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O que gest�o Haddad em SP indica para atua��o no Minist�rio Fazenda

Renegocia��o da d�vida do munic�pio e protestos de junho de 2013 est�o entre os marcos da passagem do petista pela prefeitura paulistana


27/12/2022 06:51 - atualizado 27/12/2022 07:24


Fernando Haddad
Renegocia��o da d�vida do munic�pio e protestos de junho de 2013 est�o entre os marcos da passagem do petista pela prefeitura paulistana (foto: AFP)

"Respons�vel formalmente pela condu��o da pol�tica econ�mica e pela dire��o dos bancos estatais, o ministro da Fazenda exerce, na pr�tica, a lideran�a de um primeiro-ministro. Com a peculiaridade de precisar de apenas um voto, o do presidente."

"Nenhum presidente de empresa privada acumula tanto poder, controla tantos destinos, atrai tanta inveja. Nenhum outro posto da administra��o p�blica sofre tanta press�o, recebe tanto escrut�nio, � alvo de tantos ataques. Nenhum emprego tem, simultaneamente, tamanha for�a e fragilidade. � o pior emprego do mundo."

Assim o jornalista e analista pol�tico Thomas Traumann definiu, em seu livro O Pior Emprego do Mundo, o cargo que ser� ocupado a partir de janeiro por Fernando Haddad.

Formado em direito, mestre em economia e doutor em filosofia, Haddad foi ministro da Educa��o de 2005 a 2012 e prefeito de S�o Paulo entre 2013 e 2016. Concorreu � reelei��o para prefeito em 2016, � presid�ncia da Rep�blica em 2018 e ao governo de S�o Paulo em 2022, sendo derrotado nas tr�s tentativas.

Sua passagem pela prefeitura paulistana � igualmente marcada por altos e baixos: por um lado, renegociou a d�vida do munic�pio, levando S�o Paulo a obter o chamado grau de investimento (um selo de bom pagador atribu�do por ag�ncias de risco), e realizou investimentos recordes, gra�as ao saneamento das contas p�blicas.

Por outro, era o prefeito quando explodiram as manifesta��es de junho de 2013 contra o aumento das tarifas de �nibus, cujas repercuss�es derrubariam sua aprova��o e de toda a classe pol�tica, e mudariam os rumos do pa�s nos anos seguintes.

Entenda como a gest�o Haddad na prefeitura de S�o Paulo d� pistas sobre o que pode vir pela frente em sua atua��o no Minist�rio da Fazenda.

Renegocia��o da d�vida do munic�pio e grau de investimento

Uma das tarefas mais espinhosas de Haddad na Fazenda ser� definir uma nova regra fiscal para substituir o teto de gastos — regra aprovada em 2016, durante o governo Michel Temer (MDB), que limita o crescimento da despesa federal � varia��o da infla��o no ano anterior.

Segundo economistas, � preciso que a nova regra seja cr�vel (isto �, que possa de fato ser cumprida, diferentemente do teto de gastos, que acabou sendo "furado" diversas vezes desde sua cria��o) e indique uma trajet�ria sustent�vel para a d�vida p�blica.

Segundo a IFI (Institui��o Fiscal Independente) do Senado Federal, a d�vida bruta brasileira deve encerrar 2022 em 76,6% do PIB (Produto Interno Bruto), e pode superar 95% em 2031 sem uma limita��o das despesas.

Quanto mais alta a d�vida p�blica, maior o volume de juros da economia e mais dif�cil para o pa�s crescer e gerar empregos.

Para tentar convencer o mercado financeiro de que est� cacifado para essa tarefa e que tem um hist�rico de responsabilidade fiscal, Haddad tem citado sempre a renegocia��o de d�vida que realizou em S�o Paulo e que levou o munic�pio a conquistar o grau de investimento pela ag�ncia de risco Fitch.

"O munic�pio [de S�o Paulo] tinha uma situa��o de endividamento muito complexa, fora dos limites definidos pelo Senado Federal", lembra Rog�rio Ceron, ex-secret�rio de Finan�as da gest�o Haddad em S�o Paulo e futuro secret�rio do Tesouro Nacional no Minist�rio da Fazenda, conforme anunciado pelo petista pouco antes do Natal.

Segundo Ceron, a d�vida � �poca era equivalente a mais de 2 vezes a receita do munic�pio, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelecia um limite de 1,2 vez.


Rogério Ceron
Rog�rio Ceron, ex-secret�rio de Finan�as da gest�o Haddad em S�o Paulo, ser� secret�rio do Tesouro Nacional no Minist�rio da Fazenda (foto: Minist�rio da Economia)

"O principal problema desse endividamento era o contrato de renegocia��o de d�vida com a Uni�o", explica o gestor p�blico. A d�vida era ent�o corrigida pelo IGP-DI, um �ndice de infla��o que sofre muito efeito da varia��o de pre�os das commodities, mais juros de 9%. "Isso foi fazendo com que a d�vida crescesse exponencialmente e era algo insol�vel", diz Ceron.

Haddad negociou a mudan�a dessa regra, com a d�vida de Estados e munic�pios passando a ser corrigida pelo IPCA (�ndice de infla��o oficial do pa�s) mais juros de 4% ou a Selic, o que fosse menor.

"Isso reduziu brutalmente o saldo devedor, que caiu de R$ 74 bilh�es para menos de R$ 30 bilh�es. Agora era poss�vel ver o final dessa d�vida e come�ou um processo de redu��o dos pagamentos, o que foi gerando um al�vio fiscal crescente ao longo dos anos", diz Ceron.

Como essa renegocia��o foi conclu�da ao fim de 2015, Haddad pouco se beneficiou da mudan�a em seu pr�prio governo. Mas a renegocia��o contribuiu para a atual situa��o confort�vel das contas p�blicas de S�o Paulo, reconhecida at� mesmo por seus sucessores.

Como o mercado l� esse epis�dio

Para Benito Salom�o, economista especialista em pol�tica fiscal, � fato que Haddad fez uma gest�o fiscalmente respons�vel � frente da prefeitura de S�o Paulo.

"A preocupa��o n�o � com o Haddad, � que a mem�ria dos governos Dilma ainda � muito recente na cabe�a dos brasileiros, do setor produtivo e do setor financeiro. E a ret�rica que o presidente Lula adotou na transi��o n�o foi uma ret�rica 'market friendly', amig�vel ao ambiente de neg�cios que o Brasil precisa construir", diz Salom�o.


Lula, Dilma e Haddad durante evento em março de 2020 na Prefeitura de Paris, em que Lula recebeu o título de cidadão honorário da capital francesa
'A preocupa��o n�o � com Haddad, � que a mem�ria dos governos Dilma ainda � muito recente', diz Benito Salom�o (foto: Getty Images)

"Ent�o o principal problema que recai sobre Haddad n�o � a forma��o conceitual dele, mas se ele tem condi��es de se contrapor ao Lula", afirma.

"Vamos voltar para o padr�o de pol�tica econ�mica dos anos 2010 [era Dilma] ou aquele do final dos anos 1990 e come�o dos anos 2000 [governos FHC e Lula, quando vigorou o trip� macroecon�mico de c�mbio flutuante, metas fiscais e meta de infla��o]? Essa sinaliza��o n�o est� clara", avalia o economista.

Para Rafael Cortez, cientista pol�tico e s�cio da Tend�ncias Consultoria, h� ainda outro motivo para o mercado financeiro n�o se deixar impressionar pela gest�o fiscal de Haddad na prefeitura paulistana.

"A redu��o da d�vida municipal, muito embora tenha gerado efeito importante para o caixa da prefeitura, n�o foi fruto de uma gest�o fiscalista ou de corte de gastos", observa. "Foi basicamente uma negocia��o pol�tica em torno de uma mudan�a de legisla��o, que, ao trocar o indexador da d�vida, diminuiu o estoque [de d�vida] de forma consider�vel."

Da prefeitura � Fazenda

Rog�rio Ceron, futuro secret�rio do Tesouro e secret�rio de Finan�as da gest�o Haddad � �poca da renegocia��o da d�vida, rebate as cr�ticas.

"Essa quest�o da d�vida tem que se olhar pelo prisma da preocupa��o dele [Haddad] de longo prazo com a solv�ncia do ente federativo [o munic�pio]. Ele tinha uma preocupa��o leg�tima com o longo prazo, mesmo sabendo que n�o seria o maior benefici�rio dessa redu��o [do endividamento]. Isso faz muita diferen�a, ele � um estadista neste sentido", defende.

Ceron cita ainda outras medidas tomadas por Haddad para o equil�brio fiscal de S�o Paulo, que podem dar pistas do que vem pela frente na Fazenda.

Ele lembra, por exemplo, que o come�o do governo Haddad foi marcado por uma profunda revis�o de contratos da prefeitura, com um "pente-fino" nas despesas que pode ser replicado em n�vel federal.


Fernando Haddad pedalando em ciclovia durante sua gestão na Prefeitura de São Paulo
Haddad � mais lembrado pelas ciclovias, mas obteve melhoras importantes nas contas p�blicas da Prefeitura de S�o Paulo (foto: Divulga��o PT)

Tamb�m cita que Haddad realizou diversas reformas na gest�o tribut�ria para inibir sonega��o e reduzir o estoque de cr�ditos tribut�rios. E regulamentou de forma pioneira os aplicativos de transporte individual, o que passou a arrecadar milh�es anualmente para o munic�pio.

Ainda no �mbito tribut�rio, Ceron cita o aumento da arrecada��o fruto de revis�o feita no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). E quanto � arrecada��o maior atrav�s de multas — Haddad chegou a ser acusado de criar uma "ind�stria da multa" no munic�pio — o futuro secret�rio do Tesouro argumenta que foi fruto de melhoria no processo de fiscaliza��o.

"Tudo isso ajudou a elevar a capacidade de investimento, tanto que ele conseguiu entregar as finan�as equilibradas e realizar o maior ciclo de investimento em d�cadas", diz Ceron — em agosto de 2022, o Estad�o Verifica checou a afirma��o de que o investimento foi recorde durante a gest�o de Haddad na prefeitura, e confirmou a informa��o como verdadeira.

Investimento federal, concess�es e PPPs

A retomada do investimento federal ser� outro desafio para Haddad � frente da Fazenda.

Entre 2016 e 2020, ap�s a crise econ�mica e a aprova��o da regra do teto de gastos, o investimento no pa�s caiu abaixo do necess�rio para repor a deprecia��o do estoque de capital existente.

Apenas a partir de 2021, o investimento voltou a crescer, puxado pelo setor privado, tend�ncia que se manteve em 2022.


Gráfico de linhas mostra evolução do investimento e da depreciação do estoque de capital
Entre 2016 e 2020, o investimento no pa�s caiu abaixo do necess�rio para repor a deprecia��o do estoque de capital existente (foto: IPEA)

O futuro ministro da Fazenda tem defendido as concess�es e PPPs (parcerias p�blico-privadas) como um caminho para fortalecer os investimentos, em meio ao estrangulamento do or�amento p�blico, pressionado por despesas obrigat�rias crescentes.

A escolha do ex-presidente do Banco Fator, Gabriel Gal�polo, para secret�rio-executivo do Minist�rio da Fazenda (cargo que � considerado o n�mero dois da pasta), teria por objetivo destravar as PPPs.

Ceron, que antes de aceitar a secretaria do Tesouro, estava no cargo de diretor-presidente da S�o Paulo Parcerias, companhia respons�vel pela estrutura��o de concess�es, PPPs e venda de ativos na Prefeitura de S�o Paulo, tamb�m � um entusiasta desse caminho, refor�ando o hist�rico de Haddad com as parcerias p�blico-privadas.

"Haddad foi o l�der da elabora��o da lei de PPPs [em 2003, no Minist�rio do Planejamento, a convite de Guido Mantega] e na gest�o dele na prefeitura se iniciou a estrutura��o e licita��o da PPP de ilumina��o p�blica, que foi a primeira do tipo no Brasil e hoje � o carro-chefe das PPPs em �mbito municipal", defende o gestor.


Gabriel Galípolo
Ex-presidente do Banco Fator, Gabriel Gal�polo ser� secret�rio-executivo do Minist�rio da Fazenda, com a expectativa de destravar concess�es e parcerias p�blico-privadas (foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag�ncia Brasil)

Para o especialista em pol�tica fiscal Benito Salom�o, o caminho das concess�es e PPPs � correto para alavancar o investimento, mas precisa ser acompanhado da retomada das reformas para cortes de despesas obrigat�rias, de forma a abrir espa�o para o investimento no Or�amento federal.

"O investimento p�blico � um dos principais problemas fiscais que o pa�s precisa enfrentar", diz Salom�o.

"Hoje, a despesa obrigat�ria da Uni�o representa cerca de 92% do Or�amento. N�o sobra recurso para investir — a PEC de Transi��o � um sintoma desse tipo de problema", observa, citando a Proposta de Emenda � Constitui��o aprovada na C�mara e no Senado em meados de dezembro, para ampliar o teto de gastos em R$ 145 bilh�es no pr�ximo ano, viabilizando o Bolsa Fam�lia de R$ 600 no in�cio do governo Lula. O texto tamb�m autoriza R$ 23 bilh�es em investimentos fora da regra fiscal.

"Ent�o precisamos saber quais ser�o os cuidados a serem tomados para que as despesas obrigat�rias n�o continuem achatando o investimento p�blico no Or�amento."

Junho de 2013 e janeiro de 2023

Mesmo com investimentos recordes, saneamento das contas p�blicas e a conquista do grau de investimento pelo munic�pio, Haddad n�o conseguiu se reeleger prefeito em 2016. Para Rafael Cortez, da Tend�ncias, isso se deve em grande medida aos efeitos de junho de 2013.

Haddad foi eleito em 2012 ainda num per�odo de crescimento econ�mico e otimismo, com a promessa de investimentos ambiciosos no munic�pio, que seriam facilitados pela parceria entre prefeitura e governo federal, ambos sob gest�es petistas.

Mas logo em seu primeiro m�s � frente da prefeitura, foi ele o solicitado a ajudar o governo federal, adiando o reajuste das tarifas de �nibus da capital paulista de janeiro para junho, a pedido do ent�o ministro da Fazenda Guido Mantega, com o objetivo de conter a infla��o.

Em vez de acontecer num m�s de f�rias escolares, o reajuste foi feito em pleno ano letivo, gerando uma forte mobiliza��o contr�ria, que catalisaria outros descontentamentos, na maior onda de protestos vista no pa�s no per�odo recente.


Protesto de junho de 2013 em Brasília, quando manifestantes ocuparam a cobertura do Congresso Nacional
Protestos de junho de 2013 come�aram em S�o Paulo, contra o aumento da tarifa de �nibus, e se espalharam por todo o Brasil (foto: Ag�ncia Brasil)

Para Benito Salom�o, o epis�dio remonta a um padr�o de pol�tica econ�mica que precisa ser evitado no novo governo: o do controle artificial da infla��o atrav�s de interven��es do Estado na economia — algo adotado tamb�m por Jair Bolsonaro (PL) em sua tentativa de reelei��o.

"Esse � o tipo de padr�o de pol�tica econ�mica que o Brasil precisa evitar. N�o se controla pre�os represando pre�os administrados [aqueles controlados pelo poder p�blico, como tarifas de �nibus, contas de luz, pre�os dos combust�veis etc]", diz Salom�o.

"Isso partiu de uma concep��o absolutamente equivocada do problema da infla��o dos anos 2010 e do avizinhamento das elei��es [de 2014]. Muito parecido com o que Bolsonaro fez agora com o ICMS de combust�veis. Ent�o esse � um tipo de padr�o de pol�tica econ�mica que o ministro Haddad precisa evitar. E � sobre esse tipo de medida que recai a desconfian�a."

Para Rafael Cortez, o epis�dio de 2013, em que Haddad prejudicou o pr�prio mandato na prefeitura para atender a uma demanda do governo federal, ajuda a explicar a escolha do ex-prefeito para o cargo de ministro da Fazenda.

"A escolha do Haddad por parte do presidente eleito tem menos a ver com o pensamento econ�mico dele e mais com atributos pol�ticos", avalia Cortez.

"O primeiro desse atributos � a conex�o pessoal e a rela��o de confian�a entre o presidente e o ministro da Fazenda. Isso parece central ao presidente Lula neste momento, num in�cio de mandato marcado por limita��o do capital pol�tico [de Lula] e por uma realidade diferente daquela de 2003, com uma rejei��o mais alta, fruto das administra��es petistas anteriores e do processo de polariza��o e radicaliza��o pol�tica."

O segundo atributo, segundo o cientista pol�tico, � a expectativa de que Haddad seja capaz de tocar as negocia��es com Congresso e mercado, o processo de vender a agenda que o governo ir� tentar implementar, seja para os agentes econ�micos ou no �mbito parlamentar.


Haddad observa Lula bebendo água durante evento na COP27, no Egito, em novembro de 2022
Escolha de Haddad para a Fazenda tem menos a ver com pensamento econ�mico do ex-prefeito e mais com rela��o de confian�a entre Lula e o futuro ministro, diz Rafael Cortez (foto: AFP)

Ao mesmo tempo, 2013 refor�a a d�vida sobre se Haddad ser� capaz de se contrapor a Lula, avalia o analista.

"De alguma forma, esse problema vai retornar agora em 2023. Uma boa parte do desempenho do Haddad pode ser comprometida por decis�es que est�o para al�m do seu controle. Que t�m a ver com a maneira como o presidente vai tocar os diferentes interesses em pauta", diz Cortez.

"N�o me parece que o Haddad deva ser visto como o nome que vai se contrapor a eventuais decis�es do presidente Lula. At� porque, sua escolha se deve justamente a essa sintonia."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64082725


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