Seis meses atr�s, uma multid�o invadiu a pra�a dos Tr�s Poderes e destruiu s�mbolos da Rep�blica.
Nos dias seguintes ao 8 de janeiro, o pa�s se debru�ou sobre imagens de redes sociais e c�meras de seguran�a de Bras�lia para digerir diferentes �ngulos do epis�dio ins�lito: a convoca��o pelas redes sociais, o acampamento em frente ao QG do Ex�rcito, as falhas de seguran�a que permitiram a invas�o, o papel das For�as Armadas, a destrui��o de obras de arte e do patrim�nio p�blico.
Separadamente, cada um deles � uma janela para o que aconteceu naquele dia. Juntos, ajudam a entender como o 8 de janeiro se encaixa na hist�ria recente do pa�s e dialoga com quest�es ainda n�o equacionadas do processo de redemocratiza��o.
Por meio de entrevistas com testemunhas, especialistas em redes sociais, em rela��es internacionais e antropologia, a BBC News Brasil traz alguns dos fatores que ajudam a explicar os ataques.
O material tamb�m faz parte de um document�rio publicado nesta semana, que voc� pode assistir acima ou no canal da BBC News Brasil no Youtube.

1. Redes sociais
A funcion�ria p�blica Anna Carolina Rocha mora pr�ximo � Pra�a dos Cristais, o espa�o que foi ocupado pelo acampamento de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Bras�lia entre o fim das elei��es e o in�cio de janeiro de 2023.Ela passa por ali pelo menos uma vez por semana, quando est� a caminho do hospital universit�rio em que faz tratamento.
Rocha viu todas as fases do acampamento. Das primeiras barracas � chegada do com�rcio - de barbearia a lanchonete, segundo ela -, e a expans�o da estrutura.
Na madrugada entre 7 e 8 de janeiro, ela dirigia mais uma vez pela avenida do Ex�rcito quando uma movimenta��o at�pica chamou-lhe aten��o.
"Bem no meio da madrugada, tinha �nibus chegando, com gente descendo. No primeiro momento eu parei, olhei e pensei: 'Gente, isso s�o pessoas indo embora ou pessoas chegando?'"
Cerca de 4 mil pessoas desembarcaram em Bras�lia nos dias anteriores ao 8 de janeiro, respondendo a convoca��es que circularam nas redes sociais.

"A partir do dia 3 de janeiro a gente percebe que come�am a aparecer muitos v�deos de pessoas reunidas no QG fazendo uma convocat�ria para que outros manifestantes do Brasil inteiro fossem a Bras�lia para um grande ato", relata Luis Fakhouri, diretor de estrat�gia da Palver. A plataforma de escuta social monitorou 15 mil grupos de WhatsApp durante as elei��es, dentro da iniciativa montada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para combater a desinforma��o.
"No dia 5, isso se torna muito forte. Muitos v�deos sendo compartilhados, de �nibus chegando, de caravanas."
As redes sociais s�o um elemento importante no mosaico do 8 de janeiro.
Ainda que a opera��o Lesa P�tria da Pol�cia Federal indique que h� evid�ncias de que houve financiamento da estrutura que possibilitou os ataques e de que grupos espec�ficos os fomentaram, sem as redes sociais n�o haveria plataforma para que permitisse a organiza��o difusa dos atos.

2. Desinforma��o
As m�dias sociais tamb�m est�o ligadas a outro fator que ajuda a explicar aquele dia, o ganho de escala da desinforma��o.
Muita gente foi para Bras�lia acreditando que poderia reverter o resultado das elei��es.
O policial legislativo Adilson Paz, que esteve por tr�s horas em confronto com os invasores na C�mara dos Deputados, diz ter ouvido no Sal�o Verde da C�mara naquele dia que era preciso "chamar aten��o das For�as Armadas" para que elas pudessem decretar uma interven��o militar.
Essa ideia n�o nasceu no 8 de janeiro. Por mais de um ano, mensagens que circularam nas redes sociais espalharam a falsa ideia de que as urnas eletr�nicas n�o eram seguras e de que a Constitui��o, por meio de seu artigo 142, autorizaria uma interven��o militar em casos excepcionais para restabelecer a ordem.
Desde que a fake news do artigo 142 foi mencionada por Bolsonaro em uma reuni�o com ministros em 2020, constitucionalistas reiteram que em nenhum trecho ele autoriza uma interven��o militar. O STF inclusive j� se manifestou, em 2020, por meio de uma liminar declarando que os militares n�o t�m a prerrogativa de exercer a fun��o de poder moderador em um cen�rio de conflito entre Executivo, Legislativo e Judici�rio.
A cren�a na not�cia falsa ganha for�a, todavia, quando Bolsonaro deixou de reconhecer a derrota no segundo turno. Mais que isso, o sil�ncio do presidente alimenta outra fake news, a de que ele precisaria ficar calado por 72 horas, enquanto as pessoas fossem espontaneamente para as ruas, para que pudesse pedir uma interven��o militar sem ser acusado de tentativa de golpe.
Mesmo depois que o ent�o presidente se pronuncia, 40 horas depois do resultado, ele d� uma declara��o amb�gua: "Os atuais movimentos populares s�o fruto de indigna��o e sentimento de injusti�a de como se deu o processo eleitoral. As movimenta��es pac�ficas sempre ser�o bem vindas, mas os nossos m�todos n�o podem ser o da esquerda, que sempre prejudicaram a popula��o".
Quem fala sobre a transi��o de governo � o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, apenas depois de Bolsonaro deixar o local da coletiva de imprensa.
Todos esses ingredientes se misturam no caldo de cultura que levou bolsonaristas a fecharem rodovias pelo pa�s, acamparem em frente aos quart�is-generais do Ex�rcito e a depredarem patrim�nio p�blico em Bras�lia.
O uso das redes sociais para espalhar desinforma��o e engajar eleitores � um fen�meno deste s�culo 21. E isso vale para todo o espectro ideol�gico, ressalta Darren Linvill, professor da Universidade de Clemson, do Estado americano da Carolina do Sul, e pesquisador do Watt Family Innovation Center Media Forensics Hub.
"Acontece na extrema direita e na extrema esquerda, assim como no centro. Est� em toda parte."
Muitos movimentos de direita e extrema direita, contudo, acabaram se beneficiando do fato de terem sido os primeiros a explorar as redes sociais como plataforma para comunica��o pol�tica, pontua Lisa-Maria Neudert, pesquisadora do Oxford Internet Institute, ligado � Universidade de Oxford.
"Na Europa, os movimentos de extrema direita est�o entre os primeiros que olharam para as redes sociais. Quando os partidos pol�ticos come�aram a experimentar nesse mundo, tamb�m foram os partidos de direita - e acho que isso lhes deu enorme vantagem", avalia.
No Brasil, os estudos de an�lise descritiva sinalizam que o compartilhamento � maior entre grupos de direita e extrema direita, pontua o cientista social Tiago Ventura, p�s-doutorando no Center for Social Media and Politics da New York University.
Olhando especificamente para o bolsonarismo, o ecossistema de desinforma��o criado pelo movimento aparece de forma rudimentar nas elei��es de 2018 - com fake news como a do "kit gay" e da "mamadeira de piroca" - e vai se sofisticando nos anos seguintes, passando a misturar acontecimentos reais com informa��es falsas.

3. O avan�o do populismo de direita
Tudo isso dialoga com uma nova ascens�o global do conservadorismo e populismo de direita, que nas �ltimas duas d�cadas chegou ao poder em pa�ses como Hungria, Pol�nia, Estados Unidos, Israel, It�lia e Brasil.
Guardadas as particularidades, seus l�deres autorit�rios t�m em comum o fato de terem sido eleitos dentro das regras da democracia - sem, no entanto, trabalharem para fortalec�-las uma vez no poder.
Pelo contr�rio: muitos deles t�m promovido ou promoveram o enfraquecimento das institui��es democr�ticas, corroendo o sistema de dentro para fora. No exemplo pr�tico da Hungria e da Pol�nia, onde a direita populista est� no poder h� mais de dois mandatos, a promo��o de mudan�as pontuais e reiteradas nas leis que regem o Legislativo e o Judici�rio fragilizaram o equil�brio entre os tr�s poderes e t�m concentrado for�as em torno do Executivo.
Na vis�o de especialistas como Steven Levitsky (autor de Como as Democracias Morrem), essa � uma express�o central do autoritarismo do s�culo 21 e um risco � democracia.
E � por isso que, desde o 8 de janeiro, o mundo observa atento o caso brasileiro, diz Oliver Stuenkel, professor associado de Rela��es Internacionais na Funda��o Getulio Vargas (FGV):
"O Brasil � visto como um laborat�rio de movimentos radicais, sobretudo da extrema direita. O pa�s talvez seja um dos mais afetados pela dissemina��o de not�cias falsas por fake news, j� teve o segundo ciclo eleitoral profundamente afetado por not�cias falsas."
"O Brasil faz parte da onda de democratiza��o que aconteceu nos anos 90 com muitos outros pa�ses aqui na Am�rica Latina, mas tamb�m no leste europeu. O fracasso de um caso importante como o do Brasil seria p�ssima not�cia para muitas outras democracias na regi�o. � um sinal de que, depois de 30 anos, em v�rios sentidos, todas essas democracias ainda enfrentam v�rios desafios."

4. Polariza��o
O avan�o do populismo - de direita e esquerda - geralmente vem acompanhado de polariza��o social e pol�tica.
"Esses l�deres ganham poder e mant�m intenso apoio polarizando a sociedade", escreve a pesquisadora Rachel Kleinfeld, do Carnegie Endowment for International Peace, em um artigo publicado no �ltimo m�s de junho sobre os impactos do populismo de direita na economia.
� medida que transforma oponentes em inimigos e discord�ncias em valores inconcili�veis, o discurso populista divide a sociedade. No caso do populismo de direita do s�culo 21, a ret�rica � a de que o mundo � dominado por uma agenda de esquerda - que preza direitos humanos, direitos de pessoas LGBT e diretos reprodutivos das mulheres, por exemplo - contra a qual � preciso lutar para defender os valores da fam�lia tradicional e da religi�o.
Nas convoca��es para o 8 de janeiro, era frequente a mensagem de que os atos seriam um sacrif�cio necess�rio para evitar que o pa�s fosse "dominado pelo comunismo".
"Algumas das mensagens colocavam essa quest�o da urg�ncia: 'Essa � uma luta que tem que ser feita agora. Se a gente atrasar, a gente vai perder essa guerra e nossos filhos v�o pagar essa conta'. Ent�o tinha esse tom do imediatismo, esse medo do comunismo, medo do Brasil se tornar uma Venezuela", diz Fakhouri, da Palver.
A ideia da amea�a do comunismo desconsidera o fato de que os partidos de esquerda com maior expressividade na pol�tica brasileira n�o pregam essa ideologia pol�tica e de, como fen�meno pol�tico, o comunismo perdeu boa parte de sua relev�ncia desde a dissolu��o da Uni�o Sovi�tica em 1991.
Ainda assim, o fantasma do comunismo segue vivo entre muitos brasileiros. Uma pesquisa Datafolha divulgada no �ltimo dia 1º de julho mostrou que 52% acham que o Brasil corre o risco de se tornar comunista.
O discurso de Bolsonaro durante os quatro anos de governo - seja repetindo sem provas alega��es de fraudes nas urnas ou durante a pandemia, atacando as recomenda��es de cientistas e promovendo tratamentos sem efic�cia comprovada - contribuiu para dividir o pa�s, mas a polariza��o � anterior � sua elei��o.
Parte dela vem do antipetismo, um sentimento que, na defini��o do cientista pol�tico Glauco Peres, existia de forma difusa no eleitorado quando o Partido dos Trabalhadores (PT) era oposi��o e que vai se consolidando depois que a sigla ganha as elei��es presidenciais em 2002.
Um processo que atinge uma esp�cie de �pice entre 2014, quando � deflagrada a Opera��o Lava Jato, e 2018, no movimento que culmina na vit�ria de Bolsonaro.
O antipetismo � uma das for�as que ajudaram a eleg�-lo naquele ano. Entre os 57,7 milh�es de brasileiros que digitaram seu n�mero na urna, uma parte queria evitar um retorno do PT ao poder, ainda que n�o se entusiasmasse com suas propostas.
� o que indica a pesquisa Datafolha �s v�speras daquele segundo turno, que apontava que 54% dos eleitores n�o votariam de jeito nenhum em Fernando Haddad (PT), enquanto Bolsonaro era rejeitado por 41% dos entrevistados.

5. O acampamento
O pa�s segue rachado na elei��o de 2022. Lula vence com a margem mais estreita da hist�ria recente do pa�s, 50,9%, enquanto Bolsonaro atinge 49,1%.
Entre os 58 milh�es que votaram no capit�o reformado em 2022, uma parte, assim como em 2018, � antipetista. H� tamb�m aqueles que queriam reeleg�-lo pelo discurso liberal de seu ministro da Economia, alguns se identificavam com a pauta de costumes conservadora e outros, com a pr�pria figura do capit�o reformado.
"Essa minoria, algo que oscila entre 15% e 20% do momento em que ele foi eleito ao que ele sai, s�o aqueles que chamei em um artigo de 'bolsonaristas de cora��o'", diz Angela Alonso, livre-docente do departamento de sociologia da Universidade de S�o Paulo (USP).
"� um tipo de ades�o emotiva a esse l�der. E n�o acho que tem a ver com o fato de que ele est� produzindo algum tipo de lavagem cerebral ou qualquer coisa assim - � porque tem uma grande coincid�ncia de cren�as", avalia.
S�o essas, em sua maioria, as pessoas que v�o �s portas de quart�is por todo o pa�s quando Bolsonaro perde as elei��es em 30 de outubro de 2022, na cren�a de que convenceriam as For�as Armadas a decretar uma interven��o militar e mudar o resultado das urnas.
Fruto, de certa forma, dessa mistura entre redes sociais, desinforma��o, polariza��o pol�tica e fortalecimento do conservadorismo, o acampamento em frente ao QG do Ex�rcito vai se tornar um dos maiores do pa�s.
A BBC News Brasil conversou com dois jornalistas que frequentaram o espa�o disfar�ados desde os primeiros dias.
"Era uma �poca em que chovia muito em Bras�lia, ent�o as pessoas traziam lona pra conseguir dar suporte �s barracas. Depois come�aram a chegar as estruturas de alimenta��o, banheiros qu�micos, tenda, palco, gerador de energia", diz Ana, que pediu para ter o sobrenome suprimido devido a ataques que vem sofrendo na internet.
"Tinha uma estrutura muito grande. Foi quando a gente percebeu que ningu�m tinha ido pra passar um dia ou dois. Era de fato pra ficar. A gente s� n�o sabia at� quando e pra qu�."
A certa altura a estrutura passou a contar inclusive com uma "tenda de Youtubers", com computadores de edi��o grandes, c�meras e roteador de internet.
"Eles tinham uma rotina muito bem definidinha, com os hor�rios certos das refei��es. De manh� tinha um hor�rio do hino nacional, depois eles formavam pelot�es e marchavam como se fossem militares, cumprimentando os soldados que passavam. � tarde tinha o hor�rio em que todo mundo ia para onde os caminh�es estavam estacionados. � noite cantavam o hino da independ�ncia, da bandeira…", descreve Ana.
O acampamento foi o local onde desembarcaram as caravanas de �nibus que chegaram a Bras�lia nos dias anteriores ao 8 de janeiro e de onde partiu a marcha de quase 8 km at� a Pra�a dos Tr�s Poderes no dia dos ataques.
No relat�rio produzido pela equipe que assumiu a Secretaria de Seguran�a P�blica do Distrito Federal logo ap�s os ataques e que investigou as causas da insurrei��o, o acampamento � apontado como elemento-chave da trama.
"Havia estruturas montadas para apoio de refei��es e carro de som para dissemina��o de informa��es e coordena��o dos manifestantes, evidenciando que o acampamento, desde sua instala��o, foi elemento crucial para o desenvolvimento das a��es de perturba��o da ordem p�blica que culminaram nos atos do dia 08 de janeiro de 2023", diz o texto.
O documento, feito a partir de informa��es colhidas de �rg�os como o Gabinete da Secretaria de Seguran�a P�blica do DF, a Pol�cia Militar do DF, a Subsecretaria de Opera��es Integradas da SSP/DF e a Subsecretaria de Intelig�ncia da SSP/DF, lista diversas ocasi�es em que os acampados hostilizaram profissionais que estava no espa�o a trabalho, entre eles jornalistas, agentes da PF, um agente de vigil�ncia ambiental e agentes do DF Legal.
E aponta o envolvimento do grupo com uma s�rie de atos violentos em Bras�lia, entre eles a tentativa de invas�o do pr�dio da Pol�cia Federal em 12 de dezembro de 2022, com a promo��o de uma s�rie de atos de vandalismo, com queima de �nibus e ve�culos no Setor Hoteleiro Norte de Bras�lia.

6. Presen�a de grupos antidemocr�ticos nas For�as Armadas e nas pol�cias
O relat�rio tamb�m destaca as tentativas de desmontar a estrutura erguida na Pra�a dos Cristais pela PM do DF - e impedidas pelas For�as Armadas: "Desde o fim de 2022, ocorreram a��es planejadas com o intuito de desmobiliza��o do acampamento, por�m foram canceladas por fatores alheios �s for�as de seguran�a do Distrito Federal, sendo algumas opera��es interrompidas j� em andamento e com tropas da seguran�a p�blica no terreno, por orienta��o do Ex�rcito Brasileiro".
Ap�s os ataques, dois oficiais da PM do DF, o coronel Jorge Eduardo Naime Barreto e o ex-comandante F�bio Augusto Vieira, disseram em depoimentos que o Ex�rcito impediu pelo menos tr�s iniciativas nesse sentido.
Procuradas, as For�as Armadas n�o responderam aos pedidos de entrevista feitos pela reportagem. Em nota divulgada logo ap�s uma tentativa de remo��o dos acampados em 28 de dezembro, afirmaram que a ordem para interromper a a��o fora dada "no intuito de manter a ordem e a seguran�a de todos os envolvidos".
Assim como muitas das quest�es em torno do 8 de janeiro, o papel dos militares nos eventos ainda n�o est� claro.
N�o se sabe, por exemplo, porque o Gabinete de Seguran�a Institucional (GSI), �rg�o formado por militares e respons�vel pela seguran�a do Planalto, dispensou o refor�o de 36 homens do Batalh�o da Guarda Presidencial horas antes dos ataques - quando as �reas de intelig�ncia do governo j� sabiam da chegada de caravanas bolsonaristas a Bras�lia. As informa��es foram reveladas pelo jornal O Estado de S�o Paulo.
Meses ap�s os ataques, em abril, imagens vazadas das c�meras de seguran�a do Pal�cio mostraram o general Gon�alves Dias, nomeado por Lula como ministro-chefe do GSI, ao lado de invasores no andar do gabinete presidencial no Planalto. Dias, que se tornaria o primeiro ministro do governo Lula a cair, e membros do GSI foram acusados de ajudar os invasores. Ele nega e afirma que estava evitando estragos e encaminhando os invasores para serem presos.
Tamb�m ainda precisa ser esclarecido porque o ex-secret�rio de Seguran�a P�blica do DF, Anderson Torres - tamb�m ex-ministro da Justi�a de Bolsonaro -, e o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, tinham posse de minutas de decretos para intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e reverter o resultado das elei��es.
Em depoimento, Torres afirmou que o documento seria descart�vel e sem viabilidade jur�dica e que n�o teria sido ele a coloc�-lo em uma pasta na estante de sua casa.
No caso de Mauro Cid, que est� preso e deve depor na pr�xima semana na Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPMI) do 8 de janeiro, a per�cia feita pela Pol�cia Federal em seu aparelho telef�nico revelou, al�m da minuta, conversas com teor golpista com outros oficiais do Ex�rcito.
Nesse sentido, uma das reflex�es centrais sobre aquele dia gira em torno das For�as Armadas. Elas est�o diretamente ligadas � imagem de Bolsonaro como candidato, fizeram parte de seu governo e s�o mais influentes na vida civil e pol�tica do Brasil do que na maioria dos pa�ses com democracias est�veis.
"O 8 de janeiro reflete, claramente, a presen�a de correntes antidemocr�ticas nas For�as Armadas, na Pol�cia Militar", avalia Stuenkel.
"Aquilo mostra uma realidade que acho que alguns n�o queriam acreditar ou aceitar ao longo das �ltimas d�cadas - que uma parte das For�as Armadas e da pol�cia no Brasil n�o aceita o controle civil, que � um ingrediente fundamental de qualquer democracia", completa.
O Brasil viveu sob uma ditadura militar por 21 anos ap�s o golpe de Estado de 1964. Desde 1985, o pa�s vem costurando a redemocratiza��o - um processo que, tanto para Stuenkel quanto para Alonso, ainda � um trabalho em constru��o.
Stuenkel lembra que, desde a Constituinte, os movimentos para consolidar o controle civil sobre as For�as Armadas enfrentaram "muita resist�ncia dos generais".
Um desses momentos, ele exemplifica, foi a cria��o do Minist�rio da Defesa em 1999, � qual os militares se opuseram. O mesmo aconteceu com a Comiss�o da Verdade, formada em 2011 para apurar as graves viola��es aos direitos humanos cometidas durante a ditadura.
"Sempre h� resist�ncia por parte das For�as Armadas, se opondo a um processo natural que acontece em todas as democracias consolidadas. Quem manda na For�a Armadas � um civil - o presidente, o ministro da Defesa", acrescenta.
Para a pesquisadora Angela Alonso, ainda hoje o pa�s convive com um "passivo que vem da ditadura". Uma gera��o de militares, ela argumenta, que � remanescente daquele per�odo e que carrega a ideia de que o melhor Estado � autorit�rio.
O pr�prio Bolsonaro, que come�ou a carreira militar em 1977, depois de se formar na Academia Militar das Agulhas Negras, faz parte desse grupo.
A quest�o das vis�es antidemocr�ticas, contudo, vai al�m dos oficiais mais antigos, argumenta a estudiosa.
"H� tamb�m uma nova gera��o formada nessa perspectiva. E acho isso existe no Ex�rcito, na pol�cia. E isso n�o � algo de solu��o nem r�pida, nem simples", completa.

7. Apag�o na seguran�a
No caso da pol�cia, as imagens de agentes supostamente tirando selfies, socializando com os invasores e permitindo-lhes a entrada nos pr�dios do governo inundaram as redes sociais no domingo de 8 de janeiro.
Logo ap�s os ataques, a Corregedoria da Pol�cia Militar do DF instaurou pelo menos 6 inqu�ritos para apurar a conduta desses profissionais e a omiss�o de comandantes. No in�cio de fevereiro, quatro PMs foram presos. A reportagem procurou a PMDF, que n�o respondeu ao pedido de entrevista.
A poss�vel complac�ncia de alguns agentes naquele dia � uma das falhas de seguran�a que permitiram que a Pra�a dos Tr�s Poderes fosse invadida e que o patrim�nio p�blico fosse depredado.
H� tamb�m o fato de que o efetivo policial de plant�o naquele dia - menos de 400 policiais militares e 30 policiais legislativos - era muito menor do que o mobilizado para a posse uma semana antes e insuficiente para fazer frente � quantidade de pessoas que desembarcou em Bras�lia para o ato marcado para 8 de janeiro.
Hoje sabe-se que as autoridades estavam cientes sobre a possibilidade de manifesta��es. �s 10h da manh� do dia 6 de janeiro, representantes de pelo menos 10 �rg�os haviam se encontrado para planejar o esquema de seguran�a do domingo, como aponta o relat�rio produzido pela equipe de interven��o no DF.
A ata da reuni�o mostra que os comandantes da seguran�a tinham percep��es diferentes sobre o risco de manifesta��es. Enquanto um diz que n�o havia consenso sobre o alcance das convoca��es, que havia inconsist�ncia sobre o deslocamento de caravanas para Bras�lia, outros se mostram mais preocupados, inclusive com o risco de a��es violentas isoladas.
Como Bras�lia � uma cidade com status especial, o Distrito Federal, o planejamento de seguran�a para manifesta��es � particular: envolve tanto �rg�os ligados ao Minist�rio da Justi�a quanto a Secretaria de Seguran�a P�blica do DF, com compet�ncia estadual.
Naquele momento, o governador era Ibaneis Rocha e seu secret�rio de seguran�a, Anderson Torres, que assumiu o cargo em 2 de janeiro e logo depois viajou de f�rias aos Estados Unidos.
Antes de deixar o Brasil, o ex-ministro de Bolsonaro exonerou dois funcion�rios que ocupavam cargos centrais na estrutura de planejamento e coordena��o da pasta: o Secret�rio Executivo de Seguran�a P�blica e o Subsecret�rio de Intelig�ncia. Eles foram substitu�dos, respectivamente, por Fernando de Sousa Oliveira e Mar�lia Ferreira Alencar, as �nicas pessoas que Torres, em depoimento, disse ter trazido de sua antiga equipe do Minist�rio da Justi�a para ocupar fun��es de relev�ncia na secretaria.
Ele foi preso em janeiro, por suposta omiss�o nos atos golpistas, solto em maio e segue sendo investigado no inqu�rito que investiga o 8 de janeiro. Na ocasi�o da soltura, seu advogado afirmou que ele iria "cooperar para que se esclare�a o mais breve poss�vel os fatos que levaram �queles odiosos atos de 8 de janeiro".
Da reuni�o do dia 6 de janeiro saiu um protocolo de a��es integradas, documento que divide tarefas e atribui��es a cada um dos �rg�os respons�veis pela seguran�a no planejamento para manifesta��es.
"O protocolo n�o � s� um papel onde voc� coloca as decis�es que foram consensuadas, assina e pronto. N�o � s� criar um foguete, � preciso monitor�-lo, caso contr�rio ele n�o sai do ch�o", destaca T�nia Pinc, pesquisadora associada do Laborat�rio de An�lise da Viol�ncia da Uerj e major da reserva da PM de S�o Paulo, na qual trabalhou por 25 anos.
"� muito prov�vel que grande parte do que estava previsto no protocolo n�o tenha sido colocado em pr�tica. E isso � um problema no fluxo de comunica��o", acrescenta.
Ela explica que o planejamento das opera��es para manifesta��es geralmente acontece no m�dio escal�o dos �rg�os de seguran�a. E aqui h� dois pontos-chave: a predi��o do risco, ou seja, entender o grau de amea�a que o evento representa, e o di�logo com o alto escal�o para que se possa estabelecer uma comunica��o entre diferentes ag�ncias envolvidas e coordenar as opera��es.
"� importante levar em considera��o que tudo isso est� acontecendo dentro de um contexto de transi��o de governo. Ent�o, o que pode ter acontecido que acabou interrompendo ou descontinuando esse fluxo de comunica��o?"
A reportagem levou essa pergunta ao ministro da Justi�a, Fl�vio Dino, que estava trabalhando em Bras�lia no 8 de janeiro e chegou a seu gabinete, de frente para a Pra�a dos Tr�s Poderes, por volta de tr�s da tarde.
Ele diz que vinha dialogando sobre a possibilidade de manifesta��es com o governador Ibaneis Rocha e que, pela comunica��o, acreditava que a prepara��o seria similar � que havia sido feita para a posse.
"Houve relatos do ent�o secret�rio de Seguran�a em exerc�cio no Distrito Federal ao governador, e o governador me passava no sentido de que tudo estava planejado, organizado, que n�o havia risco", afirma.
Parte desse di�logo foi registrado pelo ministro em suas redes sociais, inclusive um of�cio alertando o governador Ibaneis Rocha sobre "intensa movimenta��o de pessoas que, inconformadas com o resultado das Elei��es 2022, est�o organizando caravanas de �nibus para se deslocarem at� Bras�lia", postado em suas redes sociais na v�spera da invas�o.
O governador tamb�m se manifestou publicamente no s�bado, e, em entrevista, disse apenas que a manifesta��o no domingo estaria liberada desde que fosse "pac�fica".
Depois de ficar 64 dias afastado, Ibaneis Rocha foi reconduzido ao cargo em mar�o e � investigado no inqu�rito que apura as responsabilidades pelo que aconteceu naquele domingo.
A BBC News Brasil o procurou para uma entrevista, e um de seus advogados respondeu dizendo que ele n�o se manifestaria.

Saldos e ecos
O Brasil ainda vai falar sobre o 8 de janeiro e refletir sobre seu significado por muito tempo. As centenas de pessoas presas por suposto envolvimento com a invas�o ainda aguardam julgamento, e a Pol�cia Federal segue investigando as eventuais neglig�ncias, falhas, omiss�es, erros e crimes que permitiram os ataques.
Instalada em maio, a CPMI do 8 de janeiro se estender� pelo menos por seis meses e o PL das Fake News, colocado em pauta como uma resposta ao papel das redes sociais e da desinforma��o naquele dia, continua tramitando.
A quest�o do tensionamento entre o governo e os militares, por sua vez, parece longe de ser equacionada. Um sinal recente veio do desfecho de uma longa disputa entre o GSI e a Secretaria Extraordin�ria de Seguran�a Presidencial, formada majoritariamente por policiais federais. Frustrando a c�pula da PF - e aqueles que defendiam um comando civil da seguran�a presidencial -, Lula devolveu a coordena��o ao GSI no fim do m�s de junho.