
“Quando a Uni�o Sovi�tica colapsou, no in�cio dos anos 1990, foi um tombo enorme para Cuba. Agora, por�m, � muito pior. � como se Cuba estivesse rolando uma escada cuja fim n�o se vislumbra”.
A defini��o foi dada � BBC News Brasil por um economista da Universidade de Havana que pediu anonimato pela sensibilidade pol�tica do assunto. A opini�o, por�m, est� longe de ser pol�mica entre analistas da economia cubana.
Em 2023, eles dizem, o pa�s est� mergulhado na maior crise econ�mica desde a vit�ria da revolu��o comunista liderada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, em 1959.
E � neste contexto que o presidente brasileiro Luiz In�cio Lula da Silva desembarcar� em Havana nesta sexta-feira, dia 15, para uma visita de cerca de 48 horas. Antes de abrir a Assembleia Geral da ONU em Nova York pela oitava vez na vida, - e a primeira em seu terceiro mandato – na semana que vem, o l�der brasileiro discursar� no G77+China, um f�rum de mais de cem pa�ses do chamado Sul Global que Havana sediar�.
Cuba ser a anfitri� do evento no s�bado veio a calhar para Lula, que aproveitar� a passagem em Havana para reaquecer rela��es pol�ticas que ficaram praticamente congeladas nos �ltimos anos e, especialmente, reabrir as negocia��es com os cubanos para que eles retomem o pagamento de uma d�vida bilion�ria que t�m com o Brasil pelo financiamento da obra do ic�nico Porto de Mariel.
San��es, pandemia, infla��o
A Cuba que Lula visitar� enfrenta uma esp�cie de tempestade perfeita que tem levado � inseguran�a alimentar de boa parte da popula��o.%u202FProdutos b�sicos, como um �nico lim�o, podem custar valores extorsivos para os habitantes da ilha, como o equivalente a R$ 2,50.
“Antes, era dif�cil fazer o sal�rio chegar ao final do m�s. Mas isso era quando est�vamos bem. Agora o sal�rio acaba na primeira semana”, relatou � BBC News Brasil um cubano de Havana prefere n�o ser identificado.
Os desabafos sobre as duras condi��es financeiras no pa�s se multiplicam quando a reportagem comenta sobre o assunto em uma mesa de restaurante com alguns cubanos.
“A popula��o agora precisa escolher: ou vai comer, ou vai colocar gasolina ou vai pagar o SIM card com 4G”, diz um outro. O homem faz men��o a uma das mudan�as recentes no pa�s, a populariza��o da conex�o � internet via redes de celulares, que relegou ao passado as famosas cenas de centenas de cubanos aglomerados ao redor de hot�is para se conectar � web, usando os sinais que at� meados dos anos 2010 eram quase exclusividade destes empreendimentos.

Mas o que explica a profunda crise cubana?
Primeiro, Cuba enfrentou o recrudescimento de uma s�rie de san��es americanas impostas pelo governo republicano de Donald Trump, que voltou a adotar a pol�tica de m�xima press�o econ�mica sobre a ilha depois do maior relaxamento nas rela��es entre Estados Unidos e Cuba em d�cadas, na gest�o do democrata Barack Obama.%u202F
Depois, a pandemia de covid-19 derrubou o turismo na ilha, uma das principais fontes do produto interno bruto cubano. Se, em 2019, 4,2 milh�es de turistas visitaram o pa�s, agora Cuba patina para atrair ao menos metade deste n�mero de volta a seus resorts estatais.
O governo da ilha adotou restri��es duras e longas � entrada de estrangeiros no pa�s por um longo per�odo, algo parecido com o que faz a China, e agora enfrenta as dificuldades de retomar o ritmo na ind�stria hoteleira.
E, mais recentemente, a guerra na Ucr�nia fez explodir os custos de alimentos e de energia no mercado internacional - ao qual Cuba tem que recorrer,%u202F j� que sua produ��o local � insuficiente.%u202F

Diante da necessidade de capital de giro, o governo comunista de Miguel Diaz-Canel acaba de impor limite aos saques dos cubanos �s suas contas banc�rias, mesmo quando h� dinheiro dispon�vel.
O resultado � que o dinheiro sumiu do sistema banc�rio: boa parte da popula��o t�m optado por guardar os recursos em casa. E o c�mbio negro do d�lar explodiu.
Como resultado, a ilha viu um �xodo hist�rico: apenas em 2022, 306 mil cubanos foram encontrados por agentes de migra��o americanos atravessando a fronteira sul dos Estados Unidos com M�xico - isso equivale a mais de 2% de toda a popula��o de Cuba.
H� dois meses, o ministro da Economia e Planejamento, Alejandro Gil, fez um discurso no qual n�o escondeu a situa��o. Lamentou o quanto a infla��o “afeta o povo”, revelando que em maio a alta de pre�os tinha alcan�ado 45% em rela��o a maio de 2022.
Tamb�m admitiu que a entrada de turistas era 20% menor que a esperada no primeiro semestre e que a proje��o do PIB, de crescimento de 1,8% para 2023, era insuficiente porque a ilha ainda estava oito pontos percentuais abaixo do n�vel econ�mico pr�-pand�mico.
Em meio � escassez e as dificuldades, Cuba se viu rec�m-envolvida em um esc�ndalo: uma rede russo-cubana estaria cooptando cubanos - radicados na R�ssia ou n�o - para atuar como soldados mercen�rios na guerra da Ucr�nia.
O governo cubano reagiu com energia � revela��o: h� 6 dias, 17 pessoas foram presas na ilha por rela��o com o caso de tr�fico de pessoas para o front.
O governo de Diaz-Canel reafirmou que o pa�s “n�o � parte do conflito b�lico na Ucr�nia” e acusou os operadores da a��o de mancharem a imagem de Cuba.
G77: Uma agenda positiva para Cuba
Isolada pelas san��es americanas e fortemente dependente da China e da R�ssia, a Cuba de Diaz-Canel viu na realiza��o da C�pula do G77+China uma chance de atrair uma centena de delega��es de pa�ses estrangeiros � ilha e projetar para o mundo uma agenda positiva em meio ao caos econ�mico.
Nem o l�der chin�s Xi Jinping nem o l�der russo Vladimir Putin s�o esperados no encontro, que durar� dois dias.
Al�m de Lula, confirmaram presen�a os presidentes da Col�mbia, Gustavo Petro, da Argentina, Alberto Fern�ndez, da Venezuela, Nicolas Maduro, de Angola, Jos� Louren�o, da Mong�lia, Khurelsukh Ukhnaa, entre outros l�deres do chamado Sul Global. Tamb�m comparecer� o Secret�rio Geral da ONU, Ant�nio Guterres.
Embora este seja um grupo antigo, criado nos anos 1960, e numeroso, com mais de cem pa�ses em desenvolvimento, o G77 n�o � tido como influente nos destinos da geopol�tica mundial.%u202F
Mas para o projeto internacional de Lula, de liderar o Sul Global e propor reformas em mecanismos multilaterais, a participa��o no f�rum fazia sentido.
Segundo dois auxiliares do presidente, o G77 costuma funcionar como espa�o de consenso entre pa�ses mais pobres para tentar influenciar em algumas �reas da ONU, como as discuss�es sobre mudan�a clim�tica e meio ambiente, que interessam especialmente ao Brasil.%u202F
Al�m disso, para a diplomacia brasileira atual, depois de Lula sentar � mesa dos pa�ses ricos ao longo de todo o ano - como no encontro do G7, no Jap�o, do G20, na �ndia, da Celac com a Uni�o Europeia, na Fran�a, e do pr�prio BRICS, na �frica do Sul, faltava ao presidente brasileiro fazer um aceno espec�fico aos pa�ses mais � margem do poder.

Balan�a comercial e empr�stimo do BNDES
Para Lula tamb�m foi conveniente que Cuba fosse a anfitri� deste encontro.
Depois de sete anos sem representante diplom�tico do mais alto n�vel no pa�s comunista, o Brasil voltou a ter um embaixador na ilha h� dois meses e tenta reaquecer rela��es pol�ticas e econ�micas.%u202F
O Brasil j� chegou a estar entre os tr�s maiores parceiros comerciais de Cuba e o com�rcio bilateral entre os dois pa�ses atingiu o patamar dos 650 milh�es de d�lares no in�cio dos anos 2010.%u202F
No in�cio dos anos 2020, no entanto, o fluxo de trocas despencou para menos de um ter�o disso, em torno de 180 milh�es de d�lares.%u202F
Politicamente, as tens�es tamb�m se acumularam. Cuba retirou �s pressas milhares de m�dicos do Brasil no fim de 2018, quando o ent�o presidente eleito Jair Bolsonaro condicionou a atua��o dos profissionais cubanos no programa Mais M�dicos a novas regras - como o fim da remessa salarial dos m�dicos ao governo de Cuba.
O fim do contrato de presta��o de servi�os m�dicos com o Brasil representou um tombo equivalente � perda de%u202Ftoda exporta��o anual de charutos para o PIB cubano – mais de R$1 bilh�o.%u202F
E ainda no governo Bolsonaro, pela primeira vez na hist�ria, o Brasil se posicionou favoravelmente ao embargo dos EUA em Cuba no �mbito da ONU - posi��o compartilhada apenas com os pr�prios americanos e com Israel.
Mas o tema mais candente da reuni�o bilateral entre Lula e Diaz-Canel, a ser realizada no pr�ximo s�bado, 16, deve ser a reabertura de negocia��es para que Cuba volte a pagar as parcelas do financiamento de US$ 658 milh�es dado pelo BNDES para a reformula��o do Porto Mariel.%u202F
A obra, tocada pela empreiteira brasileira Odebrecht, prometia terminais portu�rios t�o modernos quanto os do Canal do Panam� e uma zona capitalista especial para implanta��o de empresas nos moldes da adotada pela China.
Parte do empresariado brasileiro se animou com a possibilidade de ter no porto um entreposto privilegiado para neg�cios com o Caribe e os Estados Unidos.%u202F
At� a Fiesp, federa��o da ind�stria paulista, chegou a apoiar publicamente o projeto, citando justamente o potencial de exporta��o do empreendimento.
Mas, a partir do segundo semestre de 2018, Cuba deixou de pagar o empr�stimo. O acumulado da d�vida chega a estimados R$ 2 bilh�es, e o assunto virou um dos maiores pontos de disputa pol�tica entre esquerda e direita no Brasil nos �ltimos anos.
Em postagens virais de internet, Lula foi acusado de - por afinidades ideol�gicas - optar por construir um porto em Cuba em vez de investir o dinheiro para “erguer 120 hospitais no Brasil”.%u202F
Em outubro de 2022, durante a campanha eleitoral presidencial, o ent�o presidente Jair Bolsonaro disse que “em Belo Horizonte n�o tem metr�, mas dinheiro nosso do BNDES, Lula mandou para Caracas, capital da Venezuela, l� tem um metr� maravilhoso.
Mostrar para a popula��o que o dinheiro do BNDES para fazer o Porto de Mariel, em Cuba, Cuba se comprometeu em n�o pagando o empr�stimo, n�o pagou, nos ressarcir em charutos, isso � um deboche".

Tr�s auxiliares de Lula me disseram que o uso pol�tico pelos advers�rios da direita do tema dos empr�stimos n�o pagos tornou a recupera��o dos valores uma meta para Lula em seu terceiro mandato.
Dos 15 pa�ses que contra�ram empr�stimos com o BNDES na gest�o do petista, apenas Cuba, Venezuela e Mo�ambique n�o quitaram seus contratos.%u202F
No caso de Cuba, as condi��es especiais do contrato firmado - com o dobro de prazo para quita��o em rela��o aos demais pa�ses contemplados%u202F e a aceita��o de garantias dadas em conta corrente cubana e em charutos - tamb�m geraram questionamentos sobre poss�veis favorecimentos pol�ticos ao regime cubano, o que o petista sempre negou.
Agora, dizem integrantes do governo, Lula deve propor um reescalonamento da d�vida, para que Cuba possa recome�ar a pagar seu d�bito aos poucos, com prazos mais el�sticos, em parcelas mais suaves. N�o se cogita do lado brasileiro, por�m, um perd�o financeiro aos cubanos.%u202F
Outra op��o levantada por um diplomata brasileiro seria que o pagamento fosse feito por meio da cess�o do controle ao Brasil de parte das opera��es do Porto Mariel.
Um diplomata s�nior que conhece de perto a hist�ria do terminal portu�rio afirma que depois de viabilizar o porto, cuja constru��o foi conclu�da em 2015, “o Brasil virou as costas e foi embora, e europeus e asi�ticos s�o os que t�m usufru�do da infraestrutura criada com recursos brasileiros para fazer com�rcio na regi�o”.
Depois da visita presidencial, o Brasil espera inaugurar um di�logo t�cnico entre o Minist�rio da Fazenda brasileiro e o departamento financeiro de Cuba para avaliar condi��es e possibilidades de quita��o do empr�stimo.
Mas, considerando a condi��o financeira de Cuba, n�o se espera um pagamento completo e r�pido ao BNDES. O pr�prio governo brasileiro reconhece a dificuldade do momento e diz que n�o tomar� qualquer a��o draconiana em rela��o � Cuba.
Para o governo Lula, no entanto, � preciso retomar espa�os no pa�s, incluindo as exporta��es, at� para permitir que o pa�s melhore de condi��es a ponto de pagar a d�vida.%u202FNovas obras de infraestrutura est�o descartadas, at� porque o Brasil n�o poderia voltar a fazer financiamentos enquanto o governo cubano estiver inadimplente.