
Titular de uma das pastas de maior visibilidade do governo Lula, Dino � um ator fundamental e testemunha privilegiada dos atos infames ocorridos em 8 de janeiro. Nesta entrevista ao Correio, o ministro conta detalhes daquele tr�gico domingo. Revela, por exemplo, que o presidente Lula chegou a cogitar uma interven��o mais dr�stica no Distrito Federal, que afastaria todas as autoridades locais. Mas o chefe do Planalto, ap�s refletir melhor, decidiu pela interven��o somente na �rea da Seguran�a. Dino relata ainda como assistiu, da janela de seu gabinete, a horda de terroristas avan�ar pelos edif�cios dos Tr�s Poderes. Naquele momento, ele estava na companhia da ent�o vice-governadora do DF, Celina Le�o - que havia acabado de conhecer; do chefe da Casa Civil do GDF, Gustavo Rocha; e do futuro interventor do DF, Ricardo Cappelli.
Fl�vio Dino acredita que, passados pouco de mais de 50 dias da posse, o Minist�rio da Justi�a tem cumprido uma diretriz: garantir a aplica��o da lei. Esse princ�pio est� presente nas opera��es de combate ao garimpo, na regulamenta��o dos CACs e na colabora��o com as investiga��es do caso Marielle Franco. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida na �ltima quinta-feira.
Sobre o 8 de janeiro. O que aconteceu naquele dia?
Houve pessoas que sabotaram o planejamento que foi feito em 6 e 7 de janeiro. Nesses dias, � semelhan�a do que aconteceu para a posse, houve reuni�es. E, para a posse, tudo que foi acordado foi feito. Tudo. Eu diria at� que mais do que acordado foi feito. E n�o tivemos um �nico incidente. Miraculosamente, o mesmo sistema que funcionou uma semana antes para 300 mil pessoas depois n�o d� conta de 5 mil? N�o tem l�gica, e portanto fica evidente que houve uma intencionalidade de sabotagem, no sentido de que aquilo que foi pactuado no dia 6 n�o foi feito, sobretudo no que se refere ao policiamento ostensivo, que constitucionalmente compete � Pol�cia Militar do Distrito Federal. N�o estou dizendo nenhuma novidade. Quem disse isso foi o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, a governadora interina Celina Le�o.
E o senhor viu tudo daqui, do gabinete do minist�rio.
Nessa janela estava a ent�o vice-governadora Celina Le�o (aponta para a vidra�a). O chefe da Casa Civil, Gustavo Rocha, estava aqui. E eles viram o que eu vi. Viram que a Pol�cia Militar estava em contingente �nfimo, despreparado, n�o estava equipado. As linhas previstas, os bloqueios n�o funcionaram. Mas como? Se funcionaram no dia 1º? Ent�o houve um engendramento que passou por civis, por agentes militares, e os nomes est�o aparecendo.
N�o foi um ato tresloucado, ent�o.
H� uma coer�ncia nesse desatino. De 30 de outubro a 8 janeiro, esse agrupamento s� fez pensar em uma �nica coisa: como dar um golpe no Brasil. Havia intelig�ncia nisso tudo, e essa intelig�ncia come�ou com a tentativa de ganhar na marra a elei��o no segundo turno - com as opera��es da Pol�cia Rodovi�ria Federal e da Pol�cia Federal. Continuou nos dias seguintes com os bloqueios das estradas e a tentativa de criar um p�nico no pa�s, com a aus�ncia de for�as policiais que deveriam estar agindo e n�o agiram. Prosseguiu, sabemos n�s, com aquela esdr�xula minuta, no m�s de dezembro, de um decreto golpista, localizado lamentavelmente na casa do meu antecessor. Prosseguiu nos ataques de 12 de dezembro, que foram fabricados tamb�m. Partiram, iniciaram e terminaram no acampamento situado em frente ao Quartel-General do Ex�rcito. Mais adiante, o ataque � bomba no dia 24 de dezembro. Houve um hiato, que foi exatamente a posse. Na minha �tica, a articula��o institucional e a presen�a popular impediram que houvesse algum tipo de atentado. E lembrem que o cidad�o que est� preso pela participa��o no ataque � bomba estava fazendo treinamento de sniper para dar um tiro de longa dist�ncia. Tudo isso est� documentado. Ent�o, a essas alturas, ningu�m de bom senso pode imaginar que o dia 8 de janeiro foi fruto de uma falha. N�o! Foi fruto de um plano! Um plano que come�a pouco antes da elei��o, continua depois do resultado das urnas, se agudiza em dezembro - a meu ver, fruto do desespero - e que ecoa at� 8 de janeiro.
O que essas pessoas pretendiam?
Provavelmente que o dia 8 funcionasse como uma esp�cie de gatilho. Elas imaginavam, no seu mundo paralelo, que haveria uma grande ades�o popular - que n�o houve, nem em Bras�lia nem fora de Bras�lia. E que as For�as Armadas iriam se levantar para restabelecer a ordem - que estaria perdida, naquele momento pela in�dita invas�o dos pr�dios. E com isso eles conseguiriam essa virada de mesa que buscavam. S�o golpistas, terroristas, pessoas perigosas.
O senhor diria que essa intelig�ncia foi neutralizada?
Eu diria que ela sofreu uma grave derrota. Todos aqueles que entre 30 de outubro e 8 de janeiro tentaram o golpe perderam. O presidente Lula venceu, foi diplomado, subiu a rampa e governa. Esse � o fato. Eles diziam que nada disso ocorreria. Aconteceu.
D� para relaxar?
N�o, porque a base social que alimentava essa gente, em muitos aspectos, continua. Latente, mas continua.
Mas ela foi reduzida.
Foi reduzida, porque o 8 de janeiro funcionou como um alerta para as pessoas que estavam no meio do caminho - inclusive nas corpora��es armadas do Estado. Ficou "over". Muita gente que dizia assim 'Ah, eu odeio o Lula' - � o direito delas, ningu�m � obrigado a amar ningu�m. O dia 8 criou um "mas". 'Eu odeio o Lula, mas...Eu n�o concordo com a destrui��o do Supremo, n�o concordo com baderna'. Esse 'mas' se adensou. O legalismo � maior que o golpismo.
Praticamente 900 pessoas continuam presas. Mas faltam os financiadores.
N�s temos a situa��o dos executores, presos em flagrante por crimes graves. Se tivessem ocorrido em dia de semana, teriam resultado em mortes, tal o n�vel de agressividade que estava se verificando. � importante dizer isso com clareza porque hoje h� discursos que tentam apresentar as pris�es como excessos. N�o! A a��o do Estado tem que ser proporcional � gravidade da conduta.
Mas muita gente estava s� no acampamento, e acabou presa no bolo dos terroristas.
As pessoas que estavam no acampamento foram presas. Eventualmente, nas a��es penais, elas t�m direito � defesa. Muita gente foi solta nas audi�ncias de cust�dia, e por fatores humanit�rios. Agora lembro: quem est� em um acampamento que pede golpe de Estado j� est� cometendo crime. � importante mostrar isso com clareza. Quem diz isso? O C�digo Penal. Se voc� est� em um acampamento, com uma faixa "Militares, salvem o Brasil!", "Deem o golpe!", "Interven��o militar", seja l� o que for, isso � incita��o criminosa. � crime incitar a animosidade entre as For�as Armadas e institui��es civis. Mesmo as pessoas que acham que n�o cometeram crime - � um direito achar que n�o cometaram - elas cometeram. As pessoas v�o ser julgadas pelo Poder Judici�rio, n�o � o governo que julga. Quem oferece a a��o penal � o Minist�rio P�blico, que � independente. E quem julga � a Justi�a, que � independente. Tudo o que a lei manda foi feito.
Haver� novas opera��es?
Novas opera��es v�o acontecer, visando a elucida��o completa desta rede delituosa, que se refere a executores, organizadores, muitos dos quais presos, financiadores, alguns dos quais presos, e os mandantes. Os chefes dessa empreitada criminosa, cujos nomes est�o sendo revelados e v�o continuar a ser revelados nos pr�ximos meses.
Quais s�o as pr�ximas dilig�ncias?
Na semana passada, a Pol�cia Federal pediu autoriza��o ao ministro Alexandre de Moraes para realizar dilig�ncias relativas a militares. Depoimentos de policiais militares e de policiais federais come�aram a imputar crimes contra militares. N�o somos n�s que achamos. S�o provas colhidas nos inqu�ritos.
S�o militares da ativa ou da reserva?
H� o depoimento no qual um policial federal alude a militares da ativa. Ent�o � isso que n�s estamos investigando.
Nenhum militar est� preso at� agora. Como se processa isso?
� porque a princ�pio a compet�ncia � da Justi�a Militar. Temos muito cuidado com o chamado devido processo legal. Nada aqui � feito de qualquer jeito, de modo imprudente. Tudo aqui � feito lastreado em provas ou ind�cios.
Est� na hora de o governador Ibaneis Rocha voltar?
N�o gostaria de opinar sobre o m�rito de uma quest�o da pol�tica do Distrito Federal, porque integro o governo federal e poderia ser algo indevido. O que posso afirmar � que, at� o presente momento, n�o h� nenhuma prova de que o governador Ibaneis participou ativamente do planejamento da execu��o de um golpe de Estado. Quantas vezes me perguntaram e eu vou dizer: 'N�o, n�o existe essa prova'. 'Ah, mas ele errou nisto, naquilo ou naquilo outro'. Bom, isso � uma aferi��o que vai ser feita posteriormente. Aparentemente - repito, at� aqui - tudo se processou em n�veis hier�rquicos abaixo dele.
E Anderson Torres?
N�o gosto de mencionar nomes, mas o Anderson se encontra preso neste momento. Ent�o isso � uma revela��o de que houve alguma participa��o dele. Em que n�vel, cabe ao Poder Judici�rio decidir, fa�o quest�o de sublinhar isso. N�o me cabe julgar esse senhor ou qualquer outra pessoa.
O retorno de Ibaneis � poss�vel?
Poss�vel, �. Mas � um tema que compete ao Supremo decidir. Qualquer coisa que eu diga pode configurar algo que eu n�o fa�o, que � interferir em outro poder. Esse pedido est� no Supremo. � um pedido razo�vel, que tem uma base argumentativa l�gica: at� agora, decorridos quase 60 dias do afastamento, n�o houve nenhuma prova concreta contra o Ibaneis. � um pedido razo�vel, mas n�o sei o que Supremo vai decidir.
O senhor fez algum contato com Ibaneis no dia 8?
Sim. Logo que a crise foi deflagrada, fui avisado e vim para c�. Eu estava pr�ximo, na regi�o do Gama, aqui no DF. Em mais ou menos 25 minutos cheguei aqui. Entrei no minist�rio pela (avenida) N2. Chego aqui nessa janela e me defronto com poucos manifestantes - ou seja, algo absolutamente control�vel - subindo aquela rampa do Congresso. Alguns j� estavam ali, pr�ximo �s c�pulas do Congresso.
Qual foi sua rea��o?
Obviamente, o primeiro telefonema que eu dei foi ao presidente da Rep�blica, meu chefe imediato. Ele j� sabia, �bvio. Abri o card�pio jur�dico a ele. Eu disse: 'Presidente, a Constitui��o prev� o estado de s�tio, estado de defesa, interven��o federal, GLO...' Enfim, abri o card�pio jur�dico do que podia ser feito, inclusive para permitir o nosso comando. Porque �s vezes h� uma ideia de que o ministro da Justi�a manda na PM do DF. N�o, n�s n�o mandamos. A Constitui��o diz que quem comanda a PMDF � o governador, assim como a PM do Rio Grande do Sul ou do Amap�. Ent�o, h� a autonomia federativa.
O que o presidente disse?
O presidente definiu o caminho da interven��o federal. Inicialmente seria uma interven��o no DF, ou seja, haveria inclusive o afastamento do governador e de todas as autoridades locais. Posteriormente, o pr�prio presidente, por alguns minutos, me liga e pergunta: 'A interven��o pode ser apenas na seguran�a?'. Eu disse: 'Sim, presidente, pode ser feito legalmente'. E ele define esse caminho que foi adotado. O decreto de interven��o foi preparado aqui naquela mesa (aponta para a mesa de reuni�es no gabinete do ministro), enviei o decreto ao presidente, a interven��o � decretada. Nesse espa�o de tempo, logo depois de eu falar com o presidente Lula, tentei falar com o governador Ibaneis, ele n�o atendeu.
Tentou mais algu�m?
Liguei para o doutor Gustavo (Rocha, chefe da Casa Civil do GDF). Ele me atendeu, eu disse: 'N�o consigo falar com o governador'. Ele disse: 'Estou indo para a�'. Em talvez 40 minutos ele chegou. Apresentou-me a doutora Celina (Le�o), que eu n�o conhecia. Ela veio junto com ele. No momento da chegada dos dois, os terroristas j� estavam no Supremo. N�s n�o t�nhamos vis�o, mas j� havia ocorrido aquela retirada de policiais na ladeira da C�mara. E os golpistas j� estavam no Supremo e acho que no Planalto tamb�m.
O senhor falou da interven��o federal?
Neste momento em que o GDF chega, eu informo da interven��o. J� havia a decis�o, faltava apenas o decreto retornar com a assinatura do presidente. O interventor (Ricardo Cappelli) estava aqui, e houve a interven��o. Gra�as a Deus, com uma hora e pouco, houve a revers�o daquele fato de descontrole. E essa resposta r�pida, a meu ver, foi decisiva inclusive para desanimar um eventual efeito domin� que os golpistas esperavam que fosse ocorrer.
A interven��o federal foi a melhor resposta para o 8 de janeiro?
Ela se revelou eficaz. Quando voc� tem v�rias alternativas, � preciso escolher aquela que responde mais rapidamente e de modo proporcional. Por que n�o fizemos um estado de s�tio? Porque o estado de s�tio talvez fosse excessivo diante daquela situa��o at� ali existente. Estado de s�tio � a medida m�xima de restri��o. Ent�o acho que o presidente Lula foi muito s�bio no sentido de ter guardado uma certa proporcionalidade. A interven��o foi o meio eficaz e suficiente para reverter aquela situa��o.
Um fator importante para o 8 de janeiro foi o extremismo nas redes sociais. Como o minist�rio pretende combater esse problema?
Essa � uma quest�o mundial, tanto que a Unesco fez na semana passada uma confer�ncia sobre isso. A Uni�o Europeia legisla sobre isso. Ent�o n�o � uma quest�o apenas brasileira, � uma quest�o nodal das democracias contempor�neas. Portanto � imperativo que o Brasil, al�m de fazer ouvir a sua voz na cena internacional, fa�a o dever de casa. E � isso que o Minist�rio da Justi�a prop�s. O que n�s propusemos foi um texto moderado, adstrito a seis crimes, fazendo uma regula��o bem leve em rela��o a essas condutas em geral nocivas na rede. A nossa proposta n�o se refere a fake news de um modo geral. Ela cria um conceito jur�dico novo no Brasil, que � o chamado dever de cuidado das plataformas. Elas deixam de ser vistas como imunes � responsabilidade pelo que l� trafega, mas n�o de um modo geral e, sim, em rela��o a seis crimes, delimitados na lei do terrorismo e no cap�tulo do C�digo Penal destinado aos crimes contra o Estado Democr�tico de Direito. Em rela��o a isso eles passam a ser responsabilizados.
Por que isso seria um avan�o?
Vamos supor. Um shopping pode alugar um estande para ensinar uma pessoa a fabricar bomba? N�o. E se o fizer? Quem � respons�vel? Tecnicamente, � quem est� ensinando, e o shopping, que est� alugando um espa�o. � assim. A internet ganhou uma centralidade tal que esse conceito da neutralidade ou da imunidade n�o pode mais prevalecer. Por qu�? Porque � do modelo de neg�cios dessas empresas maximizar lucros com o vale-tudo. Os antagonismos, os preconceitos, os �dios s�o funcionais a esse modelo de neg�cios. Ou seja, pessoas ganham dinheiro com sangue e com vidas. E, por isso mesmo, a� entra a lei. Para conter os apetites insanos de quem quer ganhar dinheiro � custa de vidas humanas. E a� eu me refiro a vidas, n�o s� pela ocorr�ncia de homic�dios, como n�s vimos agora no Mato Grosso (sete pessoas assassinadas em uma chacina), como tamb�m vidas dizimadas por agress�es morais. Ent�o n�s estamos propondo um pacto.
Isso difere do que est� sendo discutido no Congresso?
Sim, porque no Congresso, at� agora, prevalece uma ideia de autorregula��o das plataformas. E essa autorregula��o sequer � obrigat�ria. Produz-se algo que, do ponto de vista jur�dico, � at� dispens�vel. Nenhuma empresa precisa de autoriza��o legal para se autorregular. Tanto � que os jornais t�m seus manuais de reda��o. O que s�o os manuais de reda��o? S�o autorregula��es para os seus profissionais. Ent�o, nenhuma empresa precisa de autoriza��o legal para dizer que ela pode eventualmente se autorregular. Ent�o, n�s estamos numa grada��o entre autorregula��o facultativa, que � o que at� agora est� no Congresso, e n�s estamos dando um passo. Qual � o passo? Para manter uma zona, �bvio, um espa�o de autorregula��o, mas introduzir uma regula��o externa em rela��o a seis crimes.
E a liberdade de express�o?
N�o creio que o nosso projeto seja uma amea�a � liberdade de express�o. Pelo contr�rio, o nosso projeto defende a liberdade de express�o. Na medida em que voc� combate abusos, voc� protege o direito. No momento em que voc� fecha o caminho para dizer: 'Olha, a liberdade express�o tem fronteira. Voc� n�o pode propor matar as pessoas, n�o pode propor que segmentos sociais sejam discriminados', voc� est� dizendo o que � a liberdade de express�o leg�tima. Voc� est� protegendo-a. � como a liberdade religiosa. Por que a laicidade � a verdadeira prote��o � liberdade religiosa? Porque ela diz que todos podem ter as suas religi�es. Ent�o a liberdade � sempre regulada. Dentro do nosso lar, no �mbito dom�stico, familiar, todos temos liberdade regulada. Os c�njuges, os filhos, todos t�m liberdade regulada pelo C�digo Civil, pelo Estatuto da Crian�a e do Adolescente, etc. Por que a internet vai ficar sem regula��o alguma, se at� os nossos lares s�o regulados? Ent�o isso � uma farsa. Estes que dizem defender a liberdade de express�o s�o farsantes porque, na verdade, est�o protegendo os seus lucros. Essa � a realidade.
Por que a Pol�cia Federal vai colaborar no caso Marielle Franco, cinco anos ap�s o crime? Qual resultado o senhor espera?
Cinco anos depois do crime. Esse � o fator objetivo que justifica a determina��o que eu enviei � Pol�cia Federal. Temos cinco anos dessa tr�gica ocorr�ncia. Houve um avan�o da investiga��o at� os executores, e n�s precisamos dar passos seguintes. Quem contratou? Quem mandou? Quem financiou? Foram apenas aquelas pessoas? Qualquer profissional versado em seguran�a p�blica, ou qualquer jornalista que acompanha temas policiais sabe que n�o foi isso. Que n�o foram apenas aquela duas pessoas. Recebi a gentil visita do procurador-geral de Justi�a do Rio de Janeiro. E perguntei a ele se a participa��o da Pol�cia Federal era bem-vinda. Ele disse que sim. Fiz ent�o a determina��o do inqu�rito, que n�o corresponde ainda � chamada federaliza��o porque a compet�ncia jurisdicional n�o saiu da Justi�a estadual. A federaliza��o depende de uma decis�o do STJ. N�s n�o propusemos isso ainda. Podemos chegar ao pedido de federaliza��o? Podemos, mas n�o chegamos ainda.
O �ndice de feminic�dio no Distrito Federal est� acima da m�dia nacional. O senhor anunciou que o presidente Lula quer medidas emergenciais para todo o pa�s. O que ser� feito?
Em 8 de mar�o, o presidente Lula vai fazer uma s�rie de an�ncios sobre o Dia Internacional das Mulheres, inclusive sobre o feminic�dio. Infelizmente � um crescimento nacional desse tipo de crime. Tenho acompanhado o Distrito Federal - � praticamente o dobro do ano passado. Mostra que essa cultura do �dio, do vale-tudo, vai contaminando as rela��es humanas. � preciso romper tudo isso e fortalecer as pol�ticas p�blicas. Desde medidas educativas, como tamb�m medidas pr�ticas, como o minist�rio comprando 270 viaturas policiais para entregar a todas as unidades federadas em apoio �s patrulhas Maria da Penha e �s delegacias da mulher. Vamos lan�ar um programa de novas Casas da Mulher. Esse � um modelo bem-sucedido, porque aumenta a efici�ncia das chamadas medidas protetivas.
Ap�s pouco mais de 50 dias, como avalia a atua��o do minist�rio?
O Minist�rio da Justi�a e Seguran�a P�blica � amplo, mas tem um fio condutor entre todas as a��es: a garantia da aplica��o da lei. Eu destaco sobretudo esse desafio: garantir que haja uma reorganiza��o institucional do pa�s, tendo a lei como refer�ncia. Dou um exemplo: por que havia a prolifera��o de garimpos ilegais no Brasil? Porque ningu�m se interessava pelo assunto. Ent�o, obviamente, onde n�o h� norma, onde existe o vale-tudo, as pessoas perdem a no��o de limites. Isso gerou uma brutal crise humanit�ria envolvendo povos ind�genas e a morte de centenas de crian�as.
� uma trag�dia deliberada?
Por que esse garimpo ilegal operou durante tanto tempo, de modo impune? Porque havia pessoas que se sentiam autorizadas a invadir o territ�rio ianom�mi e porque havia um mecanismo de lavagem. Ent�o, quando falo de autoridade da lei, me refiro a situa��es assim.
Como est� a opera��o contra o garimpo?
Conseguimos avan�ar fortemente na desintrus�o do territ�rio ianom�mi, onde antes havia milhares de pessoas. Mais de 10 mil pessoas, seguramente. Hoje, temos poucas centenas. Acreditamos que at� abril tender� a zero, que � nosso objetivo. Queremos a desintrus�o completa do territ�rio ianom�mi, para que, a�, a gente possa partir para outras seis �reas. O plano � que tenhamos, inclusive, a separa��o do joio e do trigo. Sabemos que h� pessoas que querem trabalhar nos termos da lei.
Questiona-se muito o modelo adotado hoje sobre a origem do ouro. A pessoa diz que o ouro � legal e fica por isso mesmo. H� iniciativas para corrigir?
Esse � o �nico ponto em que realmente se faz necess�ria uma mudan�a legislativa para fechar esse caminho. Temos outros que tamb�m devem ser adotados, mas n�o dependem de novas leis. S�o atos administrativos. Que, por exemplo, podem significar o fim das notas fiscais em papel e todas as notas fiscais serem eletr�nicas. Isso n�o depende de mudan�a de lei, depende de atos infralegais, administrativos no �mbito do Minist�rio da Fazenda, por exemplo. Isso que est� em debate no governo neste momento. O que o governo pode fazer de modo sequenciado? Primeiro, a��es humanit�rias, que foram e est�o sendo feitas. Dois: desintrus�o, est� sendo feita. Tr�s: mudan�as administrativas, que est�o em estudo e v�o sair em breve; e mudan�as legislativas, que envolvem sobretudo essa mudan�a desse conceito de presun��o de boa-f� e de autodeclara��o.
Como rastrear o ouro ilegal?
Hoje, a tecnologia permite aferir se aquele ouro veio daquela origem que foi declarada. Esses avan�os tornam poss�vel uma mudan�a da lei, e o governo tamb�m deve enviar um projeto de lei. J� h� minutas no �mbito do governo, acho que ao longo do m�s de mar�o haver� tamb�m essa proposta ao Congresso Nacional.
H� empres�rios envolvidos na estrutura do garimpo ilegal. O minist�rio est� em busca dessas pessoas tamb�m?
H� pessoas presas, em rela��o a esses outros �mbitos. N�o adianta apenas tirar aquelas pessoas e, eventualmente, at� prend�-las. � preciso identificar quem financia, quem s�o os donos dos avi�es, quem transporta o combust�vel. Isso est� sendo feito. E estamos investigando tamb�m para onde o ouro vai.
Conclu�da a a��o de repress�o, qual � o pr�ximo passo?
Hoje mesmo (quinta-feira) conversei com o ministro Rui Costa, da Casa Civil. Temos um debate geral a fazer sobre a Amaz�nia, que n�o se refere apenas ao garimpo: trata-se da forma pela qual vamos garantir que 30 milh�es de brasileiros e brasileiras possam viver. Isto � um debate real. Concreto. S�o pessoas. Voc� precisa gerar alternativas econ�micas sustent�veis. Economia verde, reflorestamento, algo concreto, tang�vel, pr�tico e que resolva as condi��es de vida dessas pessoas. Tivemos a Zona Franca de Manaus, com todos os seus defeitos - uma parte da ind�stria brasileira n�o gosta da Zona Franca e uma parte dos economistas n�o gostam -, mas foi o instrumento que at� hoje atendeu a um problema concreto. Eu n�o defendo esse modelo necessariamente, mas precisamos de coisas novas com essa perspectiva. Quando se fala em economia verde, muita gente diz: "Ah, vamos fazer um projeto de pesca aqui, um projeto sobre castanhas acol�'. S�o projetos bons, mas n�o s�o suficientes.
Falta escala?
N�o tem escala e, se n�o tem escala, n�o entra no mercado. E se n�o entra no mercado, voc� deixa de criar o desincentivo econ�mico � degrada��o ambiental. Ent�o, hoje, voc� precisa de repress�o, a parte do Minist�rio da Justi�a e da Defesa, lei ordem controle, comando. Mas isso � uma parte do problema. A parte emergencial do problema, a ponta vis�vel do iceberg. Tem que ser feito, est� sendo feito. Mas a solu��o definitiva, voc� tem que olhar o conjunto.
Uma das principais medidas foi a anula��o dos decretos de armas. De l� para c�, houve gestos dos bolsonaristas para tentar retomar os decretos do ex-presidente Bolsonaro, e uma chacina semana passada em Mato Grosso, na qual um dos assassinos � CAC. Como isso vai ser tratado?
N�s temos hoje, al�m da lei que est� em vigor desde 2003 e que estamos cumprindo, decis�es do Supremo. Ent�o, eu n�o vejo como, a estas alturas, algu�m possa de modo delirante propor que haja a volta a esse passado t�o nocivo. Isso se choca contra decis�es n�tidas do Supremo. Ou seja, formou-se um consenso nacional das pessoas s�rias de que n�o podemos conviver com esse caminho fraudulento, em que repentinamente brotaram CACs no Brasil. Inclusive os CACs de verdade sabem que isso est� errado.
Por que o caminho dos CACs � fraudulento?
Como, de repente, surgiram tantos colecionadores de armas, tantos atiradores esportivos, tantos ca�adores, para ca�ar o qu�, afinal, se na imensa maioria do nosso territ�rio a ca�a � at� ilegal? Os CACs viraram um escudo para pessoas que queriam ter porte de arma e n�o conseguiam, por aus�ncia de comprova��o da efetiva necessidade, por exemplo. E repentinamente acordaram e se descobriram CACs. Nosso problema n�o � com o atirador esportivo. Eu jamais seria, mas h� pessoas que gostam. Nosso problema n�o � com o colecionador de armas. Nosso problema � com os fraudadores. Como esses que v�o dar tiro em escola, no tr�nsito, por motivo de uma partida de sinuca, que v�o matar as esposas, os filhos ou que v�o vender armas para o PCC e para as quadrilhas no Brasil.
As fraudes j� foram identificadas?
Sim, h� not�cias em profus�o sobre isso. H� inqu�ritos que mostram, e o recadastramento vai mostrar. Por que estamos fazendo o recadastramento? Porque arma de uso restrito tem que ser mostrada fisicamente. Por que, como, de repente, uma pessoa acorda e resolve comprar 30 fuzis? Um j� � esquisito. Convenhamos, a imensa maioria da popula��o n�o tem dinheiro para comprar uma pistola, qui�� um fuzil e, de repente, comprou um fuzil? Comprou para qu�? E comprou seis mil cartuchos? Para qu�, se est� com a conta de luz em casa atrasada?
E qual a sua conclus�o?
Virou meio de vida. Para muita gente.
Era tr�fico de armas mesmo?
Inclusive. Quadrilhas j� foram desbaratadas vendendo registros falsos, vendendo armas. Ent�o, o que n�s queremos � distinguir. O CAC verdadeiro, ele vai continuar a existir. N�s n�o vamos ca�ar todos os registros de CAC. E eu digo isso porque h� pessoas que est�o sendo envolvidas por esse discurso. Estamos fazendo essa revis�o, inclusive os CACs, os verdadeiros. V�o participar conosco, vamos ouvir 50 pessoas f�sicas e jur�dicas. Come�aremos agora nesta semana, em audi�ncia p�blica.
Haver� uma ag�ncia nacional de armas?
� uma possibilidade. Hoje n�o est� exatamente no nosso horizonte, porque a Pol�cia Federal e, em parte, o comando do Ex�rcito, podem fazer isso. Se no futuro surgir esse tema, n�o h� oposi��o da nossa parte. Agora, n�s precisamos organizar os cadastros. Havia muitas fraudes, muita inconsist�ncia cadastral. Da�, o recadastramento.
Estima-se, no m�nimo, 900 mil armas circulando por a� no pa�s e houve uma procura muito baixa para o recadastramento. Caso esse recadastramento continue muito baixo, o que o minist�rio far�?
Acreditamos que esse recadastramento tende a crescer. Havia a expectativa de alguns de que a Justi�a iria derrubar o decreto do presidente. Como houve a decis�o do Supremo deixando claro que o decreto do presidente � compat�vel com a lei, com a Constitui��o, essa expectativa se fechou. Hoje, h� outros mercadores de ilus�es dizendo que v�o resolver no Congresso, que v�o mudar a lei, enfim, e para esperar. Como isso tamb�m n�o vai acontecer, porque se acontecesse, o que n�o vai acontecer, essa mudan�a legislativa seria incompat�vel com a decis�o do Supremo. Eu acredito que quanto mais essas ilus�es forem se dissipando, a tend�ncia � que o cadastro aumente.
