es, surgem os boatos.
"Esses rumores s�o inicialmente infundados - ou seja, eles podem se provar verdadeiros, falsos ou algo intermedi�rio. Boatos falsos, especialmente no contexto eleitoral, podem ter efeitos nocivos", dizem os pesquisadores.
2- Desconfian�a em rela��o � imprensa
"Em ambientes informacionais onde as fontes oficiais n�o s�o vistas como confi�veis, seja devido a suas pr�prias falhas ou esfor�os de m�-f� para minar a confian�a (ou uma combina��o dos dois), os boatos s�o mais propensos a se espalhar", diz o estudo, que classifica como fontes oficiais a imprensa tradicional e membros do governo.
Segundo os pesquisadores, a aus�ncia de informa��es divulgadas por essas fontes, especialmente em cidades menores e �reas rurais, tamb�m pode levar � difus�o dos boatos.
Para Ren�e DiResta, o melhor rem�dio para evitar que boatos falsos se espalhem � justamente fortalecer a comunica��o entre as fontes oficiais e o p�blico.
"Mesmo que a verdade sobre aquele fato ainda n�o seja 100% conhecida, as autoridades precisam se dirigir a popula��o para, pelo menos, dizer que est�o investigando. N�o falar nada pode impulsionar os boatos", diz.
3- Impacto
Um terceiro fator importante � a relev�ncia do tema ou dos supostos resultados do boato para as pessoas.
"As pessoas s�o mais propensas a se envolver com boatos que s�o relevantes para elas - que t�m impacto potencial, positivo ou negativo, em suas vidas", diz a an�lise elaborada pelos especialistas da Election Integrity Partnership.
De acordo com os pesquisadores, a ansiedade gerada por uma situa��o ou pelas informa��es difundidas tamb�m influenciam a for�a de um boato, assim como a aten��o dada ao tema pela sociedade em geral.

4- Familiaridade e repeti��o
Segundo os pesquisadores, a familiaridade com o tema, que pode ser criada e refor�ada por meio da repeti��o, tamb�m influencia a capacidade de um boato viralizar.
O relat�rio cita um fen�meno denominado "efeito de verdade ilus�ria", elaborado por tr�s pesquisadores na d�cada de 1970, que afirma que a mera repeti��o de informa��es � suficiente para aumentar sua aceita��o.
E muitas vezes, boatos novos recuperam elementos de casos bem-sucedidos anteriores para dar uma sensa��o de plausibilidade. De acordo com os especialistas, novos boatos geralmente se baseiam em "modelos narrativos" que s�o reciclados � medida que novos eventos se desenrolam.
O relat�rio cita como exemplos de narrativas que se repetem constantemente boatos de c�dulas eleitorais descartadas, urnas manipuladas ou eleitores j� falecidos registrados para votar.
5- A for�a da "evid�ncia"
Outro fator citado pelos pesquisadores � a presen�a de algum tipo de "evid�ncia" que torna a alega��o mais tang�vel - por exemplo, um v�deo de c�meras de seguran�a, uma imagem de uma urna com defeito, prints de resultados eleitorais incorretos ou experi�ncias pessoais de eleitores.
O relat�rio alerta, por�m, que essas supostas evid�ncias podem ser fabricadas, deliberadamente tiradas do contexto ou mal interpretadas.
Os pesquisadores tamb�m explicam que a forma como as evid�ncias s�o reveladas influencia a capacidade do boato viralizar. Relatos em primeira pessoa, por exemplo, tendem a ser mais convincentes.
E a partir do momento que s�o estabelecidos, os boatos podem ser compartilhados por meio da repeti��o org�nica e coordenada, ganhando novas evid�ncias e sendo moldados a partir das necessidades e preocupa��es da comunidade.
Segundo o pesquisador franc�s Jean-Noel Kapferer, boatos bem detalhados s�o comuns na pol�tica e, muitas vezes, eles viralizam antes que o alvo das alega��es possa responder ou se defender.
6- Apelo emocional
Parte significativa da for�a que os boatos t�m para viralizar � atribu�da � sua capacidade de gerar respostas emotivas. Segundo os pesquisadores respons�veis pelo relat�rio, o apelo emocional incentiva o compartilhamento, especialmente no ambiente online.
Qualquer tipo de emo��o pode ajudar na dissemina��o de um boato, at� mesmo o riso - segundo o estudo, o humor tamb�m incentiva o compartilhamento.
Tamb�m de acordo com os pesquisadores, boatos eleitorais que fazem acusa��es contra indiv�duos ou grupos espec�ficos (como, por exemplo, mes�rios, ju�zes, policiais ou membros de um partido pol�tico) e evocam sentimentos de raiva ou desgosto t�m o potencial de se espalhar amplamente entre pessoas que compartilham determinadas identidades demogr�ficas ou pol�ticas.
7- Novidade
Outro fator chave � a novidade: quanto mais nova e inusitada a informa��o, maiores s�o as chances dela se espalhar de forma maci�a e veloz.
Pesquisas recentes mostram, inclusive, que not�cias falsas se disseminam mais e mais r�pido do que not�cias verdadeiras, em parte, devido a suas qualidades "sensacionais".
Especialistas teorizam que a explica��o para essa tend�ncia pode estar nos ganhos sociais e de reputa��o associados ao compartilhamento de informa��es novas e valiosas.
O relat�rio admite que os fatores novidade e familiaridade podem parecer conflitantes entre si. No entanto, explica que os boatos com maior potencial de dissemina��o ter�o tanto elementos familiares que j� deram certo no passado quanto componentes novos.

8- Potencial participativo
Segundo o estudo, boatos s�o participativos, especialmente aqueles relacionados � pol�tica. E quanto mais possibilidade de envolvimento, maiores as chances de a narrativa se espalhar.
E compartilh�-los � apenas uma maneira de participar: fazer acr�scimos, dar novas interpreta��es � hist�ria ou resumir os fatos s�o outras formas.
9- Redes de contato
Boatos se espalham atrav�s de redes de contatos, tanto online quanto offline - e a estrutura dessas redes determina sua capacidade de dissemina��o.
Hist�rias que come�am em contas com poucos seguidores nas redes sociais, por exemplo, podem ter mais dificuldade de viralizar do que aquelas compartilhadas por pessoas de influ�ncia, como pol�ticos, jornalistas, celebridades e influencers.
Mas segundo os especialistas, mesmo os boatos que surgem em comunidades ou contas pequenas podem ganhar tra��o ao serem compartilhados posteriormente por um agente influente.
Al�m disso, as hist�rias podem obter for�a adicional quando pulam de uma comunidade para outra, seja em um contexto online ou offline.
10- Manipula��o das redes sociais
O �ltimo fator destacado pela an�lise s�o as estrat�gias de dissemina��o de boatos, tais como o uso dos algoritmos das redes sociais e a cria��o de bots, que por vezes manipulam o processo natural de difus�o.
Embora as empresas de redes sociais se esforcem para resolver algumas dessas vulnerabilidades, ainda existem muitas t�cnicas usadas para ampliar a tra��o e viralizar postagens espec�ficas.
Os pesquisadores ressaltam ainda que boatos produzidos ou captados de forma oportunista por atores que empregam essas t�cnicas (ou se beneficiam do uso delas para construir grandes redes se seguidores) provavelmente se disseminar�o mais rapidamente.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63421906