
Inconformados com a elei��o de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) como pr�ximo presidente do Brasil, parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) tem divulgado alega��es de fraudes nas urnas brasileiras. Essas acusa��es, por�m, est�o sendo contestadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e especialistas em seguran�a do voto.
Outra informa��o falsa que circula nas redes sociais para levantar suspeitas de fraudes � de que haveria cidades em que o petista obteve 100% dos votos v�lidos. Na verdade, existem apenas 143 se��es eleitorais em que isso ocorreu, o que representa menos de 0,03% das 496.512 se��es do pa�s. J� Bolsonaro obteve todos os votos v�lidos de quatro zonas eleitorais (menos de 0,001% do total).
- O que esperar da pol�tica externa do governo Lula
- Na sa�de, Lula ter� desafios como vacina��o baixa e mortalidade materna em alta
H� ainda acusa��es de se��es eleitorais que teriam "sumido" do sistema da Justi�a Eleitoral, num suposto ind�cio de que votos n�o teriam sido computados. No entanto, o TSE esclareceu que isso ocorreu no caso de se��es pequenas, que foram unificadas com outras para "racionalizar" o processo de vota��o, sem preju�zo para o exerc�cio do voto.
Entenda melhor a seguir cada uma dessas alega��es de fraudes e as explica��es que contestam essas acusa��es.
1) Suposta transfer�ncia de votos de Lula para Bolsonaro
O v�deo com falsas alega��es de fraude sobre a elei��o brasileira do influenciador argentino Fernando Cerimedo foi retirado do ar ap�s alcan�ar mais de 400 mil visualiza��es no YouTube.
Na grava��o, Cerimedo dizia ter recebido um dossi� com uma s�rie de alega��es de fraudes na elei��o de Lula, sem revelar quais seriam os autores de tal documento.
A principal acusa��o � de que teria ocorrido a transfer�ncia de milh�es votos de Bolsonaro para Lula em urnas antigas que n�o teriam sido auditadas pelo TSE.
A vota��o brasileira conta com urnas eletr�nicas de diferentes anos, j� que regulamente h� a reposi��o de parte das m�quinas antigas por unidades novas.
Na grava��o, Cerimedo alega que apenas as urnas de 2020 teriam sido auditadas. Segundo ele, uma an�lise do resultado das se��es eleitorais no Nordeste indicaria que Lula obteve proporcionalmente mais votos naquelas que usaram modelos de urnas anteriores a 2020.
Ou seja, ele diz que as urnas antigas n�o foram "auditadas" e teriam algum tipo de dispositivo que transferiu artificialmente para Lula votos que foram dados a Bolsonaro pelos eleitores.
No entanto, o argumento de que apenas as urnas de 2020 seriam "auditadas" � falso.
"N�o � verdade que os modelos anteriores das urnas eletr�nicas n�o passaram por procedimentos de auditoria e fiscaliza��o. Os equipamentos antigos j� est�o em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Elei��es 2018. Nesse per�odo, esses modelos de urna j� foram submetidos a diversas an�lises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edi��es do Teste P�blico de Seguran�a (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021)", informou o TSE por meio de nota.
"As urnas eletr�nicas modelo 2020 que ainda n�o estavam prontas no per�odo de realiza��o do Teste P�blico de Seguran�a 2021 foram testadas pelo Laborat�rio de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Polit�cnica da Universidade de S�o Paulo (EP-USP), al�m de ter o conjunto de softwares avaliado tamb�m pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nas tr�s avalia��es, n�o foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo ind�cio de vulnerabilidade", diz ainda a nota da Corte Eleitoral.
� BBC News Brasil, o professor Marcos Simpl�cio, do Departamento de Engenharia de Computa��o e Sistemas Digitais da Poli-USP, confirma as informa��es do TSE.
Simpl�cio � um dos coordenadores de uma equipe da USP que participa desde 2021 dos testes de seguran�a das urnas. Ele tamb�m atuou individualmente na Auditoria Especial no Sistema Eleitoral Brasileiro realizada em 2015 a pedido do PSDB, ap�s o candidato tucano A�cio Neves ser derrotado no pleito de 2014 por Dilma Rousseff (PT).
"Eu n�o sei de onde ele tirou a informa��o que a 2020 foi testada e as anteriores n�o", questiona Simpl�cio.
O TSE ressaltou ainda que todas as urnas eletr�nicas, independentemente do seu ano de produ��o, rodam o mesmo software. Ou seja, um �nico programa � usado para registrar os votos em todas elas.
Esse programa ficou aberto por um ano para ser analisado por entidades fiscalizadoras. E, antes desse software ser inserido nas m�quinas, houve uma cerim�nia p�blica de assinatura digital e lacra��o.
Esses dois procedimentos de seguran�a foram acompanhados por entidades externas como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as For�as Armadas.

A assinatura digital permite averiguar que o programa n�o foi modificado, seja intencionalmente ou por alguma falha. J� a lacra��o dos sistemas consiste na grava��o dos programas assinados em m�dia n�o regrav�vel. Essa m�dia fica armazenada em envelope assinado fisicamente e guardado na sala-cofre do TSE.
Depois, c�pias dos programas lacrados foram distribu�das aos Tribunais Regionais Eleitorais para serem inseridas nas urnas eletr�nicas.
2) Suposta exist�ncia de dois programas nas urnas
Outra alega��o falsa levantada pelo influenciador argentino � que haveria dois softwares, ou seja, dois programas diferentes rodando nas urnas eletr�nicas.
Segundo Cerimedo, essa � a �nica conclus�o poss�vel ao se identificar que h� dois logs (registros do que ocorre na m�quina) diferentes nas urnas.
A afirma��o � contestada por Marcos Simpl�cio e pela equipe da USP que tem acesso ao c�digo-fonte da urna eletr�nica.
Segundo o professor, log � o registro de tudo que ocorre na urna eletr�nica, produzido pelo pr�prio software da m�quina. Ap�s o influencer argentino levantar a teoria de que haveria dois programas na urna, a equipe de Simpl�cio verificou o c�digo-fonte do software de vota��o e identificou que o mesmo software pode gerar dois logs diferentes a depender de como ocorre a carga do programa nas urnas.
Por exemplo, se o servidor da Justi�a Eleitoral digita uma n�mero errado no momento de inserir a senha para a carga do software e, por isso, precisa apertar a tecla "corrige" para reiniciar o procedimento, isso gera um log diferente do que o log padr�o, que � registrado quando a carga � feita corretamente na primeira tentativa.
Segundo Simpl�cio, a hip�tese de que os dois logs seriam resultado da exist�ncia de dois softwares na urna n�o � inv�lida, mas o argentino erra ao cravar que essa seria a �nica explica��o poss�vel para os dois logs.
"A gente (a equipe da USP) verificou no c�digo que a recebemos do TSE e, n�o, n�o s�o dois softwares distintos", afirmou.

3) Urnas sem votos para Bolsonaro
O fato de algumas dezenas de urnas em todo o pa�s terem registrado apenas votos para Lula tamb�m est� sendo usado para levantar d�vidas sobre a integridade da elei��o.
Circula nas redes sociais uma suposta lista de cidades que teriam votado apenas no petista. Essa lista vem acompanhada de um pedido para que eleitores de Bolsonaro dessas cidades se manifestem publicamente, mostrando que a aus�ncia de votos para o presidente nesses locais seria uma fraude.
No entanto, � falso que existam cidades em que 100% dos votos foram para o presidente eleito. O que existem s�o algumas se��es eleitorais espalhadas por diferentes munic�pios em que apenas Lula ou apenas Bolsonaro receberam votos no segundo turno.
A partir dos dados oficias do TSE, um levantamento da ag�ncia Tatu, especializada em jornalismo de dados, identificou que Lula obteve 100% dos votos v�lidos em 143 urnas, enquanto o mesmo ocorreu com Bolsonaro em quatro urnas.
Isso geralmente aconteceu em comunidades em que os eleitores t�m uma vis�o muito coesa. Por exemplo, o petista foi escolhido de forma un�nime entre eleitores de algumas comunidades ind�genas, enquanto Bolsonaro recebeu todos os votos v�lidos de eleitores brasileiros registrados para votar em Caracas, capital da Venezuela.
Um caso que gerou especial aten��o nas redes sociais bolsonaristas foi o da se��o eleitoral 158 do munic�pio de Confressa, no Mato Grosso, em que houve 384 votos para Lula, um voto nulo e nenhum voto para Bolsonaro.
Para apoiadores do presidente, seria imposs�vel tal resultado, j� que o Estado de Mato Grosso votou predominantemente em Bolsonaro. Na cidade de Confressa como um todo, ali�s, o presidente venceu com 69,8% dos votos.
A se��o 158, por�m, fica dentro da comunidade ind�gena Apy�wa, conhecida tamb�m como povo Tapirap�. � BBC News Brasil, o cacique da comunidade, Elber Ware'i, disse que o povo Apy�wa se reuniu, analisou as propostas de Lula e decidiu que ela era o melhor candidato para seu povo.
"Visto que a proposta da campanha do presidente eleito foi voltada em atender a quest�o social, especialmente no atendimento da popula��o que mais necessitam de apoio de governo federal como Quilombolas, Ribeirinhos, Extrativistas e principalmente os povos ind�genas", explicou por mensagem de WhatsApp.
"A pol�tica de combate ao desmatamento, a continuidade da educa��o escolar Ind�gena de qualidade, sa�de de boa qualidade nas aldeias... Tudo isso fez com que o povo Apy�wa, votasse em 100% no candidato eleito", disse ainda na mensagem.
Al�m de as dezenas de sess�es em que houve votos para apenas um candidato n�o representarem qualquer fraude, elas tamb�m somam menos de 0,02% do total de votos computados no segundo turno. Ou seja, apenas esses votos isoladamente n�o interferem no resultado da elei��o.
4) A se��o que "desapareceu" em Minas Gerais
Tamb�m causou indigna��o entre bolsonaristas o suposto sumi�o de se��es eleitorais do sistema do TSE. Um eleitor de Minas Gerais, por exemplo, gravou um v�deo indignado com esse problema.
Na grava��o, ele mostra seu comprovante de vota��o na se��o 292 da cidade de Passos. Depois, o v�deo exibe a consulta ao resultado das urnas no portal do TSE. No entanto, o eleitor n�o localiza na zona eleitoral de Passos a se��o 292, j� que a lista de se��es passa direto da 291 para a 293.
"A minha se��o do comprovante (de vota��o) tem o mesmo dado do meu t�tulo (de eleitor), onde eu votei. Por que a minha se��o n�o est� aqui contabilizada? E diz que todas foram totalizadas, 100% das urnas. Por que que a minha n�o est� aqui? O que aconteceu e pra onde foi meu voto?", questiona.
"A gente consegue ver que n�o foi s� com uma (se��o eleitoral). Da 0183 vai pra 0185, n�o tem uma sequ�ncia. Pularam a minha e pularam outras. Muitas pessoas est�o dizendo que n�o est�o encontrando as suas se��es e n�o houve nenhuma mudan�a na zona de vota��o", refor�a o autor do v�deo.
Questionado pela BBC News Brasil, o TSE explicou que algumas se��es eleitorais foram agregadas a outras, um procedimento que � permitido pela resolu��o 23.669 da Corte "visando � racionaliza��o dos trabalhos eleitorais, desde que n�o importe preju�zo ao exerc�cio do voto".
� por esse motivo que a se��o 292 de Passos n�o aparece no sistema de consulta aos resultados das urnas. Isso, por�m, n�o significa que os votos n�o foram computados.
Uma planilha dispon�vel no portal da Corte permite consultar as mais de 24 mil se��es que foram agregadas a outras nesta elei��o. Em Passos, por exemplo, isso ocorreu com 34 se��es, sendo que a 292 de passos foi agregada � 316.
Dessa forma, houve apenas uma urna para essas duas se��es e os votos apurados foram registrados no portal do TSE todos na se��o 316 de Passos. A consulta ao portal mostra que 138 compareceram para votar nessas duas se��es agregadas, sendo que Lula obteve 99 votos e Bolsonaro recebeu 34. Houve ainda tr�s votos nulos e dois em branco.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63566783