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Estado de Minas RELA��ES INTERNACIONAIS

Lula vai a Cuba em crise com miss�o de reaver empr�stimo do BNDES para porto de Mariel

Presidente brasileiro vai prestigiar na ilha reuni�o do G77, em aceno a pa�ses do Sul Global, enquanto governo vai propor reescalonar d�vida de financiamento para Porto de Mariel que deixou de ser pago pela ilha em 2018. Pa�s caribenho atravessa maior crise econ�mica em 65 anos, avaliam economistas


14/09/2023 06:06 - atualizado 14/09/2023 08:12
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Porto de Mariel, em Cuba
Porto de Mariel, em Cuba (foto: Sarah L. Voisin/The Washington Post/Getty Images)

“Quando a Uni�o Sovi�tica colapsou, no in�cio dos anos 1990, foi um tombo enorme para Cuba. Agora, por�m, � muito pior. � como se Cuba estivesse rolando uma escada cuja fim n�o se vislumbra”.

A defini��o foi dada � BBC News Brasil por um economista da Universidade de Havana que pediu anonimato pela sensibilidade pol�tica do assunto. A opini�o, por�m, est� longe de ser pol�mica entre analistas da economia cubana.

Em 2023, eles dizem, o pa�s est� mergulhado na maior crise econ�mica desde a vit�ria da revolu��o comunista liderada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, em 1959.

E � neste contexto que o presidente brasileiro Luiz In�cio Lula da Silva desembarcar� em Havana nesta sexta-feira, dia 15, para uma visita de cerca de 48 horas. Antes de abrir a Assembleia Geral da ONU em Nova York pela oitava vez na vida, - e a primeira em seu terceiro mandato – na semana que vem, o l�der brasileiro discursar� no G77+China, um f�rum de mais de cem pa�ses do chamado Sul Global que Havana sediar�.

Cuba ser a anfitri� do evento no s�bado veio a calhar para Lula, que aproveitar� a passagem em Havana para reaquecer rela��es pol�ticas que ficaram praticamente congeladas nos �ltimos anos e, especialmente, reabrir as negocia��es com os cubanos para que eles retomem o pagamento de uma d�vida bilion�ria que t�m com o Brasil pelo financiamento da obra do ic�nico Porto de Mariel.

San��es, pandemia, infla��o

A Cuba que Lula visitar� enfrenta uma esp�cie de tempestade perfeita que tem levado � inseguran�a alimentar de boa parte da popula��o.%u202FProdutos b�sicos, como um �nico lim�o, podem custar valores extorsivos para os habitantes da ilha, como o equivalente a R$ 2,50.

“Antes, era dif�cil fazer o sal�rio chegar ao final do m�s. Mas isso era quando est�vamos bem. Agora o sal�rio acaba na primeira semana”, relatou � BBC News Brasil um cubano de Havana prefere n�o ser identificado.

Os desabafos sobre as duras condi��es financeiras no pa�s se multiplicam quando a reportagem comenta sobre o assunto em uma mesa de restaurante com alguns cubanos.

“A popula��o agora precisa escolher: ou vai comer, ou vai colocar gasolina ou vai pagar o SIM card com 4G”, diz um outro. O homem faz men��o a uma das mudan�as recentes no pa�s, a populariza��o da conex�o � internet via redes de celulares, que relegou ao passado as famosas cenas de centenas de cubanos aglomerados ao redor de hot�is para se conectar � web, usando os sinais que at� meados dos anos 2010 eram quase exclusividade destes empreendimentos.

Motoristas fazem fila para abastecer perto de um posto de gasolina em Havana, em 24 de abril de 2023
Motoristas fazem fila para abastecer perto de um posto de gasolina em Havana, em 24 de abril de 2023 (foto: Getty Images)

Mas o que explica a profunda crise cubana?

Primeiro, Cuba enfrentou o recrudescimento de uma s�rie de san��es americanas impostas pelo governo republicano de Donald Trump, que voltou a adotar a pol�tica de m�xima press�o econ�mica sobre a ilha depois do maior relaxamento nas rela��es entre Estados Unidos e Cuba em d�cadas, na gest�o do democrata Barack Obama.%u202F

Depois, a pandemia de covid-19 derrubou o turismo na ilha, uma das principais fontes do produto interno bruto cubano. Se, em 2019, 4,2 milh�es de turistas visitaram o pa�s, agora Cuba patina para atrair ao menos metade deste n�mero de volta a seus resorts estatais.

O governo da ilha adotou restri��es duras e longas � entrada de estrangeiros no pa�s por um longo per�odo, algo parecido com o que faz a China, e agora enfrenta as dificuldades de retomar o ritmo na ind�stria hoteleira.

E, mais recentemente, a guerra na Ucr�nia fez explodir os custos de alimentos e de energia no mercado internacional - ao qual Cuba tem que recorrer,%u202F j� que sua produ��o local � insuficiente.%u202F


Bandeira de cuba desenhada em parte de porto marítimo
(foto: Getty Images)

Diante da necessidade de capital de giro, o governo comunista de Miguel Diaz-Canel acaba de impor limite aos saques dos cubanos �s suas contas banc�rias, mesmo quando h� dinheiro dispon�vel.

O resultado � que o dinheiro sumiu do sistema banc�rio: boa parte da popula��o t�m optado por guardar os recursos em casa. E o c�mbio negro do d�lar explodiu.

Como resultado, a ilha viu um �xodo hist�rico: apenas em 2022, 306 mil cubanos foram encontrados por agentes de migra��o americanos atravessando a fronteira sul dos Estados Unidos com M�xico - isso equivale a mais de 2% de toda a popula��o de Cuba.

H� dois meses, o ministro da Economia e Planejamento, Alejandro Gil, fez um discurso no qual n�o escondeu a situa��o. Lamentou o quanto a infla��o “afeta o povo”, revelando que em maio a alta de pre�os tinha alcan�ado 45% em rela��o a maio de 2022.

Tamb�m admitiu que a entrada de turistas era 20% menor que a esperada no primeiro semestre e que a proje��o do PIB, de crescimento de 1,8% para 2023, era insuficiente porque a ilha ainda estava oito pontos percentuais abaixo do n�vel econ�mico pr�-pand�mico.

Em meio � escassez e as dificuldades, Cuba se viu rec�m-envolvida em um esc�ndalo: uma rede russo-cubana estaria cooptando cubanos - radicados na R�ssia ou n�o - para atuar como soldados mercen�rios na guerra da Ucr�nia.

O governo cubano reagiu com energia � revela��o: h� 6 dias, 17 pessoas foram presas na ilha por rela��o com o caso de tr�fico de pessoas para o front.

O governo de Diaz-Canel reafirmou que o pa�s “n�o � parte do conflito b�lico na Ucr�nia” e acusou os operadores da a��o de mancharem a imagem de Cuba.

G77: Uma agenda positiva para Cuba

Isolada pelas san��es americanas e fortemente dependente da China e da R�ssia, a Cuba de Diaz-Canel viu na realiza��o da C�pula do G77+China uma chance de atrair uma centena de delega��es de pa�ses estrangeiros � ilha e projetar para o mundo uma agenda positiva em meio ao caos econ�mico.

Nem o l�der chin�s Xi Jinping nem o l�der russo Vladimir Putin s�o esperados no encontro, que durar� dois dias.

Al�m de Lula, confirmaram presen�a os presidentes da Col�mbia, Gustavo Petro, da Argentina, Alberto Fern�ndez, da Venezuela, Nicolas Maduro, de Angola, Jos� Louren�o, da Mong�lia, Khurelsukh Ukhnaa, entre outros l�deres do chamado Sul Global. Tamb�m comparecer� o Secret�rio Geral da ONU, Ant�nio Guterres.

Embora este seja um grupo antigo, criado nos anos 1960, e numeroso, com mais de cem pa�ses em desenvolvimento, o G77 n�o � tido como influente nos destinos da geopol�tica mundial.%u202F

Mas para o projeto internacional de Lula, de liderar o Sul Global e propor reformas em mecanismos multilaterais, a participa��o no f�rum fazia sentido.

Segundo dois auxiliares do presidente, o G77 costuma funcionar como espa�o de consenso entre pa�ses mais pobres para tentar influenciar em algumas �reas da ONU, como as discuss�es sobre mudan�a clim�tica e meio ambiente, que interessam especialmente ao Brasil.%u202F

Al�m disso, para a diplomacia brasileira atual, depois de Lula sentar � mesa dos pa�ses ricos ao longo de todo o ano - como no encontro do G7, no Jap�o, do G20, na �ndia, da Celac com a Uni�o Europeia, na Fran�a, e do pr�prio BRICS, na �frica do Sul, faltava ao presidente brasileiro fazer um aceno espec�fico aos pa�ses mais � margem do poder.


O ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodriguez (à esquerda), fala durante entrevista coletiva sobre a Cúpula do G-77 + China na inauguração da sala de imprensa em Havana, em 13 de setembro de 2023
O ministro das Rela��es Exteriores de Cuba, Bruno Rodriguez (� esquerda), fala durante entrevista coletiva sobre a C�pula do G-77 + China na inaugura��o da sala de imprensa em Havana, em 13 de setembro de 2023 (foto: Getty Images)

Balan�a comercial e empr�stimo do BNDES

Para Lula tamb�m foi conveniente que Cuba fosse a anfitri� deste encontro.

Depois de sete anos sem representante diplom�tico do mais alto n�vel no pa�s comunista, o Brasil voltou a ter um embaixador na ilha h� dois meses e tenta reaquecer rela��es pol�ticas e econ�micas.%u202F

O Brasil j� chegou a estar entre os tr�s maiores parceiros comerciais de Cuba e o com�rcio bilateral entre os dois pa�ses atingiu o patamar dos 650 milh�es de d�lares no in�cio dos anos 2010.%u202F

No in�cio dos anos 2020, no entanto, o fluxo de trocas despencou para menos de um ter�o disso, em torno de 180 milh�es de d�lares.%u202F

Politicamente, as tens�es tamb�m se acumularam. Cuba retirou �s pressas milhares de m�dicos do Brasil no fim de 2018, quando o ent�o presidente eleito Jair Bolsonaro condicionou a atua��o dos profissionais cubanos no programa Mais M�dicos a novas regras - como o fim da remessa salarial dos m�dicos ao governo de Cuba.

O fim do contrato de presta��o de servi�os m�dicos com o Brasil representou um tombo equivalente � perda de%u202Ftoda exporta��o anual de charutos para o PIB cubano – mais de R$1 bilh�o.%u202F

E ainda no governo Bolsonaro, pela primeira vez na hist�ria, o Brasil se posicionou favoravelmente ao embargo dos EUA em Cuba no �mbito da ONU - posi��o compartilhada apenas com os pr�prios americanos e com Israel.

Mas o tema mais candente da reuni�o bilateral entre Lula e Diaz-Canel, a ser realizada no pr�ximo s�bado, 16, deve ser a reabertura de negocia��es para que Cuba volte a pagar as parcelas do financiamento de US$ 658 milh�es dado pelo BNDES para a reformula��o do Porto Mariel.%u202F

A obra, tocada pela empreiteira brasileira Odebrecht, prometia terminais portu�rios t�o modernos quanto os do Canal do Panam� e uma zona capitalista especial para implanta��o de empresas nos moldes da adotada pela China.

Parte do empresariado brasileiro se animou com a possibilidade de ter no porto um entreposto privilegiado para neg�cios com o Caribe e os Estados Unidos.%u202F

At� a Fiesp, federa��o da ind�stria paulista, chegou a apoiar publicamente o projeto, citando justamente o potencial de exporta��o do empreendimento.

Mas, a partir do segundo semestre de 2018, Cuba deixou de pagar o empr�stimo. O acumulado da d�vida chega a estimados R$ 2 bilh�es, e o assunto virou um dos maiores pontos de disputa pol�tica entre esquerda e direita no Brasil nos �ltimos anos.

Em postagens virais de internet, Lula foi acusado de - por afinidades ideol�gicas - optar por construir um porto em Cuba em vez de investir o dinheiro para “erguer 120 hospitais no Brasil”.%u202F

Em outubro de 2022, durante a campanha eleitoral presidencial, o ent�o presidente Jair Bolsonaro disse que “em Belo Horizonte n�o tem metr�, mas dinheiro nosso do BNDES, Lula mandou para Caracas, capital da Venezuela, l� tem um metr� maravilhoso.

Mostrar para a popula��o que o dinheiro do BNDES para fazer o Porto de Mariel, em Cuba, Cuba se comprometeu em n�o pagando o empr�stimo, n�o pagou, nos ressarcir em charutos, isso � um deboche".


Lula em discurso de apresentação de Aloizio Mercadante como presidente do BNDES, em fevereiro de 2023
Lula em discurso de apresenta��o de Aloizio Mercadante como presidente do BNDES, em fevereiro de 2023 (foto: Getty Images)

Tr�s auxiliares de Lula me disseram que o uso pol�tico pelos advers�rios da direita do tema dos empr�stimos n�o pagos tornou a recupera��o dos valores uma meta para Lula em seu terceiro mandato.

Dos 15 pa�ses que contra�ram empr�stimos com o BNDES na gest�o do petista, apenas Cuba, Venezuela e Mo�ambique n�o quitaram seus contratos.%u202F

No caso de Cuba, as condi��es especiais do contrato firmado - com o dobro de prazo para quita��o em rela��o aos demais pa�ses contemplados%u202F e a aceita��o de garantias dadas em conta corrente cubana e em charutos - tamb�m geraram questionamentos sobre poss�veis favorecimentos pol�ticos ao regime cubano, o que o petista sempre negou.

Agora, dizem integrantes do governo, Lula deve propor um reescalonamento da d�vida, para que Cuba possa recome�ar a pagar seu d�bito aos poucos, com prazos mais el�sticos, em parcelas mais suaves. N�o se cogita do lado brasileiro, por�m, um perd�o financeiro aos cubanos.%u202F

Outra op��o levantada por um diplomata brasileiro seria que o pagamento fosse feito por meio da cess�o do controle ao Brasil de parte das opera��es do Porto Mariel.

Um diplomata s�nior que conhece de perto a hist�ria do terminal portu�rio afirma que depois de viabilizar o porto, cuja constru��o foi conclu�da em 2015, “o Brasil virou as costas e foi embora, e europeus e asi�ticos s�o os que t�m usufru�do da infraestrutura criada com recursos brasileiros para fazer com�rcio na regi�o”.

Depois da visita presidencial, o Brasil espera inaugurar um di�logo t�cnico entre o Minist�rio da Fazenda brasileiro e o departamento financeiro de Cuba para avaliar condi��es e possibilidades de quita��o do empr�stimo.

Mas, considerando a condi��o financeira de Cuba, n�o se espera um pagamento completo e r�pido ao BNDES. O pr�prio governo brasileiro reconhece a dificuldade do momento e diz que n�o tomar� qualquer a��o draconiana em rela��o � Cuba.

Para o governo Lula, no entanto, � preciso retomar espa�os no pa�s, incluindo as exporta��es, at� para permitir que o pa�s melhore de condi��es a ponto de pagar a d�vida.%u202FNovas obras de infraestrutura est�o descartadas, at� porque o Brasil n�o poderia voltar a fazer financiamentos enquanto o governo cubano estiver inadimplente.


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