Meus cumprimentos ao Presidente da Assembleia Geral, embaixador Dennis Francis, de Trinidad e Tobago. � uma satisfa��o ser antecedido pelo secret�rio-geral das Na��es Unidas, Ant�nio Guterres. Sa�do cada um dos chefes de Estado e de governo e delegadas e delegados presentes.
Presto minha homenagem ao nosso compatriota S�rgio Vieira de Mello e 21 outros funcion�rios desta organiza��o, v�timas do brutal atentado em Bagd�, h� 20 anos. Desejo igualmente expressar minhas condol�ncias �s v�timas do terremoto no Marrocos e das tempestades que atingiram a L�bia.
A exemplo do que ocorreu recentemente no estado do Rio Grande do Sul, no meu pa�s, essas trag�dias ceifam vidas e causam perdas irrepar�veis. Nossos pensamentos e ora��es est�o com todas as v�timas e seus familiares.
Senhoras e senhores, h� vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez.
E disse, naquele 23 de setembro de 2003:
"Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento Mundial sejam de confian�a na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de conviv�ncia"
Volto hoje para dizer que mantenho minha inabal�vel confian�a na humanidade.
Naquela �poca, o mundo ainda n�o havia se dado conta da gravidade da crise clim�tica.
Hoje, ela bate �s nossas portas, destroi nossas casas, nossas cidades, nossos pa�ses, mata e imp�e perdas e sofrimentos a nossos irm�os, sobretudo os mais pobres.
A fome, tema central da minha fala neste Parlamento Mundial 20 anos atr�s, atinge hoje 735 milh�es de seres humanos, que v�o dormir esta noite sem saber se ter�o o que comer amanh�.
O mundo est� cada vez mais desigual.
Os 10 maiores bilion�rios possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.
O destino de cada crian�a que nasce neste planeta parece tra�ado ainda no ventre de sua m�e.
A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social � qual pertence sua fam�lia ir�o determinar se essa crian�a ter� ou n�o oportunidades ao longo da vida.
Se ir� fazer todas as refei��es ou se ter� negado o direito de tomar caf� da manh�, almo�ar e jantar diariamente.
Se ter� acesso � sa�de, ou se ir� sucumbir a doen�as que j� poderiam ter sido erradicadas.
Se completar� os estudos e conseguir� um emprego de qualidade, ou se far� parte da legi�o de desempregados, subempregados e desalentados que n�o para de crescer.
� preciso antes de tudo vencer a resigna��o, que nos faz aceitar tamanha injusti�a como fen�meno natural.
Para vencer a desigualdade, falta vontade pol�tica daqueles que governam o mundo.
Senhores e senhoras
Se hoje retorno na honrosa condi��o de presidente do Brasil, � gra�as � vit�ria da democracia em meu pa�s.
A democracia garantiu que super�ssemos o �dio, a desinforma��o e a opress�o.
A esperan�a, mais uma vez, venceu o medo.
Nossa miss�o � unir o Brasil e reconstruir um pa�s soberano, justo, sustent�vel, solid�rio, generoso e alegre.
O Brasil est� se reencontrando consigo mesmo, com nossa regi�o, com o mundo e com o multilateralismo.
Como n�o me canso de repetir, o Brasil est� de volta.
Nosso pa�s est� de volta para dar sua devida contribui��o ao enfrentamento dos principais desafios globais.
Resgatamos o universalismo da nossa pol�tica externa, marcada por di�logo respeitoso com todos.
A comunidade internacional est� mergulhada em um turbilh�o de crises m�ltiplas e simult�neas: a pandemia da Covid-19; a crise clim�tica; e a inseguran�a alimentar e energ�tica ampliadas por crescentes tens�es geopol�ticas.
O racismo, a intoler�ncia e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar.
Se tiv�ssemos que resumir em uma �nica palavra esses desafios, ela seria desigualdade.
A desigualdade est� na raiz desses fen�menos ou atua para agrav�-los.
A mais ampla e mais ambiciosa a��o coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – pode se transformar no seu maior fracasso.
Estamos na metade do per�odo de implementa��o e ainda distantes das metas definidas.
A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustent�vel caminha em ritmo lento.
O imperativo moral e pol�tico de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.
Nesses sete anos que nos restam, a redu��o das desigualdades dentro dos pa�ses e entre eles deveria se tornar o objetivo-s�ntese da Agenda 2030.
Reduzir as desigualdades dentro dos pa�ses requer incluir os pobres nos or�amentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrim�nio.
No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustent�vel, de maneira integrada e indivis�vel.
Queremos alcan�ar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um d�cimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente.
Lan�amos o plano Brasil sem Fome, que vai reunir uma s�rie de iniciativas para reduzir a pobreza e a inseguran�a alimentar.
Entre elas, est� o Bolsa Fam�lia, que se tornou refer�ncia mundial em programas de transfer�ncia de renda para fam�lias que mant�m suas crian�as vacinadas e na escola.
Inspirados na brasileira Bertha Lutz, pioneira na defesa da igualdade de g�nero na Carta da ONU, aprovamos a lei que torna obrigat�ria a igualdade salarial entre mulheres e homens no exerc�cio da mesma fun��o.
Combateremos o feminic�dio e todas as formas de viol�ncia contra as mulheres.
Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com defici�ncia.
Resgatamos a participa��o social como ferramenta estrat�gica para a execu��o de pol�ticas p�blicas.
Senhor presidente
Agir contra a mudan�a do clima implica pensar no amanh� e enfrentar desigualdades hist�ricas.
Os pa�ses ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emiss�es de gases danosos ao clima.
A emerg�ncia clim�tica torna urgente uma corre��o de rumos e a implementa��o do que j� foi acordado.
N�o � por outra raz�o que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
S�o as popula��es vulner�veis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudan�a do clima.
Os 10% mais ricos da popula��o mundial s�o respons�veis por quase a metade de todo o carbono lan�ado na atmosfera.
N�s, pa�ses em desenvolvimento, n�o queremos repetir esse modelo.
No Brasil, j� provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustent�vel � poss�vel.
Estamos na vanguarda da transi��o energ�tica, e nossa matriz j� � uma das mais limpas do mundo.
87% da nossa energia el�trica provem de fontes limpas e renov�veis.
A gera��o de energia solar, e�lica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano.
� enorme o potencial de produ��o de hidrog�nio verde.
Com o Plano de Transforma��o Ecol�gica, apostaremos na industrializa��o e infraestrutura sustent�veis.
Retomamos uma robusta e renovada agenda amaz�nica, com a��es de fiscaliza��o e combate a crimes ambientais.
Ao longo dos �ltimos oito meses, o desmatamento na Amaz�nia brasileira j� foi reduzido em 48%.
O mundo inteiro sempre falou da Amaz�nia. Agora, a Amaz�nia est� falando por si.
Sediamos, h� um m�s, a C�pula de Bel�m, no cora��o da Amaz�nia, e lan�amos nova agenda de colabora��o entre os pa�ses que fazem parte daquele bioma.
Somos 50 milh�es de sul-americanos amaz�nidas, cujo futuro depende da a��o decisiva e coordenada dos pa�ses que det�m soberania sobre os territ�rios da regi�o.
Tamb�m aprofundamos o di�logo com outros pa�ses detentores de florestas tropicais da �frica e da �sia.
Queremos chegar � COP 28 em Dubai com uma vis�o conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preserva��o das bacias Amaz�nica, do Congo e do Born�u-Mekong a partir das nossas necessidades.
Sem a mobiliza��o de recursos financeiros e tecnol�gicos n�o h� como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade.
A promessa de destinar 100 bilh�es de d�lares – anualmente – para os pa�ses em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa.
Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que j� chega � casa dos trilh�es de d�lares.
Senhor presidente
O princ�pio sobre o qual se assenta o multilateralismo – o da igualdade soberana entre as na��es – vem sendo corro�do.
Nas principais inst�ncias da governan�a global, negocia��es em que todos os pa�ses t�m voz e voto perderam f�lego.
Quando as institui��es reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e n�o da solu��o.
No ano passado, o FMI disponibilizou 160 bilh�es de d�lares em direitos especiais de saque para pa�ses europeus, e apenas 34 bilh�es para pa�ses africanos.
A representa��o desigual e distorcida na dire��o do FMI e do Banco Mundial � inaceit�vel.
N�o corrigimos os excessos da desregula��o dos mercados e da apologia do Estado m�nimo.
As bases de uma nova governan�a econ�mica n�o foram lan�adas.
O BRICS surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estrat�gica para promover a coopera��o entre pa�ses emergentes.
A amplia��o recente do grupo na C�pula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econ�mica, geogr�fica e pol�tica do s�culo 21.
Somos uma for�a que trabalha em prol de um com�rcio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo.
O protecionismo dos pa�ses ricos ganhou for�a e a Organiza��o Mundial do Com�rcio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solu��o de controv�rsias.
Ningu�m mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento de Doha.
Nesse �nterim, o desemprego e a precariza��o do trabalho minaram a confian�a das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens.
Os governos precisam romper com a disson�ncia cada vez maior entre a "voz dos mercados" e a "voz das ruas".
O neoliberalismo agravou a desigualdade econ�mica e pol�tica que hoje assola as democracias.
Seu legado � uma massa de deserdados e exclu�dos.
Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a pol�tica e vendem solu��es t�o f�ceis quanto equivocadas.
Muitos sucumbiram � tenta��o de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autorit�rio.
Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiat�rios, que corr�i o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores.
Precisamos resgatar as melhores tradi��es humanistas que inspiraram a cria��o da ONU.
Pol�ticas ativas de inclus�o nos planos cultural, educacional e digital s�o essenciais para a promo��o dos valores democr�ticos e da defesa do Estado de Direito.
� fundamental preservar a liberdade de imprensa.
Um jornalista, como Julian Assange, n�o pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e leg�tima.
Nossa luta � contra a desinforma��o e os crimes cibern�ticos.
Aplicativos e plataformas n�o devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos.
Ao assumir a presid�ncia do G20 em dezembro pr�ximo, n�o mediremos esfor�os para colocar no centro da agenda internacional o combate �s desigualdades em todas as suas dimens�es.
Sob o lema "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustent�vel", a presid�ncia brasileira vai articular inclus�o social e combate � fome; desenvolvimento sustent�vel e reforma das institui��es de governan�a global.
Senhor presidente,
N�o haver� sustentabilidade nem prosperidade sem paz.
Os conflitos armados s�o uma afronta � racionalidade humana.
Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras.
A promo��o de uma cultura de paz � um dever de todos n�s. Constru�-la requer persist�ncia e vigil�ncia.
� perturbador ver que persistem antigas disputas n�o resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas amea�as.
Bem o demonstra a dificuldade de garantir a cria��o de um Estado para o povo palestino.
A este caso se somam a persist�ncia da crise humanit�ria no Haiti, o conflito no I�men, as amea�as � unidade nacional da L�bia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gab�o, Guin�-Conacri, Mali, N�ger e Sud�o.
Na Guatemala, h� o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de elei��es democr�ticas.
A guerra da Ucr�nia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os prop�sitos e princ�pios da Carta da ONU.
N�o subestimamos as dificuldades para alcan�ar a paz.
Mas nenhuma solu��o ser� duradoura se n�o for baseada no di�logo.
Tenho reiterado que � preciso trabalhar para criar espa�o para negocia��es.
Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento.
No ano passado os gastos militares somaram mais de 2 trilh�es de d�lares.
As despesas com armas nucleares chegaram a 83 bilh�es de d�lares, valor vinte vezes superior ao or�amento regular da ONU.
Estabilidade e seguran�a n�o ser�o alcan�adas onde h� exclus�o social e desigualdade.
A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do di�logo.
A comunidade internacional precisa escolher:
De um lado, est� a amplia��o dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a eros�o do Estado de Direito.
De outro, a renova��o das institui��es multilaterais dedicadas � promo��o da paz.
As san��es unilaterais causam grande preju�zos � popula��o dos pa�ses afetados.
Al�m de n�o alcan�arem seus alegados objetivos, dificultam os processos de media��o, preven��o e resolu��o pac�fica de conflitos.
O Brasil seguir� denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econ�mico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse pa�s como Estado patrocinador de terrorismo.
Continuaremos cr�ticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influ�ncia e de reeditar a Guerra Fria.
O Conselho de Seguran�a da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade.
Essa fragilidade decorre em particular da a��o de seus membros permanentes, que travam guerras n�o autorizadas em busca de expans�o territorial ou de mudan�a de regime.
Sua paralisia � a prova mais eloquente da necessidade e urg�ncia de reform�-lo, conferindo-lhe maior representatividade e efic�cia.
Senhoras e senhores
A desigualdade precisa inspirar indigna��o.
Indigna��o com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano.
Somente movidos pela for�a da indigna��o poderemos agir com vontade e determina��o para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo a nosso redor.
A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solid�rio e fraterno.
Mas s� o far� se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indigna��o com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para super�-la.
Muito obrigado.