Antes de continuar a leitura, fa�a um exerc�cio: esque�a a imagem propagada em realities de sobreviv�ncia que levam os participantes a comer insetos colhidos na natureza. E a rea��o t�pica do lado de c� da tela: “Que nojo!”.
Isso porque a etnomofagia – ou a pr�tica de comer invertebrados – j� � pra l� de comum em pa�ses do Oriente, no M�xico e at� aqui mesmo, no Brasil. Quem nunca ouviu falar da formiga i��, apreciada na Amaz�nia e estrela em receitas do restaurante D.O.M, de Alex Atala, um dos chefs mais famosos do pa�s?
Formiga i�� � servida por Alex Atala
Ricardo D'Angelo/divulga��o
Apesar do estranhamento e o rep�dio que a proposta de comer grilos, larvas, formigas, gafanhotos e baratas possa causar, 3 bilh�es de pessoas no mundo consomem os ingredientes na dieta, muitas vezes tidos como iguarias.
E mais: de acordo com estudos da Organiza��o das Na��es Unidas para a Alimenta��o e a Agricultura (FAO), a pecu�ria ou a cria��o de insetos voltada para a alimenta��o humana ser� cada vez mais comum, al�m de alternativa sustent�vel diante do aumento da popula��o e consequente escassez de recursos no planeta.
Warley Vin�cius, criador de insetos comest�veis, diz que o p�blico-alvo ainda � formado por pesquisadores e alguns cozinheiros de vanguarda
Beto Magalh�es/EM/D.A Press
Quer provar? Aqui, entidades e �rg�os certificadores ainda n�o aprovaram a comercializa��o dos insetos comest�veis. O que h� � uma pequena produ��o “caipira”, empreendida de forma experimental por criadores como Warley Vin�cius. “O p�blico-alvo ainda � formado por pesquisadores e alguns cozinheiros de vanguarda”, conta. “Mas, em breve, acredito na populariza��o da etnomofagia, principalmente por meio da produ��o de farinhas, doces, barrinhas e outros alimentos processados, que disfar�am a apar�ncia do ingrediente.”
Tamb�m especialista e autor de curso que ensina t�cnicas de manejo para a cria��o de insetos comest�veis, Gilberto Schickler aposta na inser��o dos insetos na dieta humana do Ocidente. “Acredito que haver� produ��o certificada e comercializada em at� cinco anos”, projeta.
A pr�tica da cria��o de insetos
Zootecnista, Gilberto Schickler come�ou a trabalhar com a cria��o de insetos para consumo animal na virada do mil�nio. “Nesse in�cio, meu foco era a produ��o voltada para a alimenta��o de aves, mas costumava dizer que os ten�brios (larva de besouro), baratas e grilos criados em cativeiro e de acordo com as boas pr�ticas de produ��o eram t�o nutritivos que serviriam tamb�m � alimenta��o humana”, lembra-se.
Gilberto Schickler � produtor e consultor de insetos gourmet
Beto Magalh�es/E.M/D.A Press
Assim, Schickler foi descoberto por cozinheiros de vanguarda e passou a viajar pelo pa�s falando mais sobre a etnomofagia. Prova que h� interesse do p�blico sobre o assunto veio de uma apresenta��o e degusta��o durante uma das edi��es do Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, um dos eventos culin�rios mais conhecidos do pa�s, realizado na cidade mineira do Campo das Vertentes.
Quem esteve presente recebeu uma verdadeira aula sobre o assunto – soube que h� mais de 3 mil esp�cies de insetos comest�veis – e p�de provar que bichinhos como grilo e barata cin�rea s�o, sim, palat�veis. “Na verdade, os insetos s�o tratados, limpos e desidratados para o consumo humano, ent�o adquirem textura crocante e acabam recebendo o sabor do ingrediente em que s�o preparados. No caso do grilo com chocolate, o sabor lembra o de Bis”, afirma o produtor e autor de curso on-line sobre o manejo da pecu�ria voltada para a etnomofagia: www.minirebanhos.com.br/
cursos. O custo � de R$ 600.
O produtor afirma ainda que o assunto n�o � novidade no mundo. Cita como uma das pioneiras no ramo a empresa norte-americana Hot Lix, que produz pirulitos, snacks e outros produtos comest�veis � base de insetos. E d� exemplos de cozinhas que apostam nos bichinhos como iguaria.
“Em pa�ses como a Tail�ndia j� se come ravi�li com carne de besouros, molhos com ovos de formigas, larvas com queijo e outras receitas. Na China, o consumo de ten�brio gigante � comum. Na Col�mbia, vende-se formiga no supermercado, em saquinhos. E no Canad�, � principalmente o grilo que faz sucesso”, garante.
Por fim, Schickler afirma que, segundo proje��es da Organiza��o das Na��es Unidas para a Alimenta��o e a Agricultura (FAO), em 2050, haver� de 9 a 10 bilh�es de pessoas no mundo e a produ��o de insetos como fonte de alimento representar� uma alternativa necess�ria. “Da� a necessidade de haver mais pesquisas para o desenvolvimento desse tipo de pecu�ria no pa�s.”
ALTO �NDICE PROT�ICO
Em BH, T�lio Montenegro, que comanda o Chef T�lio h� mais de 20 anos, j� brincou de produzir receitas � base de invertebrados. A inspira��o veio de experi�ncias como cozinheiro nos EUA, onde trabalhou em restaurantes de diferentes etnias. “Os mexicanos, por exemplo, adoram gafanhoto e gusano (verme comum nas planta��es de agave, planta usada na produ��o das bebidas tequila, mezcal e pulque). No fim das contas ou na panela, os insetos s�o uma prote�na como a su�na, a bovina, a de ave ou de peixe. � um alimento como outro, s� que com altos �ndices proteicos e nutricionais, e j� presentes na alimenta��o humana h� muito tempo.”
Chef T�lio Montenegro
Beto Magalh�es/E.M/D.A Press
Propriet�rios de uma produ��o de insetos comest�veis em BH, neg�cio considerado de vanguarda, Warley Vin�cius Castro e o pai, Jos� Ars�nio Castro, esperam, para breve, conquistar um interesse maior de poss�veis investidores em etnomofagia. “H� cerca de 2 anos, percebi que o mercado para alimenta��o humana vem se abrindo. Trabalhamos o ten�brio gigante e as baratas cin�reas, principalmente. Mas, para comercializar, enfrentamos uma barreira devido � legisla��o brasileira, que ainda n�o permite a venda certificada para consumo humano. No entanto, tenho distribu�do para pesquisadores, chefs de cozinha e universidades”, diz Vin�cius, que desidrata os invertebrados em maquin�rio pr�prio.
Otimista, o criador acredita que, no prazo de dois a cinco anos, a venda de insetos comest�veis no Brasil para consumo humano ser� uma realidade. “Na nossa cultura alimentar, as pessoas enxergam apenas o inseto e n�o o alimento. Mas estamos construindo a mudan�a de paradigma em palestras, nas universidades, em feiras e exposi��es. Trata-se de um alimento rico em prote�nas e que vem chamando a aten��o de um nicho de mercado formado por pessoas interessadas em h�bitos de consumo mais saud�veis e em valores como sustentabilidade e preserva��o ambiental”, afirma Vin�cius.
Giovanna Fischborn*
Silvana Souza*
Receita com insetos
Guy Ackermans/divulga��o
Diversos estudos mostram que, al�m de benef�cios nutricionais, o consumo de insetos � uma alternativa sustent�vel e vi�vel, podendo ser a chave para a erradica��o da fome, como mostrou estudo da Organiza��o das Na��es Unidas para a Alimenta��o e a Agricultura (FAO), uma das ag�ncias da ONU.
Seja pela associa��o do consumo de insetos a situa��es de falta de alimento ou �ltima alternativa para sobreviver, seja porque eles simplesmente n�o se encaixam na categoria alimento, no Brasil, � comum torcer o nariz para a ideia de comer os bichinhos.
“Quantas pessoas j� n�o pensaram ‘que nojo, eu n�o comeria um bicho desses nunca’? � cultural, aprendemos desde pequenos que o bicho � sujo e, hoje, associamos insetos a doen�as e outras coisas ruins”, aponta a zootecnista Alessandra Gimenez.
Apesar da avers�o, os insetos oferecem uma s�rie de ganhos nutricionais e apresentam uma extensa variedade de macronutrientes, como explica o nutricionista Thiago Bronze. “O principal nutriente que pode ser encontrado nesses animais � a prote�na. Por�m, ela s� atinge altas concentra��es quando os insetos s�o criados especificamente para a alimenta��o humana.”
De acordo com o nutricionista, � poss�vel encontrar ainda fibras, sais minerais, c�lcio e f�sforo. “Caso fosse incorporado �s dietas ocidentais, esse tipo de alimento poderia ser facilmente o substituto da nossa tradicional farinha ou de algum alimento que se assemelhe ao leite.”
A rejei��o em comer insetos se d� por uma quest�o de costume. Alessandra Gimenez explica que, devido �s grandes diferen�as geogr�ficas e clim�ticas no planeta, h� uma discrep�ncia em rela��o ao que se pode e se consegue cultivar e produzir em cada canto do mundo. “Isso cria na popula��o um h�bito. Alimentos que normalmente n�o se comem em partes do mundo podem ser de consumo corriqueiro e habitual por outros povos”, esclarece.
DIETA SAUD�VEL
Mas isso n�o quer dizer que o brasileiro n�o coma insetos. Eles j� est�o presentes em alimentos industriais h� muito tempo, sem que a maioria dos consumidores saiba disso. Um exemplo � o corante de carmim de cochonilha, feito a partir do inseto mexicano Dactylopius coccus, muito presente em sorvetes, pudins, bebidas, bolachas, bolos, geleias, gomas de mascar, sucos, licores e outras guloseimas industrializadas de cor rosa ou vermelha.
J� no Nordeste brasileiro, a tradicional farofa de i�� – formiga popularmente conhecida como tanajura – � uma iguaria bastante consumida por moradores e turistas.
Incorporar os insetos na dieta n�o � complicado. Diversas esp�cies, como larvas, grilos, gafanhotos e formigas, podem ser consumidas e encontradas no Brasil em feiras orientais. O m�dico-veterin�rio Regis Kamimura, de 57 anos, come insetos eventualmente. Ele afirma que mais do que excelente fonte cal�rica e proteica, os bichinhos comp�em, sim, refei��es deliciosas.
Um dos pratos preferidos de Regis � o omelete com larvas de Tenebrio molitor — um besouro preto considerado praga t�pica de farin�ceos. N�o por acaso, essa larva recebe o nome popular de larva-de-farinha. O ingrediente, rico em nutrientes, � bastante utilizado na alimenta��o animal, como em v�rias esp�cies de p�ssaros.
Segundo Regis, que tem como hobby cozinhar, a larva pura desidratada tem um gosto muito suave. O sabor final depende dos demais ingredientes. Para agregar sabor, os insetos s�o temperados como qualquer outro alimento. “Gosto de usar cheiro-verde ou couve, que � uma fonte de fibra, nos preparos desse tipo”, conta.
Na hora de escolher o inseto para consumo, Regis alerta para os cuidados com os criat�rios e com a higiene nos processos de preparo e cozimento. “Esse ainda � um dos maiores desafios para a populariza��o dos pratos com insetos: achar um fornecedor consistente em rela��o ao fornecimento e � qualidade”, pondera.
REGULAMENTA��O
O Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa) e a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) ainda n�o t�m regulamenta��es para cria��o, venda e processamento dos insetos comest�veis, o que atrapalha a dissemina��o do h�bito. Entre 6 de novembro e 8 de dezembro, a utiliza��o de insetos como fonte nutricional ser� discutida entre entusiastas desse mercado no Insetec, o 1º Congresso Brasileiro de Insetos Aliment�cios e Tecnologias, em Montes Claros, Minas Gerais.
* Estagi�rias sob a supervis�o da subeditora Sibele Negromonte
Por que comer insetos
Sa�de: com alto poder nutritivo, os insetos s�o ricos em prote�nas e gorduras boas, al�m de c�lcio, ferro e zinco. S�o uma alternativa saud�vel aos alimentos tradicionais, como frango, carne e peixes.
Sustentabilidade: as cria��es de insetos emitem menos gases de efeito estufa (GEEs) que as de outros animais. Al�m disso, necessitam de quatro vezes menos insumos que as cria��es de gado. Por n�o ser uma atividade necessariamente terrestre, n�o se faz necess�rio o manejo do solo.
Fatores econ�micos e sociais: a cria��o de insetos � uma op��o que requer baixo investimento em capital e tecnologia, sendo uma alternativa vi�vel em setores mais carentes da sociedade, oferecendo meios e oportunidades de subsist�ncia para popula��es urbanas e rurais.
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