
Troca de mensagens privadas hackeadas e depois colhidas pela Opera��o Spoofing, da Pol�cia Federal, mostra uma rela��o amistosa e colaborativa no auge da Opera��o Lava Jato entre o atual presidente do TCU (Tribunal de Contas da Uni�o), Bruno Dantas, hoje cotado para uma vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), e o deputado federal cassado e ex-procurador da Rep�blica Deltan Dallagnol, que chefiava a for�a-tarefa da opera��o em Curitiba.
Os di�logos obtidos pela Folha de S.Paulo ocorreram de mar�o a junho de 2017, por meio do aplicativo Telegram. Hoje os dois trocam cr�ticas p�blicas.
"Parab�ns pela a��o de ressarcimento contra os partidos e os agentes pol�ticos!!! Como n�o temos jurisdi��o administrativa sobre eles, essa atua��o de voc�s complementa a nossa no ressarcimento dos danos!", escreveu Dantas.
- Maria Beth�nia � celebrada por participa��o em cerim�nia do STF
"Obrigado Bruno! Parte de um grande trabalho conjunto!!", respondeu Deltan, segundo as mensagens.
Cerca de dois meses depois, em 9 de junho de 2017, Dantas mandou nova mensagem ao ent�o procurador, afirmando ter atendido a um pedido seu, "com o m�ximo de discri��o", e perguntando se ele havia visto a MP (medida provis�ria) 784, que permitia ao Banco Central estabelecer acordos de leni�ncia com institui��es financeiras.
"Opa �tima not�cia! Vimos [a MP]. Carlos Fernando [outro integrante da for�a-tarefa] vai escrever algo sobre ela", respondeu Deltan.
Dez dias antes dessas mensagens, o TCU havia aprovado a concess�o de prazo adicional de 60 dias para que a for�a-tarefa fechasse acordos de dela��o com construtoras alvo da opera��o. O pedido, feito por Deltan, foi relatado por Dantas. A MP acabou caducando sem ser votada pelo Congresso Nacional.
Dantas afirmou ainda em outras mensagens ao procurador que a Odebrecht estaria � �poca querendo firmar um acordo de dela��o direta com o TCU, o que ele disse considerar inadequado, al�m de suspeitar de que isso pudesse ser uma forma de indispor o tribunal com a for�a-tarefa.
Bruno Dantas
Por meio da assessoria do TCU, Bruno Dantas encaminhou � Folha de S.Paulo nota que afirma que as mensagens de 2017 comprovam "que a Lava Jato enganou e abusou da boa-f� da imprensa, da sociedade brasileira e de muitos servidores de v�rias inst�ncias, inclusive de tribunais".
Conforme a manifesta��o, esses servidores desconheciam a forma da opera��o de atuar "fora da lei e contra a democracia" e que os contatos foram institucionais e em nome do dever funcional.
"� o caso concreto, em momento incipiente em que os primeiros acordos de leni�ncia foram celebrados pelo MPF [Minist�rio P�blico Federal] e havia esfor�o das institui��es p�blicas para dar a eles alguma funcionalidade, respeitadas as compet�ncias constitucionais e legais de cada �rg�o."
A nota prossegue afirmando que a evolu��o das reuni�es revelou que a Lava Jato queria, na verdade, se sobrepor e usurpar as compet�ncias dos outros �rg�os. "Isso foi repelido com veem�ncia pelo TCU, como o notici�rio revelou na �poca."
"O ministro Bruno Dantas informa que suas declara��es p�blicas e votos proferidos em processos do TCU entre 2017 e 2022 falam por si" e s�o muito mais importantes que di�logos que "apenas mostram o momento em que se come�ou a entender o que a Lava Jato sempre foi, uma tentativa de destruir a democracia."
Deltan
Tamb�m em nota, Deltan afirma n�o reconhecer a autenticidade das mensagens e que suas conversas com autoridades sempre foram republicanas e institucionais. Apesar disso, comentou o conte�do delas.
"� lament�vel que altas autoridades da Rep�blica, que apoiavam a Lava Jato, tenham se tornado ferrenhas opositoras da opera��o da noite para o dia, a ponto de demonizar e perseguir ilegalmente ju�zes e procuradores quando isto se tornou conveniente para seus projetos pessoais e ambi��es de poder pol�tico", afirma o texto.
Sem citar diretamente o nome de Dantas, a nota do deputado cassado menciona o fato de o presidente do TCU ser hoje cotado para a pr�xima indica��o de Lula (PT) para o STF —"o que deveria levantar s�rios e cr�ticos questionamentos da sociedade e da imprensa a respeito de suas motiva��es ao atacar a Lava Jato e seus agentes."
Em 2018, quando a Lava Jato ainda gozava de amplo respaldo pol�tico e jur�dico, a rela��o entre Dantas e Deltan j� n�o era boa.
Em junho daquele ano, por exemplo, o ministro do TCU deu entrevista ao jornal O Globo em que chamou de "carteirada" uma decis�o de Sergio Moro, ent�o juiz da opera��o, que proibia o uso de provas contra empresas e delatores que haviam firmado acordo de leni�ncia com a for�a-tarefa.
Os arquivos de Deltan vazados posteriormente mostram que o procurador se prontificou � �poca a fazer uma manifesta��o p�blica dura contra Dantas, supostamente a pedido de Moro.
O tribunal de contas avaliava � �poca que os valores a serem ressarcidos pelos envolvidos eram bem superiores. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo no final de 2017, Dantas j� havia dito considerar que "o acordo de leni�ncia n�o exime a pessoa jur�dica da obriga��o de reparar integralmente o dano causado".
Devido a essas conversas de 2018, o hoje presidente do TCU requereu em julho de 2023 acesso completo aos dados da Spoofing, o que foi concedido pelo STF.
J� em 2021, Dantas acatou representa��o do Minist�rio P�blico junto � corte e determinou um pente-fino nos gastos da Lava Jato com viagens e di�rias.
Em agosto de 2022, a Segunda C�mara do TCU determinou que Deltan e outros procuradores devolvessem mais de R$ 2,8 milh�es ao er�rio. Deltan conseguiu a suspens�o da condena��o na Justi�a do Paran�. Em junho de 2023, por�m, o STJ (Superior Tribunal de Justi�a) negou recurso de Deltan e confirmou decis�o anterior.
Maior investiga��o sobre corrup��o conduzida no Brasil, a Lava Jato iniciou-se em 2014 no Paran� e, sob o comando de Deltan na Procuradoria e Moro como juiz do caso, mostrou a exist�ncia de um vasto esquema de corrup��o na Petrobras. Acabou sendo determinante, entre outros movimentos, para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Em julho de 2017, Moro sentenciou Lula a 9 anos e 6 meses de pris�o e, em abril de 2018, determinou a sua pris�o ap�s a confirma��o da senten�a na segunda inst�ncia.
Com Lula fora do p�reo eleitoral, Jair Bolsonaro (ent�o no PSL) derrotou Fernando Haddad (PT) no segundo turno e virou presidente da Rep�blica. Dias depois, Moro abandonou a magistratura e se tornou ministro da Justi�a de Bolsonaro.
A opera��o sofreu seu maior baque em junho de 2019, quando o site The Intercept Brasil divulgou pela primeira vez mensagens evidenciando uma a��o alinhada entre Minist�rio P�blico e Moro.
Desde ent�o a opera��o e seus integrantes perderam sustenta��o pol�tica e no Judici�rio e sofreram uma s�rie de reveses, em especial a anula��o das condena��es contra Lula, a declara��o pelo STF de que Moro foi um juiz parcial nos casos do atual presidente e a cassa��o do mandato de deputado de Deltan.