
Com a derrota nas elei��es do domingo (30/10) e a consequente perda do cargo em 1º de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro perder� tamb�m o foro privilegiado, ou seja, passa a responder a processos na Justi�a comum.
Como presidente, Bolsonaro tem direito ao foro especial por prerrogativa de fun��o, popularmente conhecido como foro privilegiado, o que garante que ele s� pode ser alvo de investiga��es criminais com autoriza��o do STF (Supremo Tribunal Federal).
Al�m disso, somente a PGR (Procuradoria-Geral da Rep�blica) pode oferecer den�ncia contra o presidente na Justi�a e, para que a den�ncia seja aceita, ela precisa ser autorizada pela C�mara dos Deputados.
S� ent�o o presidente poderia ser julgado - pelo STF - e a consequ�ncia de uma condena��o seria, al�m da pena correspondente ao crime, a perda do cargo.Isso vale para os crimes comuns cometidos durante o tempo que esteve no cargo. Crimes de responsabilidade (que somente um presidente pode cometer), cuja consequ�ncia � um impeachment, t�m um procedimento diferente, com julgamento exclusivo pelo Congresso.
Atualmente, h� quatro inqu�ritos autorizados pelo STF em que o presidente � investigado por suspeitas de diferentes crimes. Bolsonaro tamb�m enfrenta as acusa��es de crimes feitas pela CPI da Covid, que est�o em apura��o pela PGR.
No entanto, a partir do momento em que deixar a Presid�ncia da Rep�blica, Bolsonaro passa a responder por todas essas suspeitas na Justi�a Comum. Ou seja, a Pol�cia Federal pode continuar as investiga��es sem autoriza��o do Supremo, as apura��es que est�o sendo feitas pela PGR passam para a compet�ncia de inst�ncias inferiores do Minist�rio P�blico e os processos no TSE passam para o TRE da regi�o onde houve a suspeita.
Se o Minist�rio P�blico decidir fazer uma den�ncia contra Bolsonaro, ele ser� julgado por um juiz de primeira inst�ncia.
Bolsonaro tamb�m perde o direito de ser defendido pelo AGU (Advogado-Geral da Uni�o) e vai precisar contratar um advogado particular.
Entenda quais s�o as suspeitas de crimes pelas quais Bolsonaro pode ter que responder na Justi�a Comum a partir do dia 1º de janeiro.
Investiga��es autorizadas pelo STF
H� hoje quatro inqu�ritos em que Bolsonaro � investigado em andamento no Supremo:
- Sobre divulga��o de not�cias falsas sobre a vacina contra covid-19 (INQ 4888);
- Sobre vazamento de dados sigilosos sobre ataque ao TSE (INQ 4878);
- Inqu�rito das fake news, sobre ataques e not�cias falsas contra ministros do STF (INQ 4781);
- Sobre interfer�ncia na Pol�cia Federal (INQ 4831).
Not�cias falsas sobre a vacina contra covid-19 (inqu�rito 4888)
A divulga��o de not�cias falsas sobre a vacina contra covid-19 � um dos crimes que a CPI da Covid acusa Bolsonaro de ter cometido.
O pedido de abertura do inqu�rito foi feito ap�s o presidente ler uma not�cia falsa em uma transmiss�o ao vivo nas redes sociais feita por ele em 21 de outubro de 2021.
A not�cia falsa dizia que pessoas vacinas contra a covid no Reino Unido estavam "desenvolvendo a s�ndrome da imunodefici�ncia adquirida [aids]", o que n�o � verdade. Na mesma live, Bolsonaro citou not�cias falsas sobre uso de m�scaras.
Tanto o Facebook quanto o YouTube, plataformas nas quais Bolsonaro fazia a transmiss�o, retiraram a live do ar para evitar a dissemina��o da desinforma��o.
O caso foi investigado pela Pol�cia Federal sob supervis�o do STF. A PF concluiu que a��es de Bolsonaro se enquadram no crime de incita��o p�blica � pr�tica de crime (art. 286), j� que, segundo a PF, o discurso teve potencial de alarmar espectadores e incentiv�-los ao descumprimento de normas sanit�rias compuls�rias na �poca.

Em agosto, o ministro Alexandre de Moraes, que � relator do caso, enviou o pedido de indiciamento de Bolsonaro ao Procurador-Geral da Rep�blica, Augusto Aras. Desde ent�o o processo teve alguns andamentos, mas a PGR n�o fez den�ncia contra Bolsonaro at� o momento.
A partir do momento em que Bolsonaro perder o foro, o caso deixa de ser compet�ncia da PGR e passa para o Minist�rio P�blico Federal, que pode ent�o enviar den�ncia � Justi�a Federal.
Inclus�o no inqu�rito das fake news (inqu�rito 4781)
Em agosto de 2021, Bolsonaro foi inclu�do no chamado "inqu�rito das fake news", que tramitava no STF desde 2019. A investiga��o apura not�cias falsas, falsas comunica��es de crimes e amea�as contra os ministros do Supremo e est� ligada a um outro inqu�rito sobre atua��o de mil�cias digitais para atacar a democracia na Brasil.
A inclus�o de Bolsonaro na investiga��o aconteceu a pedido do TSE, que enviou uma not�cia crime ao STF ap�s uma transmiss�o ao vivo em que Bolsonaro divulgou not�cias falsas que questionavam a confiabilidade do processo eleitoral.
Para o ministro Alexandre de Moraes, "observou-se, como consequ�ncia das condutas do Presidente da Rep�blica, o mesmo modus operandi de divulga��o utilizado pela organiza��o criminosa investigada" no inqu�rito das fake news, "pregando discursos de �dio e contr�rios �s Institui��es, ao Estado de Direito e � Democracia".
Apesar de ter algumas decis�es divulgadas de tempos em tempos, o inqu�rito � sigiloso e tramita no STF em segredo de Justi�a.

Divulga��o de dados sigilosos sobre ataque ao TSE (inqu�rito 4878)
Bolsonaro tamb�m � investigado em um inqu�rito aberto em 2021 como um desmembramento do inqu�rito das fake news. A partir de uma not�cia-crime enviada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes determinou a abertura de uma investiga��o separada.
O inqu�rito desmembrado � sobre a divulga��o de dados de uma investiga��o sigilosa sobre ataques ao TSE. Os dados foram divulgados por Bolsonaro e pelo deputado Filipe Barros com o envolvimento do delegado da Pol�cia Federal Victor Neves Feitosa Campos.
Segundo o TSE, o objetivo do vazamento seria contribuir para um narrativa fraudulenta sobre o processo eleitoral, "atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou ind�cios, car�ter duvidoso sobre a lisura do sistema de vota��o no Brasil".
Em fevereiro, a delegada da Pol�cia Federal que comanda a investiga��o enviou um relat�rio ao Supremo com a conclus�o de que Bolsonaro cometeu crime de viola��o de sigilo funcional. Ela, no entanto, n�o poderia indiciar Bolsonaro por causa do foro privilegiado.
Em agosto, a vice-procuradora-geral da Rep�blica, Lind�ra Ara�jo, pediu o arquivamento do inqu�rito, mas o pedido foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes, que argumentou que a PGR n�o tem poder para impedir o prosseguimento de uma investiga��o policial que n�o foi requisitada pelo pr�prio �rg�o. Com a prerrogativa do foro privilegiado, � improv�vel que Bolsonaro seja denunciado por esse crime, j� que isso precisaria ser feito pela pr�pria PGR, que j� pediu o arquivamento do caso.
No entanto, ao perder o foro, Bolsonaro poderia ser indiciado pela Pol�cia Federal e denunciado � Justi�a pelo Minist�rio P�blico, respondendo pelo processo na Justi�a Comum.
Interfer�ncia indevida na Pol�cia Federal (inqu�rito 4831)
A investiga��o foi aberta ap�s den�ncias do ex-ministro de Bolsonaro (e agora senador eleito) Sergio Moro, que ao deixar o governo em 2020 afirmou que o presidente fez tentativas de interferir indevidamente na atua��o da Pol�cia Federal.
Esse caso deve ser arquivado, j� que a PGR afirmou que n�o existem provas suficientes contra Bolsonaro para imputa��o de crime e pediu o arquivamento - como somente a PGR pode denunciar o presidente, a praxe � que o STF aceite o pedido.
O inqu�rito, no entanto, ainda est� em tramita��o - e se n�o for arquivado at� janeiro, tamb�m pode passar para a compet�ncia da Justi�a Comum.
Apura��es preliminares da PGR
Al�m dos inqu�ritos no STF, Bolsonaro tamb�m tem acusa��es feitas contra ele — resultantes do relat�rio final da CPI da Covid — apuradas pela Procuradoria-Geral da Rep�blica.
No entanto, o procurador-geral da Rep�blica, Augusto Aras, � visto como aliado do presidente. Bolsonaro n�o foi denunciado pela PGR e � improv�vel que isso aconte�a em dois meses.
Na verdade, para cinco das apura��es preliminares de poss�veis crimes cometidos, a PGR j� pediu arquivamento ao STF: acusa��o de ter causado epidemia com resultado morte (por suspeita de propagar o v�rus), de ter praticado charlatanismo (devido ao incentivo de uso de medicamentos sem efic�cia), ter cometido infra��o de medida sanit�ria preventiva (por realizar aglomera��es e n�o usar m�scara), ter feito uso irregular de verbas p�blicas (por uso de recursos p�blicos na compra de medicamentos ineficazes) e ter cometido prevarica��o (por supostamente n�o ter mandado investigar den�ncias de corrup��o na compra de vacinas).
Com o arquivamento, ela podem ser reabertas pelo Minist�rio P�blico somente se houver novas provas.
J� as apura��es que n�o forem arquivadas podem se tornar investiga��es da Pol�cia Federal ou do MP. Atualmente, h� duas em andamento: uma sobre incita��o ao crime (por incentivar aglomera��o e o n�o uso de m�scara) e outra sobre falsica��o de documento particular (por ter apresentado uma falsifica��o como sendo um documento oficial do Tribunal de Contas da Uni�o que provaria haver um excesso na contabiliza��o de mortes por covid-19).
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63435412