(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LITERATURA

Leia na �ntegra o discurso de Chico Buarque no Pr�mio Cam�es

Escritor e cantor Chico Buarque afirmou que Jair Bolsonaro (PL) 'teve a rara fineza de n�o sujar o diploma do meu Pr�mio Cam�es'


24/04/2023 17:38 - atualizado 24/04/2023 17:53

Chico Buarque, ao lado do presidente português Marcelo Rebelo de Sousa e do primeiro-ministro António Costa
Chico Buarque, ao lado do presidente portugu�s Marcelo Rebelo de Sousa e do primeiro-ministro Ant�nio Costa, recebe o maior pr�mio da l�ngua Portuguesa, o Pr�mio Cam�es (foto: Reprodu��o/TV Brasil)

O cantor, compositor e escritor Chico Buarque recebeu nesta segunda-feira (24/4)  o maior pr�mio da literatura de l�ngua Portuguesa, o Cam�es, em Sintra, Portugal.

 

Em seu discurso, Chico agradeceu a presen�a de pol�ticos brasileiros e lusitanos, al�m de artistas como as cantoras Faf� de Bel�m e Carminho.

 

Tamb�m agradeceu a presen�a dos escritores Mia Couto, Manuel Alegre e Pilas del R�o. Ao longo do discurso tamb�m citou o escritor portugu�s Jos� Saramago e o brasileiro Jo�o Cabral de Melo Neto.

 

�NTEGRA DO DISCURSO DE CHICO BUARQUE AO RECEBER O PR�MIO CAM�ES

 

Boa noite excelent�ssimos senhores presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa; presidente do Brasil, Luiz In�cio Lula da Silva; primeiro ministro de Portugal, Ant�nio Costa; ministra da cultura brasileira, minha amiga, Margareth Menezes; ministro da Cultura portugu�s, Pedro Ad�o e Silva; querida Janja da Silva; presidente do j�ri, professor Frias Martins; e tantos amigos e amigas aqui presentes, Faf� de Bel�m, Carminho, Mia Couto, Miguel de Sousa Tavares, Pilar del R�o, meu editor brasileiro Luiz Schwarz, minha editora portuguesa, Clara Capit�o, e minha mulher, Carol. 

 

Eu estou emocionado porque hoje de manh� ela saiu do hotel, atravessou a avenida e foi comprar essa gravata. (Risos) Isso me emociona.

 

Ao receber esse Pr�mio eu penso no meu pai, o historiador e soci�logo S�rgio Buarque de Hollanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela l�ngua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complac�ncia e sem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira liter�ria.

 

Mais tarde, quando me bandeei para a m�sica popular, n�o se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo pr�ximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa l�ngua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse poss�vel nos encontrarmos neste sal�o, eu estaria na assist�ncia e ele c�, no meu posto, a receber o pr�mio Cam�es com muito mais propriedade.

 

Meu pai tamb�m contribuiu para minha forma��o pol�tica, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na esquerda democr�tica, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos 60 retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ci�ncias e Letras da Universidade de S�o Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida participou da funda��o do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restaura��o democr�tica do nosso pa�s, nem muito menos pressupor que um dia cairemos num fosso, sob muitos aspectos, mais profundo.

 

O meu pai era paulista, meu av� pernambucano, meu bisav� mineiro e meu tatarav� baiano. Tenho antepassados negros e indigenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da hist�ria familiar. Como a imensa maioria do povo prasileiro, trago nas veias o sangue do a�oitado e do a�oitador, o que ajuda a nos explicar um pouco.

 

Recuando no tempo, em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por decav�s paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Provida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos crist�os novos portugueses, sua prole exilou-se no nordeste brasileiro do s�culo XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela inquisi��o, pode ser que algum dia, eu tamb�m alcance o direito � cidadania portuguesa a modo de repara��o hist�rica. (Risos)

 

J� morei fora do Brasil e n�o pretendo repetir a experi�ncia, mas � sempre bom saber que tem uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos me sinto em casa e esmero-me nas coloca��es pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966 ao lado de Jo�o Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema “Morte e vida Severina” com m�sicas minhas. Ele, um poeta consagrado e eu um atrevido estudante de arquitetura.

 

O grande Jo�o Cabral, o primeiro brasileiro a receber o Pr�mio Cam�es, sabidamente n�o gostava de m�sica e nem sei se chegou a folhear algum livro meu.

 

Escrevi meu primeiro romance “Estorvo”; em 1990, e public�-lo foi para mim como me arriscar novamente no escrit�rio do meu pai em busca de sua aprova��o. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e Jos� Saramago, hoje meus colegas de Pr�mio Cam�es. De v�rios autores aqui premiados, fui amigo de outros tantos de Brasil, Portugal, Angola, Mo�ambique, Cabo Verde... Sou leitor e admirador. Esqueci de citar antes o nosso grande Manuel Alegre, aqui presente, que tamb�m foi premiado com Cam�es.

 

Por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba pr�mios liter�rios, fa�o gosto de ser reconhecido no Brasil como compositor popular, e em Portugal como o “gajo” que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim. Valeu a pena esperar por esta cerim�nia marcada, n�o por acaso, para a v�spera do dia em que os portugueses dessem a avenida Liberdade a festejar a revolu��o dos cravos.

 

L� se v�o quatro anos que meu pr�mio foi anunciado e eu j� me perguntava se n�o o haviam esquecido. Porque sabe-se: pr�mios tamb�m s�o perec�veis, tem data de validade.

 

Quatro anos com uma pandemia no meio davam �s vezes a impress�o que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu pa�s, quatro anos de governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para tr�s. Aquele governo foi derrotado nas urnas mas nem por isso podemos nos distrair, pois a amea�a facista persiste, no Brasil e por toda parte. Hoje, por�m nessa tarde de celebra��o, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de n�o sujar o diploma do meu Pr�mio Cam�es, deixando seu espa�o em branco para assinatura do nosso presidente Lula.

 

Recebo esse pr�mio menos como uma honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses �ltimos anos de estupidez e obscurantismo. Muito obrigado.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)