
A intensa campanha do ent�o presidente Jair Bolsonaro (PL) contra a credibilidade da Justi�a Eleitoral e da urna eletr�nica pode causar agora seu afastamento das elei��es por oito anos.
Para especialistas em direito eleitoral ouvidos pela BBC News Brasil, � alta a probabilidade de o ex-presidente ser condenado em um julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) previsto para come�ar no pr�ximo dia 22. Caso isso se confirme, Bolsonaro ficar� ineleg�vel.
O ex-presidente enfrenta 16 a��es na Corte. No caso mais avan�ado, que ser� julgado na pr�xima semana, � acusado de ter cometido abuso do poder pol�tico e uso indevido dos meios de comunica��o social quando reuniu em julho de 2022 dezenas de diplomatas no Pal�cio da Alvorada para apresentar falsas teorias sobre a inseguran�a das urnas e atacar ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O encontro ocorreu pouco antes do in�cio da campanha eleitoral, em que Bolsonaro foi derrotado pelo atual presidente, Luiz In�cio Lula da Silva (PT).
A defesa do ex-presidente, por sua vez, argumenta que o evento n�o tinha car�ter eleitoral e que o ent�o presidente usou sua liberdade de express�o para manifestar preocupa��es leg�timas sobre a integridade das elei��es brasileiras.A a��o apresentada pelo PDT, partido que disputou a campanha presidencial com o candidato Ciro Gomes, pede a inelegibilidade de Bolsonaro e do general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil que concorreu como candidato � vice-presidente. A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) se manifestou a favor apenas da condena��o de Bolsonaro.
Entenda a seguir, em quatro pontos, os argumentos da acusa��o e da defesa, por que especialistas acham prov�vel uma condena��o e quais ministros julgar�o o ex-presidente.
1. Quais s�o as acusa��es?
Segundo a Constitui��o Federal e a legisla��o eleitoral brasileira, um pol�tico pode ser declarado ineleg�vel caso tenha atuado contra a normalidade e a legitimidade das elei��es. Isso pode ocorrer por meio de tr�s ilegalidades:
- Abuso do poder pol�tico — ou seja, quando um governante usa seu cargo atual para favorecer a si pr�prio ou a aliados na elei��o;
- Abuso de poder econ�mico — que ocorre, por exemplo, quando o candidato usa recursos ilegais na sua campanha ou realiza compra de votos;
- Uso indevido de meios de comunica��o — como no caso de um canal de televis�o usar sua programa��o para favorecer algum concorrente ou um candidato usar suas redes sociais para propagar informa��es falsas.
Na a��o que ser� julgada no dia 22, o ex-presidente est� sendo acusado de ter cometido abuso de poder pol�tico por ter usado a estrutura da Presid�ncia da Rep�blica para convocar diplomatas para uma reuni�o de car�ter eleitoral, com ataques infundados ao sistema de vota��o.
A suposta irregularidade teria sido agravada pelo fato de o evento ter sido transmitido ao vivo pela EBC, empresa p�blica de comunica��o, e pelas redes sociais do presidente, configurando tamb�m o uso indevido de meios de comunica��o.

O PDT argumenta ainda, na a��o, que a reuni�o com os diplomatas n�o se tratou de um epis�dio isolado, mas se inseriu numa estrat�gia de campanha de Bolsonaro para questionar o resultado em caso de derrota.
Para o partido, a reuni�o visava “buscar ades�o dos pa�ses estrangeiros para que, se porventura um golpe de Estado fosse instaurado, obtivesse apoio, j� que o processo de vota��o n�o seria confi�vel e estaria eivado de fraude”.
“Esse (apoio para um golpe) foi o objetivo da reuni�o. N�o existiu nenhum interesse p�blico subjacente � estrutura��o do evento”, refor�ou.
Para convencer o TSE sobre a gravidade dos atos de Bolsonaro, o partido cita como consequ�ncia de suas falas os ataques antidemocr�ticos de 8 de janeiro.
“O discurso proferido na reuni�o com embaixadores converge com dizeres apropriados por eleitores e apoiadores do candidato, em uma cruzada antidemocr�tica com a instala��o de acampamentos em frente aos QG’s do Ex�rcito em todos os rinc�es do Brasil, centrada em uma suposta exist�ncia de fraude nas urnas, bem como tamb�m no sistema eleitoral, de modo que bradavam por interven��o militar e por um ‘processo eleitoral transparente’”, disse o partido nas alega��es finais da a��o.
“A consequ�ncia da perpetra��o, pelo Senhor Jair Messias Bolsonaro, dessas condutas acintosas ao Estado Democr�tico de Direito e � integridade do processo eleitoral foi o intenso ataque de v�ndalos e golpistas contra as sedes do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Pal�cio do Planalto, em 08 (oito) de janeiro de 2023”, afirma o PDT em outro trecho da manifesta��o.
O PDT cita ainda a “minuta do golpe” — documento encontrado pela Pol�cia Federal no dia 12 de janeiro na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justi�a de Bolsonaro —, que serviria para decretar um estado de defesa no Brasil, possibilitando a revis�o do resultado das elei��es de 2022, vencida por Luiz In�cio Lula da Silva.
Ao longo do processo, o TSE autorizou que essa minuta fosse incorporada como prova na a��o.
2. O que diz a defesa de Bolsonaro?
O ex-presidente argumenta, na a��o, que o evento n�o teve car�ter eleitoral, destacando que n�o houve pedido de votos e que o p�blico-alvo (diplomatas estrangeiros) n�o votam no Brasil. Segundo sua defesa, a reuni�o foi um “ato de governo” e, por isso, contou com a transmiss�o da EBC.
Os advogados de Bolsonaro disseram ainda, em manifesta��o ao TSE, que "a m�-f� de determinados setores da imprensa" levou a cobertura do evento a tratar "uma proposta de aprimoramento do processo democr�tico como se se tratasse de ataque direto � democracia".
A defesa ressalta, ainda, que a reuni�o foi convocada por Bolsonaro ap�s o ent�o presidente do TSE, Edson Fachin, realizar em maio de 2022 o evento "Sess�o Informativa para Embaixadas: o sistema eleitoral brasileiro e as Elei��es de 2022".
Na ocasi�o, Fachin fez um discurso com cr�ticas indiretas aos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
"Convido o corpo diplom�tico sediado em Bras�lia a buscar informa��es s�rias e verdadeiras sobre a tecnologia eleitoral brasileira, n�o somente aqui no TSE, mas junto a especialistas nacionais e internacionais, de modo a contribuir para que a comunidade internacional esteja alerta contra acusa��es levianas", afirmou no evento.
A defesa de Bolsonaro alega, ent�o, que ambos os encontros com diplomatas representariam um “di�logo institucional” sobre o sistema eleitoral.
“O que se percebe das falas do primeiro investigado Jair Messias Bolsonaro, por meio de um exame sereno e desapaixonado, feito com as lentes do necess�rio di�logo institucional e da inadi�vel promo��o da transpar�ncia eleitoral, � nada mais nada menos do que um convite ao di�logo p�blico continuado para o aprimoramento permanente e progressivo do sistema eleitoral e das institui��es republicanas”, diz a defesa em manifesta��o ao TSE.
“Com o respeito devido, n�o parece dif�cil entender que o sistema eletr�nico de vota��o e as boas pr�ticas que acercam a realiza��o de uma elei��o como a brasileira s�o dignas de constante aperfei�oamento, n�o havendo motivos para se confundir questionamentos (pontos duvidosos!), postos �s claras, com ato de abuso de poder pol�tico e/ou de meios de comunica��o”, afirma ainda a defesa, liderada pelo advogado Tarc�sio Vieira, ex-ministro do TSE.
Quanto �s acusa��es de que teria responsabilidade nos atos de 8 de janeiro, Bolsonaro tem negado qualquer envolvimento. Enquanto estava vivendo nos Estados Unidos, disse, sem apresentar provas, que “pessoas de esquerda” programaram as invas�es.
"As manifesta��es da direita ao longo de 4 anos foram pac�ficas e n�o temos nada a temer. Jamais o nosso pessoal faria o que foi feito agora no dia 8 [de Janeiro]. Cada vez mais n�s temos certeza que foram pessoas da esquerda que programaram aquilo tudo", disse o ex-presidente � emissora americana NBC.
Bolsonaro deixou o pa�s para uma temporada na Fl�rida poucos dias antes da posse de Lula e voltou ao Brasil no final de mar�o.
3. Por que especialistas consideram condena��o prov�vel?
Para o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, especialista em direito eleitoral, a cassa��o do deputado estadual pelo Paran� Fernando Francischini em outubro de 2021 � um precedente que torna “muito prov�vel” a condena��o de Bolsonaro.
Bolsonarista, Francischini foi o deputado estadual mais votado no Paran� em 2018 e perdeu seu mandato devido a acusa��es infundadas contra o funcionamento das urnas. Al�m disso, o TSE o declarou ineleg�vel por oito anos.

A puni��o foi aplicada porque Francischini fez uma transmiss�o ao vivo no Facebook durante a vota��o de 2018 apontando supostas fraudes em urnas eletr�nicas que n�o estariam registrando votos para o ent�o candidato Jair Bolsonaro. A alega��o era que o eleitor digitava 17 (n�mero de Bolsonaro em 2018, quando concorreu pelo antigo PSL), mas n�o aparecia o rosto e o nome do atual presidente no painel da urna.
Por�m, a investiga��o do caso identificou que, na verdade, essas pessoas estavam digitando 17 no momento em que a urna registrava o voto para governador, e n�o para presidente, de modo que seria imposs�vel o voto ser registrado para Bolsonaro.
Depois, acrescenta Pereira, uma resolu��o do TSE de dezembro de 2021 estabeleceu ser proibida "a divulga��o ou compartilhamento de fatos sabidamente inver�dicos ou gravemente descontextualizados que atinja a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de vota��o, apura��o e totaliza��o de votos".
Ainda segundo essa resolu��o, quem promover esse tipo de alega��o falsa contra o processo eleitoral poder� sofrer "apura��o de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunica��o". Isso significa que, al�m de poder enfrentar uma investiga��o criminal, tal pessoa pode ser processada na Justi�a Eleitoral.
Na vis�o de Casagrande Pereira, essa resolu��o foi um “recado” para os candidatos em 2022.
“Ent�o, eu diria que o Bolsonaro assumiu esse risco quando fez os movimentos que fez, inclusive a reuni�o com os embaixadores, que est� inserido num contexto de outras tantas vezes em que ele questionou o sistema de vota��o e totaliza��o e obteve sucesso”, nota o advogado.
“Sucesso no sentido de convencer as pessoas de que o sistema n�o � confi�vel. E era exatamente isso que o TSE queria impedir quando cassou o mandato do Francischini e quando adotou essa resolu��o”, continuou.
Decis�es preliminares do TSE relacionadas ao caso que ser� julgado tamb�m s�o um sinal ruim para Bolsonaro. Ainda em 2022, a Corte determinou que fossem retirados do ar os v�deos com a transmiss�o da reuni�o.
Tamb�m no ano passado, o tribunal multou o presidente em R$ 20 mil por considerar que o evento foi campanha eleitoral antecipada e feriu a resolu��o que pro�be ataques falsos ao sistema eleitoral.
Para V�nia Aieta, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Pol�tico (Abradep), a reuni�o com diplomatas no Pal�cio da Alvorada configura claro abuso de poder pol�tico.
“Nessa a��o, vejo possibilidades concretas e reais da condena��o do Bolsonaro”, avalia.
“Essa reuni�o de fato se configura abuso do poder pol�tico, na medida em que ele usa do papel dele de presidente, usa de toda a institucionalidade presidencial, para convocar o corpo diplom�tico e dizer, sem apresentar absolutamente nenhuma prova, que a Justi�a Eleitoral estaria fraudando as elei��es”, refor�a.
Aieta lembra que o pa�s j� teve situa��es de fraude eleitoral que levaram � anula��o de elei��es, mas todos os epis�dios anteriores � ado��o da urna eletr�nica (lan�ada em 1996).
Um caso, ela cita, ocorreu em 1994, quando a Justi�a Eleitoral refez a elei��o para deputados estaduais e federais no estado do Rio de Janeiro, ap�s os votos brancos terem ca�do para n�veis historicamente baixos, indicando uma falsifica��o de parte dos votos.
“Mas (a acusa��o de fraude de Bolsonaro) agora era uma mera ret�rica de desinforma��o, um mero est�mulo � cria��o de uma rede de desinforma��o que viria ent�o a servi�o de desacreditar o resultado eleitoral se n�o lhes fosse favor�vel”, destaca a professora.
4. Quem vai julgar Bolsonaro?

O TSE � formado por sete ministros titulares e a expectativa nos bastidores de Bras�lia � que o julgamento deve ter um placar de 5 a 2 ou 6 a 1 pela condena��o de Bolsonaro.
Das sete vagas titulares do TSE, tr�s sempre s�o ocupadas por ministros do STF, que cumprem mandatos de dois anos renov�veis por mais dois. Atualmente, s�o Alexandre de Moares, que preside o tribunal, C�rmen L�cia e Kassio Nunes.
Moraes tem adotado uma postura dura contra os ataques ao sistema eleitoral, e por isso acredita-se que votar� pela inelegibilidade de Bolsonaro. A expectativa � que C�rmen L�cia acompanhar� essa posi��o.
J� Kassio Nunes, indicado ao STF por Bolsonaro, � visto como um aliado do ex-presidente e pode ser o �nico voto contra a condena��o. Refor�a essa avalia��o o fato de que o ministro concedeu uma liminar suspendendo a cassa��o de Francischini pelo TSE, decis�o que depois foi derrubada pela maioria do Supremo.
Nessa liminar, Nunes citou “a preemin�ncia atribu�da pela Constitui��o de 1988 � livre circula��o de pensamentos, opini�es e cr�ticas com vistas ao fortalecimento do Estado Democr�tico de Direito e � pluraliza��o do ambiente eleitoral, cabendo � Justi�a Eleitoral interven��o m�nima, em primazia � liberdade de express�o”.
Outras duas vagas titulares do TSE s�o ocupadas por ministros do Supremo Tribunal de Justi�a (STJ), em mandatos de dois anos n�o renov�veis.
Um deles � Benedito Gon�alves, corregedor-geral eleitoral e relator da a��o. Ele � visto como alinhado a Moraes no TSE.
O outro � Raul Ara�jo, ministro de perfil conservador que j� tomou decis�es consideradas favor�veis a Bolsonaro, por exemplo, quando proibiu manifesta��es pol�ticas no Lollapalooza depois de artistas demonstrarem apoio a Lula na elei��o.
Entre juristas, por�m, h� d�vidas sobre qual ser� seu voto no caso.
E as outras duas vagas titulares do TSE s�o ocupadas por juristas vindos da advocacia — no momento, Floriano de Azevedo Marques e Andr� Ramos Tavares. Ambos foram nomeados em maio por Lula e s�o considerados pr�ximos a Moraes.