
Os olhos ardidos assistiam incr�dulos � destrui��o daqueles espa�os que muitos dos servidores e funcion�rios das sedes dos Tr�s Poderes consideram uma segunda casa — e, por vezes, at� a primeira. Depois da tempestade, n�o veio a calmaria, mas a recupera��o, pelas m�os de trabalhadores imbu�dos do senso de responsabilidade e respeito pelo bem p�blico, que segue a todo o vapor.
O diretor-executivo de Gest�o do Senado Federal, M�rcio Tancredi, exercia no dia 8 a fun��o de diretor-geral da Casa. Ao ser informado sobre a situa��o, seguiu para o Congresso pouco antes das 15h, a tempo de assistir, de longe, a invas�o ao Pal�cio do Planalto. No Senado, a Pol�cia Legislativa ainda mantinha uma primeira barreira entre os tapetes azul e verde. “As pessoas pareciam alucinadas, se jogavam contra o vidro, jogavam coisas sobre o vidro… Me deu a impress�o de que eu estava num momento de como��o p�blica total”, detalha Tancredi.
Em posi��o de defesa e vestindo roupa de choque, os policiais conseguiram segurar a invas�o por cerca de uma hora. Com esferas de a�o lan�adas por estilingues, os v�ndalos conseguiram quebraram a maior parte das vidra�as e avan�aram para dentro da Casa Legislativa.
“N�s n�o temos uma pol�cia de choque, embora tenhamos o equipamento, esta n�o � a voca��o da Pol�cia do Senado”, refor�a Tancredi, que exalta o esfor�o dos servidores em conter os criminosos e, mais tarde, mant�-los no plen�rio da Casa para efetuar as pris�es — foram quase 40 dentro do Senado, as primeiras feitas no dia dos ataques.
“N�s n�o temos uma pol�cia de choque, embora tenhamos o equipamento, esta n�o � a voca��o da Pol�cia do Senado”, refor�a Tancredi, que exalta o esfor�o dos servidores em conter os criminosos e, mais tarde, mant�-los no plen�rio da Casa para efetuar as pris�es — foram quase 40 dentro do Senado, as primeiras feitas no dia dos ataques.
A segunda barreira de conten��o, montada na entrada do chamado “t�nel do tempo”, durou o suficiente para que todo o edif�cio principal fosse evacuado. “A hora mais dura, para ser sincero, foi voltar. Eles tinham aberto o hidrante, tudo que havia pelo caminho tinha sido derrubado. Passar por ali era uma mistura de fuma�a de g�s que havia ficado no ambiente. O ch�o estava com uma l�mina de quatro a cinco cent�metros de �gua. O Sal�o Azul parecia uma lagoa, um p�ntano”, descreve Tancredi.
Os sentimentos que tomaram conta durante todo o processo foram mudando � medida que as horas passavam. Primeiro, uma racionalidade extrema, com foco nas solu��es poss�veis e em garantir a seguran�a das equipes. Depois, a impot�ncia diante de tamanha viol�ncia e, por �ltimo, revolta. Ele s� conseguiu dormir no dia seguinte, por volta das 3h, para se levantar poucas horas depois e come�ar uma nova linha de a��o: a reconstru��o.
Nesse momento, a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, j� estava na cidade. Ela passava f�rias com a fam�lia no Nordeste quando, ao voltar de uma caminhada na praia, viu o celular inundado de liga��es, de mensagens e de imagens da depreda��o. Pegou a estrada por mais de duas horas para chegar ao aeroporto. Por volta das 23h30 de domingo, estava na Casa avaliando os estragos. “� muito mais forte do que voc� ver pela televis�o, porque voc� sente com todos os seus sentidos ao mesmo tempo. Naquele momento eu fiquei triste, mas maior que esse sentimento de tristeza foi o de responsabilidade”, destaca.
Ilana deixou o Senado �s 5h e menos de quatro horas depois estava de volta. Todas as �reas come�aram o levantamento dos preju�zos e uma primeira grande limpeza foi organizada � medida que a Pol�cia Federal liberava os espa�os, ap�s a per�cia. �s 23h30 da segunda-feira, o primeiro relat�rio de danos estava pronto para ser entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O documento d� conta de um preju�zo pr�ximo a R$ 4 milh�es. Uma das reposi��es mais dif�ceis, segundo a diretora-geral, ser� a do tapete do Sal�o Azul, que ficou inutiliz�vel. S�o quase 2km de tapete e o tom “azul Senado” n�o existe no mercado.
Democracia fortalecida
Os esfor�os dos servidores, que come�aram com a a��o estrat�gica da Pol�cia Legislativa no in�cio dos atentados, permitiram que a delibera��o de ter�a-feira ocorresse dentro do plen�rio. “Foi a resposta simb�lica por eles tentarem nos impedir de fazer o nosso papel na democracia, que � desenvolvido preponderantemente nesse plen�rio azul, feito pelo Niemeyer”, observa a diretora-geral.
Na ter�a-feira pela manh�, quando as demandas mais urgentes haviam sido atendidas, Ilana chorou. “A� eu me dei conta do tamanho da viol�ncia que n�s hav�amos sofrido, do dano patrimonial, e da raiva que aquelas pessoas estavam, uma raiva que n�o trazia nada”, relembra. Ela, que � casada com um servidor do Senado Federal, onde trabalha h� 25 anos, considera o local, muitas vezes, sua primeira casa.
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Sentimento semelhante � relatado pela diretora em exerc�cio da Secretaria de Comunica��o Social, Luciana Rodrigues, servidora h� 25 anos. "Quando fomos fazer o reconhecimento dos estragos, o que eu vi foi de uma tristeza absoluta, uma sensa��o que v�rios servidores compartilham: de casa invadida, casa roubada. Quando voc� v� um espa�o que voc� cuida sendo depredado, violado, roubado, isso � extremamente impactante. As imagens de v�deo e fotografia n�o d�o conta de mostrar o estado em que ficou o Senado Federal", conta.
"Hoje, eu acho que, de alguma forma, acabamos saindo mais fortes, porque os servidores do Senado conseguiram mostrar nesse epis�dio algo que a gente sente, mas n�o fala, que � o amor pela institui��o", resume Ilana Trombka. V�rios servidores se dispuseram a voltar das f�rias e contribuir com a reconstru��o. Houve quem se oferecesse at� mesmo para pintar paredes. Nesse contexto, um dos trabalhos que geralmente passam invis�veis pelos corredores dos pal�cios e das sedes dos Poderes tomou propor��o monumental. As equipes de limpeza e de conserva��o est�o entre as mais elogiadas por todos os gestores.
L�der de uma delas, o encarregado de limpeza Lucimar Pereira da Silva estava de plant�o no dia 8. “� uma coisa muito triste, nunca pensei que veria o Senado naquela situa��o”, diz ele, que atua no local h� seis anos. Passado o susto, veio o momento de recuperar o que foi perdido, e o sentimento de uni�o � o que mais se fortaleceu. Todos os funcion�rios se esfor�aram para entregar o espa�o recuperado o quanto antes. "� a nossa segunda casa, e algu�m veio e destruiu."
Esfor�o para resgatar o acervo
A analista legislativa da C�mara dos Deputados Adriana Magalh�es, servidora da Casa h� 21 anos, custou a acreditar no que via na tev�. "Fiquei chocada, estarrecida. N�o s� por ser brasileira, mas por ser brasiliense, e por trabalhar na C�mara", lembra.
Na ter�a-feira seguinte aos ataques, Adriana foi ao pr�dio principal e se surpreendeu com o trabalho da equipe de limpeza. Grande parte dos estragos j� n�o era mais aparente. A escultura que se assemelha a um anjo, no Sal�o Verde, que tem espa�o em sua mem�ria afetiva, estava intacta. Ela lamenta os estragos em presentes protocolares que ficavam expostos. Lembra que levava os filhos ao local para passear e conhecer as obras. "Eram coisas lindas que a gente passava l� e ficava olhando."
A equipe de administra��o da C�mara dos Deputados trabalha na recupera��o do pr�dio e do Museu, de boa parte do acervo. A diretora de Coordena��o e Administra��o de edif�cios da Casa, Marisa Seixas Prata, diz que o comprometimento em deixar a Casa arrumada motivou os servidores. "Sem saber o que �amos encontrar, fizemos uma checagem pr�via, para n�o termos surpresas, e preparamos uma equipe de v�rios setores diferentes. Tinha serralheiro, chaveiro, vidraceiro. No dia, ficamos surpresos, mas isso nos uniu para organizar, novamente, todo o local, o que possibilitou, inclusive, a reuni�o do colegiado do Senado e da C�mara para deliberar a situa��o", diz.
Para a diretora, naquela noite, um dia ap�s o vandalismo, a C�mara dos Deputados p�de cumprir o papel de defesa da democracia. "� comovente o n�mero de colegas, servidores, que simplesmente mandaram mensagens se oferecendo para trabalhar, todos se sentiram agredidos pessoalmente", completa.
A chefe do servi�o de preserva��o, Gilcy Rodrigues, e o respons�vel pelo Museu da C�mara, Marcelo S� de Sousa, explicam que o salvamento das pe�as n�o passou por tantos problemas porque o setor tem todas as informa��es dos acervos.
Marcelo recorda o momento em que encontrou as obras danificadas. "O choque foi mitigado pelo al�vio. A Casa estava destru�da, encontramos cenas de guerra, mas esperava ver uma situa��o pior. Depois que vi uma obra de Di Cavalcanti intacta, fiquei aliviado", pontua.
Para Gilcy, a realidade � diferente. Brasiliense nata, apaixonada por Athos Bulc�o, ela conta que encontrar a azulejaria do multiartista estragada e arranhada por grade de ferro jogada trouxe tristeza. "Quando entrei e vi os danos, doeu. Como brasileira, fiquei muito chateada. Mas na hora n�o tivemos tempo de pensar. A gente queria resolver o problema", recorda.
Danos ao STF e Planalto
A Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF), o pr�dio mais atingido pelos ataques, informou que nenhum servidor falar� por enquanto. Em entrevista � jornalista Bas�lia Rodrigues, da CNN, em 13 de janeiro, o ministro decano da Corte, Gilmar Mendes, que j� havia soltado nota oficial repudiando com veem�ncia os ataques, comentou brevemente sobre a sensa��o de ver seu local de trabalho depredado.
"Eu fiquei extremamente chocado e emocionado de ver. Vivo aqui h� 20 anos, trabalhando, e convivo com o Supremo Tribunal Federal h� mais de 40 anos, ent�o a gente cria uma rela��o de amor, de amizade e de admira��o por tudo o que o Supremo representa. Foi um choque imenso para mim, para todos os colegas e acho que para toda a comunidade jur�dica. Percebemos a carga de raiva que descarregaram no Supremo ao vermos todas as est�tuas destru�das, as fotografias, as galerias", elencou o ministro, que estava de f�rias e voltou a Bras�lia ap�s os atos de vandalismo.
Em campanha oficial da Corte, a presidente, ministra Rosa Weber, garantiu que o Supremo "reconstituir� seu edif�cio-sede, patrim�nio hist�rico dos brasileiros e da humanidade, e s�mbolo do Poder Judici�rio, um dos tr�s pilares da democracia constitucional brasileira".
Os danos ao Pal�cio do Planalto tamb�m foram extensos. Diversas obras emblem�ticas acabaram atingidas pela a��o de criminosos revoltados com a elei��o do presidente Luiz In�cio Lula da Silva, entre elas As mulatas, de Di Cavalcanti. Nas redes sociais, dias depois, a primeira-dama, Janja, compartilhou v�deo em que traz depoimentos e agradece a equipe da limpeza do Pal�cio.
"Muito obrigada a toda a equipe de manuten��o do Pal�cio do Planalto, brasileiras e brasileiros dignos de serem chamados patriotas! Com o trabalho deles, a destrui��o promovida por v�ndalos sem qualquer respeito pelo nosso patrim�nio e pelo nosso pa�s j� virou coisa do passado", escreveu. O presidente tamb�m posou em foto ao lado dos funcion�rios ap�s a recupera��o do espa�o.
"Muito obrigada a toda a equipe de manuten��o do Pal�cio do Planalto, brasileiras e brasileiros dignos de serem chamados patriotas! Com o trabalho deles, a destrui��o promovida por v�ndalos sem qualquer respeito pelo nosso patrim�nio e pelo nosso pa�s j� virou coisa do passado", escreveu. O presidente tamb�m posou em foto ao lado dos funcion�rios ap�s a recupera��o do espa�o.
