Gastar seu dinheiro com os outros, em vez de só em benefício próprio, tem sido associado a uma série de efeitos positivos na saúde

Gastar seu dinheiro com os outros, em vez de s� em benef�cio pr�prio, tem sido associado a uma s�rie de efeitos positivos na sa�de

Frederic J Brown/Getty Images)

Os jornais come�aram a escrever sobre Betty Lowe quando ela tinha 96 anos. Apesar de j� ter passado da idade de se aposentar, ela ainda era volunt�ria em um caf� no Salford Royal Hospital, no Reino Unido, servindo caf�, lavando pratos e conversando com pacientes.

 

 

Lowe fez ent�o 100 anos. "Ainda � volunt�ria no hospital", diziam as manchetes. Quando completou 102 anos, a not�cia se repetiu: "Continua trabalhando como volunt�ria". O mesmo aconteceu quando ela completou 104 anos. Inclusive aos 106, Lowe trabalhava no caf� uma vez por semana, apesar da vis�o fraca.

Lowe disse aos rep�rteres que a entrevistaram que o motivo pelo qual ela continuou trabalhando no caf� por tanto tempo, quando a maioria das pessoas teria decidido ficar de pernas para o ar, foi porque ela acreditava que o voluntariado a mantinha saud�vel. E ela provavelmente estava certa.

A ci�ncia revela que comportamentos altru�stas — de voluntariado formal a doa��es monet�rias e atos aleat�rios de gentileza di�ria — promovem o bem-estar e a longevidade.

Estudos mostram, por exemplo, que o voluntariado est� correlacionado a um risco 24% menor de morte prematura — quase o mesmo que comer seis ou mais por��es de frutas, legumes e verduras por dia, de acordo com algumas pesquisas.

Al�m disso, quem faz trabalho volunt�rio apresenta um risco menor de alto �ndice de glicose no sangue e um risco menor de n�veis de inflama��o relacionados a doen�as card�acas. Tamb�m passa 38% menos noites em hospitais do que as pessoas que evitam se engajar em atos de caridade.

E esses impactos positivos do voluntariado na sa�de parecem ser encontrados em todos os cantos do mundo — da Espanha e Egito � Uganda e Jamaica, de acordo com um estudo baseado em dados do instituto Gallup World Poll.

� claro que pode ser que as pessoas que estejam com a sa�de melhor sejam mais propensas a come�ar a se voluntariar. Se voc� est� sofrendo de artrite severa, por exemplo, � prov�vel que n�o se ofere�a para trabalhar distribuindo sopa a moradores de rua.

"H� pesquisas que sugerem que as pessoas com sa�de melhor s�o mais propensas a se voluntariar, mas como os cientistas est�o bem cientes disso, controlamos isso estatisticamente em nossos estudos", explica Sara Konrath, psic�loga e pesquisadora de filantropia da Universidade de Indiana, nos EUA.

Mesmo quando os cientistas removem os efeitos da sa�de pr�-existente, os impactos do voluntariado no bem-estar ainda permanecem fortes. Al�m disso, v�rios experimentos de laborat�rio randomizados revelam os mecanismos biol�gicos pelos quais ajudar os outros pode beneficiar nossa sa�de.

Em um desses experimentos, alunos do ensino m�dio no Canad� foram designados a dar aulas a crian�as do ensino fundamental por dois meses ou colocados em uma lista de espera. Quatro meses depois, ap�s o t�rmino das aulas, as diferen�as entre os dois grupos de adolescentes eram claramente vis�veis em seu sangue.


Durante a pandemia de covid-19, muitas pessoas se ofereceram para ajudar os mais vulneráveis

Durante a pandemia de covid-19, muitas pessoas se ofereceram para ajudar os mais vulner�veis

Paul Hennessy/Getty Images

Em compara��o com aqueles que estavam na lista de espera, os alunos que ofereceram monitoria ativamente �s crian�as mais novas apresentaram n�veis mais baixos de colesterol, assim como marcadores inflamat�rios mais baixos, como a interleucina 6 no sangue — que, al�m de ser um poderoso preditor de sa�de cardiovascular, tamb�m desempenha um papel importante nas infec��es virais.

� claro que, em tempos de pandemia, o voluntariado pode ser um desafio maior. No entanto, Konrath acredita que fazer isso online tamb�m pode trazer benef�cios para a sa�de, se a nossa motiva��o for realmente ajudar outras pessoas.

Ela tamb�m recomenda se voluntariar virtualmente com amigos, j� que pesquisas mostram que o componente social do voluntariado � importante para o bem-estar.

Mas n�o s�o apenas os efeitos do voluntariado formal que aparecem no sangue — atos aleat�rios de bondade tamb�m.

Em um estudo na Calif�rnia, participantes que foram designados a realizar atos simples de gentileza, como comprar caf� para um estranho, apresentaram menor atividade dos genes leucocit�rios relacionados � inflama��o. Isso � bom, uma vez que a inflama��o cr�nica tem sido associada a condi��es como artrite reumatoide, c�ncer, doen�as card�acas e diabetes.

E se voc� submeter as pessoas a um exame de resson�ncia magn�tica funcional, e dizer a elas para agir de forma altru�sta, poder� ver mudan�as em como seus c�rebros reagem � dor. Em um experimento recente, volunt�rios tiveram que tomar v�rias decis�es, incluindo se doavam dinheiro ou n�o, enquanto suas m�os eram submetidas a choques el�tricos leves.

Os resultados foram claros: os c�rebros daqueles que fizeram a doa��o se iluminaram menos em resposta � dor. E quanto mais eles consideravam suas a��es como �teis, mais resistentes � dor eles se tornavam.

Da mesma forma, doar sangue parece doer menos do que a coleta de sangue para exame, embora no primeiro cen�rio a agulha possa ter o dobro da espessura.

H� in�meros outros exemplos dos efeitos positivos para a sa�de de gentilezas e doa��es monet�rias. Por exemplo, av�s que tomam conta regularmente dos netos apresentam um risco de morte at� 37% menor do que aqueles que n�o prestam esses cuidados.

Isso tem um efeito maior do que pode ser alcan�ado com exerc�cios f�sicos regulares, de acordo com estudos de meta-an�lise. Isso pressup�e que os av�s n�o est�o assumindo o lugar dos pais completamente (embora, reconhecidamente, cuidar dos netos muitas vezes envolva muita atividade f�sica, especialmente no caso de beb�s).

Por outro lado, gastar dinheiro com os outros, e n�o apenas em benef�cio pr�prio, pode levar a uma melhor audi��o, a um sono de mais qualidade e � redu��o da press�o arterial, com efeitos t�o significativos quanto iniciar uma nova medica��o para hipertens�o.

Para Tristen Inagaki, neurocientista da San Diego State University, nos EUA, n�o h� nada de surpreendente no fato de que a gentileza e o altru�smo devem impactar nosso bem-estar f�sico.

"Os seres humanos s�o extremamente sociais, temos uma sa�de melhor quando estamos interconectados, e parte de estarmos interconectados � doar", diz ela.


Gestos aleatórios de gentileza podem fazer muito mais do que simplesmente botar um sorriso no rosto de alguém

Gestos aleat�rios de gentileza podem fazer muito mais do que simplesmente botar um sorriso no rosto de algu�m

Getty Images

Inagaki estuda nosso sistema do cuidado — uma rede de regi�es do c�rebro ligadas tanto a comportamentos de ajuda ao pr�ximo quanto � sa�de. Esse sistema provavelmente evoluiu para facilitar a cria��o de nossos beb�s, incomumente indefesos para os padr�es dos mam�feros, e mais tarde provavelmente foi cooptado para ajudar outras pessoas tamb�m.

Parte do sistema � composto por regi�es de recompensa do c�rebro, como a �rea septal e o corpo estriado ventral — os mesmos que se iluminam quando voc� ganha um pr�mio na m�quina de ca�a-n�queis.

Ao conectar a maternidade/paternidade ao sistema de recompensa, a natureza tentou garantir que n�o fug�ssemos de nossos beb�s carentes e aos berros. Estudos de neuroimagem feitos por Inagaki e seus colegas mostram que essas �reas do c�rebro tamb�m se iluminam quando damos apoio a outros entes queridos.

Al�m de tornar o cuidado gratificante, a evolu��o tamb�m o associou � redu��o do estresse. Quando agimos com gentileza, ou simplesmente refletimos sobre gentilezas que fizemos no passado, a atividade do centro do medo do nosso c�rebro, a am�gdala, diminui. Novamente, isso pode estar relacionado � cria��o de filhos.

Pode parecer contraintuitivo que cuidar de crian�as reduza o estresse — pergunte a qualquer pessoa que acabou de ser pai ou m�e, e eles provavelmente v�o te dizer que cuidar de beb�s n�o � exatamente uma ida ao spa.

Mas uma pesquisa revela que quando os animais ouvem o choro de filhotes da mesma esp�cie, a atividade de suas am�gdalas se acalma, e a mesma coisa acontece com pais e m�es quando mostram a eles a foto de seu pr�prio filho.

Inagaki explica que a atividade do centro do medo do c�rebro precisa diminuir se quisermos ser realmente �teis aos outros.

"Se voc� estivesse completamente sobrecarregado pelo estresse deles, provavelmente n�o conseguiria nem sequer abord�-los para ajudar em primeiro lugar", diz ela.

Tudo isso tem consequ�ncias diretas para a sa�de. O sistema de cuidado — a am�gdala e as �reas de recompensa — est� ligado ao nosso sistema nervoso simp�tico, que atua na regula��o da press�o arterial e na resposta inflamat�ria, explica Inagaki. � por isso que praticar o cuidado com o pr�ximo pode melhorar sua sa�de cardiovascular e ajud�-lo a viver mais.

Descobriu-se que adolescentes que doam seu tempo apresentam n�veis mais baixos de dois marcadores de inflama��o: interleucina 6 e prote�na C reativa. Ambos estiveram envolvidos em desfechos graves de pacientes infectados com covid-19.

Isso levanta a perspectiva tentadora de que, durante a pandemia, ajudar os necessitados pode ser particularmente poderoso, n�o simplesmente como uma forma de melhorar nosso humor durante o lockdown.


Nos EUA e na Austrália, muitas pessoas colocaram bichinhos de pelúcia na janela para oferecer às crianças uma atividade divertida durante a pandemia

Nos EUA e na Austr�lia, muitas pessoas colocaram bichinhos de pel�cia na janela para oferecer �s crian�as uma atividade divertida durante a pandemia

Eric Baradat/Getty Images

Ainda n�o foi realizada uma pesquisa para avaliar at� que ponto o voluntariado poderia ter um efeito protetor contra a covid-19, e qualquer coisa que aumente seu contato com outras pessoas que possam ser portadoras do v�rus aumentaria potencialmente o risco de ser infectado.

E se, no entanto, a doa��o n�o for algo natural para voc�?

A empatia, uma qualidade fortemente ligada a comportamentos de voluntariado e doa��o, � altamente heredit�ria — cerca de um ter�o de nossa empatia depende de nossos genes. Por�m, Konrath diz que isso n�o significa que as pessoas nascidas com baixo grau de empatia estejam condenadas.

"Tamb�m nascemos com potencial atl�tico diferente, � mais f�cil para alguns de n�s ganhar massa muscular do que para outros. Mas todos n�s temos m�sculos, e todos n�s, se fizermos alguns exerc�cios, vamos criar m�sculos", afirma.

"N�o importa por onde a gente comece, e as pesquisas mostram isso, todos n�s podemos melhorar em empatia."

Algumas interven��es n�o levam mais do que alguns segundos. Por exemplo, voc� pode tentar olhar o mundo sob a perspectiva de outra pessoa, se colocando realmente no lugar dela, por um ou dois momentos do dia. Ou pode praticar a medita��o mindfulness (aten��o plena) e da bondade amorosa. Cuidar de animais de estima��o e ler livros carregados de emo��o, um passatempo perfeito para o lockdown, tamb�m funcionam bem para aumentar a empatia.

Durante os primeiros seis meses de 2020, os brit�nicos doaram 800 milh�es de libras a mais para institui��es de caridade do que no mesmo per�odo de 2019, e estat�sticas semelhantes chegam de outros pa�ses. Quase metade dos americanos verificou recentemente como seus vizinhos idosos ou doentes estavam.

Na Alemanha, a crise do coronav�rus aproximou as pessoas — enquanto, em fevereiro de 2020, 41% diziam que as pessoas n�o se importavam com as outras, esse percentual caiu para apenas 19% no in�cio do ver�o.

E h� ainda as hist�rias de gentileza em meio � pandemia — como americanos e australianos deixando ursinhos de pel�cia em suas janelas para animar as crian�as. E a florista francesa, Murielle Marcenac, que colocou 400 buqu�s de flores nos carros de funcion�rios de um hospital na cidade de Perpignan.

Pesquisas sugerem que essas gentilezas n�o apenas aquecem nossos cora��es, mas tamb�m podem nos ajudar a permanecer saud�veis %u200B%u200Bpor mais tempo.

"H� realmente algo no ato de apenas focar nos outros �s vezes, que faz muito bem para voc�", diz Inagaki.

Com isso em mente, todos n�s poder�amos certamente reservar um pouco de tempo para praticar momentos de gentileza nos pr�ximos meses.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.


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