O presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) faz uma visita oficial ao Uruguai nesta quarta-feira (25/1), em um clima que dever� ser diferente daquele que marcou sua passagem pela Argentina, no in�cio da semana.
Em Buenos Aires, Lula foi recebido com celebra��o pelo presidente e aliado pol�tico Alberto Fern�ndez. Em Montevid�u, no entanto, a expectativa � de que o ambiente seja um pouco mais tenso. Ap�s participar da VII reuni�o da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), o petista desembarca em solo uruguaio com a miss�o de convencer o presidente, Luiz Alberto Lacalle Pou, a desistir de um acordo de livre com�rcio com a China que vem sendo negociado h� pelo menos dois anos. Para o governo brasileiro, o acordo poderia representar a "destrui��o" do Mercosul.
Fontes do governo brasileiro ouvidas pela BBC News Brasil sob a condi��o de anonimato apontaram quais devem ser as contrapartidas que o governo brasileiro vai oferecer ao governo uruguaio para dissuadi-lo de aderir ao acordo com os chineses.
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No pacote, at� agora, est�o tr�s itens principais: a retomada de obras de infraestrutura que interligam ou beneficiam o Brasil e Uruguai - como pontes, ferrovias e hidrovias; retorno das contribui��es do Brasil para um fundo de fomento a projetos dentro do bloco; e a promessa que o Brasil n�o dever� mais fazer redu��es unilaterais de tarifas de importa��o de produtos de fora do bloco.
Uruguai, Mercosul e China
O Uruguai, assim como Brasil, Paraguai e Argentina, � um dos quatro membros fundadores do Mercosul, criado em 1991. A Venezuela foi integrada ao grupo em 2012, mas est� suspensa desde 2016 por descumprir o protocolo de ades�o. A Bol�via � um membro associado.O bloco tem como uma das suas principais regras a ado��o de uma tarifa externa comum (TEC), uma esp�cie de imposto �nico a ser cobrado nos pa�ses do grupo, ainda que haja normas prevendo exce��es.
Outra regra considerada basilar do Mercosul � a que impediria os pa�ses-membros a firmarem acordos comerciais e alfandeg�rios de forma isolada. A ideia � que a unidade do bloco n�o pode ser mantida se um dos seus membros desse condi��es comerciais mais vantajosas para um pa�s de fora do grupo.
� neste ponto que reside a principal controv�rsia do grupo atualmente. Desde pelo menos 2021, o governo uruguaio comandado pelo pol�tico da direita tradicional do pa�s, Lacalle Pou, negocia com a China a assinatura de um acordo de livre-com�rcio.

Na pr�tica, produtos chineses poderiam entrar no Uruguai pagando taxas de importa��o menores que as praticadas dentro do Mercosul, o que poderia prejudicar o funcionamento do bloco.
Nos �ltimos anos, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Brasil evitou criticar publicamente a postura uruguaia. Em novembro do ano passado, por�m, em uma nota conjunta, Brasil, Paraguai e Argentina anunciaram que tomariam as medidas jur�dicas cab�veis caso o acordo avan�asse.
Com a mudan�a de gest�o neste ano, a diplomacia brasileira come�ou a enviar novos sinais de que o acordo n�o seria bem-vindo.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo neste m�s, o ministro das Rela��es Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, disse que o acordo poderia "destruir" o Mercosul.
Apesar da manifesta��o do ministro brasileiro, Lacalle Pou refor�ou, na tarde de ter�a-feira (24/1), que a inten��o do Uruguai � avan�ar com as negocia��es com a China.
"A decis�o uruguaia � avan�ar em um Tratado de Livre Com�rcio. Se for com o Mercosul � melhor, todo mundo sabe da for�a que Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina podem ter juntos. Se n�o for assim, o que fizemos at� o momento � avan�ar em um estudo de factibilidade com a China que teve resultados positivos e estamos para come�ar a negociar bilateralmente", afirmou Lacalle Pou, em entrevista coletiva durante a Celac.
Horas depois, tamb�m em Buenos Aires, o ex-ministro das Rela��es Exteriores e atual assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim, disse prezar pelas rela��es com o Uruguai, mas afirmou que o Mercosul precisaria ser "preservado".
"A nossa posi��o � a seguinte: prezamos muito a rela��o com o Uruguai. Achamos que o [pa�s] � exemplo de civilidade em muitos aspectos dentro da Am�rica Latina, que em muitas coisas eles est�o muito avan�ados. Mas achamos que o Mercosul precisa ser preservado", disse.
'Menu' brasileiro
As fontes ouvidas pela BBC News Brasil detalharam os pontos que dever�o ser colocados na mesa durante as conversas com o governo uruguaio nesta quarta-feira.
O primeiro deles � a retomada de obras de infraestrutura entre os dois pa�ses e que, segundo essas fontes, estariam paradas. Entre elas est�o pontes, rodovias e hidrovias, que aumentariam a integra��o f�sica dos dois pa�ses.
O segundo ponto � a regulariza��o das contribui��es do Brasil ao Fundo para a Converg�ncia Estrutural do Mercosul (Focem).

Trata-se de um fundo mantido com recursos dos pa�ses-membros destinado a financiar obras e projetos na �rea do bloco. Pelas regras, os pa�ses com as maiores economias s�o os que mais devem contribuir e os que menos devem receber. A ideia era que o mecanismo ajudasse a reduzir as assimetrias entre os pa�ses do bloco.
Dos US$ 100 milh�es que devem ser fornecidos ao fundo todos os anos, o Brasil tem que contribuir com 70%, Argentina com 27%, Uruguai com 2% e Paraguai com 1%.
O problema � que o Brasil tinha, at� o final do ano passado, um passivo de pelo menos R$ 518 milh�es com o fundo.
A proposta brasileira � que os atrasados sejam pagos e as contribui��es regulares sejam mantidas. Isso favorece o Uruguai porque, apesar de contribuir com apenas 2% do total do fundo, o pa�s pode receber at� 32% dos recursos.
O terceiro item da pauta brasileira � o fim das redu��es unilaterais de impostos de importa��o para pa�ses fora do bloco. As redu��es unilaterais est�o previstas nas regras do Mercosul como uma forma de atender demandas espec�ficas de alguns produtos.
O problema � que, nos �ltimos anos, essas redu��es foram criando tens�es entre os membros do bloco.
Nesta ter�a-feira, Celso Amorim chegou a mencionar, tamb�m, a possibilidade de que o Mercosul possa rever algumas de suas pol�ticas para permitir que o Uruguai seja integrado ao complexo automobil�stico da regi�o, composto majoritariamente por Brasil e Argentina. A ideia, segundo Amorim, � que, da mesma forma que os dois maiores pa�ses do bloco atuam em conjunto na fabrica��o de autom�veis, o Uruguai tamb�m possa fazer parte desse arranjo. A sugest�o, por�m, ainda n�o est� formalizada.
Expectativa
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou um ataque frontal � postura uruguaia durante sua passagem por Buenos Aires, onde tamb�m participou da Celac. Ele tamb�m dever� participar da viagem de Lula a Montevid�u.
"N�o tenho conhecimento dos termos em que est� sendo negociado o acordo da China com o Uruguai. Mas esse tipo de coisa n�o � nova. [Esta] � uma visita para fortalecer o Mercosul. Eu acredito que a Am�rica do Sul, o destino dela de sucesso, passa pelo bloco econ�mico. Quanto a isso, eu n�o tenho nenhuma d�vida", disse.
A expectativa no governo brasileiro � de que o acordo entre China e Uruguai n�o seja concretizado. Entre outros fatores, isso poderia n�o acontecer para evitar um desgaste do pa�s com os maiores parceiros comerciais da China na regi�o: Brasil e Argentina.
Segundo dados do Banco Mundial, o fluxo comercial (importa��es e exporta��es) entre Brasil e China em 2020 (�ltimo ano dispon�vel na base da institui��o) foi de US$ 103,7 bilh�es. Enquanto isso, o fluxo entre China e Uruguai foi de apenas US$ 2,7 bilh�es.
Indagado sobre se o pleito uruguaio de negociar um acordo diretamente com a China era compat�vel com o Mercosul, Haddad disse que ainda n�o conhecia a proposta e que iria esperar a reuni�o com a equipe de Lacalle Pou para se manifestar.
"Isso n�s veremos amanh�", afirmou.
Al�m de se reunir com Lacalle Pou, Lula tamb�m se encontrar� com o ex-presidente e amigo pessoal Jos� Mujica. O encontro ser� na ch�cara que o ex-presidente tem no interior do pa�s.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64397105