Num ano marcado pelo surgimento de um novo coronav�rus, velhos conhecidos dos brasileiros continuaram a causar estragos: dengue, chikungunya, zika e febre amarela afetaram a sa�de de centenas de milhares de pessoas pa�s adentro.
Dados do �ltimo boletim epidemiol�gico do Minist�rio da Sa�de revelam que foram contabilizados mais de 979 mil casos suspeitos de dengue no Brasil ao longo de 2020.
Outras mol�stias infecciosas transmitidas por picadas de mosquitos tamb�m tiveram n�meros relevantes: foram quase 80 mil notifica��es de chikungunya, cerca de 7.000 de zika e 19 de febre amarela.
Mas ser� que � poss�vel prever novos surtos e impedir que os n�meros de casos e mortes subam vertiginosamente?
Essa � a miss�o de um grupo de cientistas espalhados por mais de dez institui��es nacionais e internacionais.
Eles acabam de lan�ar um projeto ambicioso, que vai monitorar o comportamento desses v�rus pelos pr�ximos cinco anos.
A partir da�, eles pretendem criar modelos que permitir�o se antecipar �s futuras crises de sa�de p�blica causadas por essas enfermidades.
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Um 'Big Brother' da biologia
A pesquisa vai acontecer em quatro lugares: S�o Jos� do Rio Preto (SP), Manaus (AM) e em algumas regi�es do Pantanal e do Panam�.
"S�o locais em que h� muita transmiss�o de doen�as por mosquitos e onde temos laborat�rios e profissionais capacitados para trabalhar", justifica o m�dico virologista Maur�cio Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de S�o Jos� do Rio Preto (Famerp) e um dos coordenadores da iniciativa.
Ao longo dos pr�ximos cinco anos, os cientistas v�o fazer um monitoramento cont�nuo dos quatro personagens envolvidos no processo de uma epidemia: os v�rus, os mosquitos, os animais intermedi�rios e os seres humanos.
A proposta �, entre outras coisas, fazer o sequenciamento gen�tico dos v�rus causadores dessas doen�as e analisar a distribui��o e o comportamento de seus transmissores: os mosquitos Aedes aegypti (que dissemina dengue, zika e chikungunya em ambientes urbanos), Haemagogus e Sabethes (vetores da febre amarela em �reas silvestres).
Outra atividade ser� acompanhar os animais que tamb�m podem ser infectados por esses agentes infecciosos, especialmente algumas esp�cies de macacos.
Apesar de n�o transmitirem a doen�a diretamente �s pessoas, o aumento de casos entre os primatas pode significar o in�cio de um novo surto ou o aumento do risco de transmiss�o em �reas de transi��o entre cidades e florestas.
"Tamb�m vamos coletar e analisar amostras de pacientes com casos suspeitos e observar o que acontece com milhares de pessoas que moram em determinados bairros dos quatro centros de estudo", detalha a virologista L�via Sacchetto, p�s-doutoranda na Famerp.
Efeitos pr�ticos (e imediatos)
A partir da coleta de tantas informa��es, os cientistas pretendem criar modelos que permitir�o se antecipar �s crises sanit�rias antes mesmo que elas se iniciem.
Nogueira lembra que, entre 2018 e 2019, a regi�o de S�o Jos� do Rio Preto, no interior paulista, enfrentou uma epidemia de dengue do tipo 2 — sabe-se que existem quatro tipos diferentes do v�rus causador dessa doen�a, que circulam com mais ou menos intensidade de forma peri�dica.
"N�s conseguimos prever que a dengue tipo 2 iria se tornar um problema em breve e conseguimos avisar as autoridades a tempo para que algumas medidas preventivas fossem tomadas", recorda.
Com alertas desse tipo, � poss�vel refor�ar as a��es de combate ao Aedes aegypti, como a limpeza de terrenos baldios e reservat�rios de �gua parada que servem de criadouro para o mosquito.
No caso da febre amarela, por exemplo, o aparecimento dos primeiros casos entre os macacos de uma regi�o j� pode ser suficiente para que aconte�am refor�os nas campanhas de vacina��o para proteger aqueles que ainda est�o suscet�veis.
Um segundo ponto essencial do projeto est� na an�lise de outros v�rus que tamb�m s�o transmitidos por mosquitos e j� circulam pelo Brasil e pelas Am�ricas.
"J� foram identificados no pa�s v�rus como o mayaro e o oropouche, que podem provocar epidemias futuras e precisam ser estudados de perto", acrescenta Sacchetto.
Os ingredientes da crise
Para dar in�cio ao projeto, os respons�veis publicaram recentemente um artigo cient�fico em que discutem os principais fatores por tr�s do surgimento das epidemias de dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
De acordo com os autores, n�o h� mais d�vidas sobre o papel da mudan�a clim�tica e da destrui��o de florestas nativas no agravamento deste processo.
"Vemos infesta��es enormes de Aedes, que se aproveitam de temperaturas quentes para se reproduzir com mais facilidade", explica Sacchetto.
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Al�m disso, muitos v�rus ficam "quietinhos" dentro de �reas silvestres. Mas o desmatamento e a entrada de seres humanos nesses locais faz com que os agentes infecciosos acabem "pulando" para nossa esp�cie, num processo parecido ao que ocorreu com o coronav�rus respons�vel pela pandemia atual.
Mas os cientistas desejam ir al�m desses conhecimentos b�sicos e estabelecer outros ingredientes que servem de gatilho para o aumento de infec��es por essas doen�as transmitidas por mosquitos.
"Queremos olhar de perto para eventos maiores, como o deslocamento populacional ou fen�menos clim�ticos como o El Ni�o e o La Ni�a, para entender como eles contribuem com essas epidemias", vislumbra Nogueira.
A pesquisa envolve cerca de dez institui��es nacionais e internacionais. Al�m da pr�pria Famerp, outros participantes v�m do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaz�nia, da Universidade Federal do Mato Grosso, da Universidade Federal do Amazonas, da Universidade Estadual do Novo M�xico (EUA), do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e do Instituto Comemorativo Gorgas de Estudos da Sa�de (Panam�), entre outras.
O trabalho � financiado pelos Institutos Nacionais de Sa�de dos Estados Unidos e conta com o apoio da Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo (Fapesp).
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