
Em tradu��o livre, Burnout significa “queimar-se por completo”, o que caracteriza o estresse em n�vel mais intenso. O nome foi cunhado em analogia � figura da vela: quanto mais ilumina, mais se desgasta, chegando ao ponto de se findar. A s�ndrome, desencadeada pelo excesso de trabalho f�sico, emocional e psicol�gico que causa esgotamento, tens�o e estresse cr�nicos, tem efeitos e consequ�ncias ainda mais graves quando se instala em uma classe de trabalhadores espec�fica: o Burnout m�dico.
Ela atinge os profissionais da �rea de sa�de de maneira devastadora, j� que pesquisas internacionais d�o conta de que quem atua no setor tem incid�ncia duas vezes maior que uma pessoa comum para praticar suic�dio.
Nayara Neves conta que a primeira vez que a express�o foi empregada com o sentido de denotar o estresse ocupacional que atinge os profissionais de sa�de foi por Herbert J. Freudenberger, em sua obra, de 1974, denominada “Staff Burn out”.
E o problema � t�o s�rio que, em 2019, a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) reconheceu o Burnout como “s�ndrome resultante de estresse cr�nico no trabalho” e a incluiu na Classifica��o Estat�stica Internacional de Doen�as e Problemas Relacionados � Sa�de (CID-11), que entrar� em vigor em 1º de janeiro de 2022.
“� necess�rio ressaltar que a legisla��o brasileira, mais precisamente o Decreto 3.048/99, que disp�e sobre a regulamenta��o da Previd�ncia Social, j� traz o Burnout como doen�a ocupacional. O anexo II da referida norma disp�e como doen�a ocupacional a 'sensa��o de estar acabado' em virtude de 'ritmo de trabalho penoso' ou 'outras dificuldades f�sicas e mentais relacionadas ao trabalho'.”
Especialista em psicologia hospitalar, Nayara Neves enfatiza que o Burnout apresenta-se como uma intensa carga emocional e sintomas f�sicos, levando a uma m� adapta��o ao trabalho.
Afeta principalmente os trabalhadores que exercem atividades assistenciais, pelo contato pr�ximo com outros indiv�duos.
Em geral, os profissionais de sa�de s�o preparados para atender determinadas necessidades dos seus pacientes, mas nem sempre est�o prontos para entender as suas ang�stias, tampouco para se posicionar sobre seus pr�prios questionamentos e emo��es despertados pela sua atividade de trabalho.
“Principalmente no caso da pandemia, os profissionais da sa�de foram colocados em contato com a gravidade dos pacientes, a fragilidade da vida e a incerteza quanto ao processo de adoecimento e cura. Todas as limita��es impostas pela COVID-19 aumentaram a vulnerabilidade desses profissionais ao processo de adoecimento, seja pelas longas jornadas de trabalho, cobran�as excessivas, assim como pela priva��o do conv�vio familiar, o medo da contamina��o e da possibilidade de contaminar seus familiares”, ressalta.

“Para um resultado eficaz, � importante tamb�m adotar medidas preventivas e de interven��es no meio laboral. A preven��o � s�ndrome engloba a cria��o de servi�os de assist�ncia psicol�gica e psiqui�trica, melhorias das condi��es de trabalho, conscientiza��o sobre o estresse ocupacional e est�mulo � ado��o de h�bitos saud�veis na vida pessoal.”
Nayara Neves destaca que, quando os sintomas se encontram em fase mais avan�ada, � comum que o pr�prio profissional venha a faltar ao trabalho ou se envolver pouco.
“Os afastamentos relacionados a problemas mentais s�o um grave problema de sa�de p�blica mundial, com crescimento constante e impactos financeiros relevantes. Desse modo, o incentivo �s a��es de preven��o �s doen�as mentais ser� tema recorrente nos pr�ximos anos. Em casos em que o profissional tenha sintomas incontrol�veis, o tratamento multiprofissional � o mais indicado, j� que o afastamento n�o eliminar�, permanentemente, a causa do adoecimento.”
Super-her�i
A psic�loga afirma que o esgotamento mental do m�dico tem as mesmas caracter�sticas de qualquer indiv�duo acometido pela s�ndrome de Burnout (veja quadro).
No entanto, sabe-se que h� uma resist�ncia de parte dos m�dicos que se preocupam mais com os pacientes do que com a pr�pria sa�de, o que pode ser uma armadilha ao insistirem em vestir a capa de super-her�is.
“Uma autoexig�ncia elevada e constante pelo n�o atendimento das expectativas quanto ao resultado de seu trabalho pode ser muito prejudicial. Essa atitude gera um c�rculo vicioso, que deve ser quebrado. � necess�rio refletir e aceitar que as limita��es s�o parte da condi��o humana. A forma como cada um lida com as pr�prias limita��es � fundamental para um desfecho mais ou menos saud�vel. A figura do m�dico como o �nico detentor de todas as solu��es precisa ser trabalhada na forma��o do profissional e, al�m disso, culturalmente”, comenta.
Pesquisas mostram que a Burnout � mais comum em mulheres, por raz�es de natureza hist�rica, como a press�o social que ainda h� sobre a que trabalha, que cobra n�o s� excel�ncia profissional, mas tamb�m em casa.
Somado ao fato de mesmo exercendo o mesmo cargo do homem ainda no s�culo 21 ter remunera��o menor. O que aumenta a press�o.
Estudos tamb�m apontam que a s�ndrome afeta um perfil de pessoas: as idealistas, perfeccionistas, as que se dedicam em excesso ao trabalho e � organiza��o, as mais cr�ticas, mais exigentes consigo e com os outros.
S�o os profissionais mais suscet�veis a desenvolver Burnout porque lutam por um resultado, satisfa��o e reconhecimento perfeitos (o que nem sempre � poss�vel) que lhe dar�o uma insatisfa��o cr�nica com seu trabalho.
A s�ndrome de Burnout n�o escolhe categoria profissional. O esgotamento mental faz parte de qualquer fun��o.
Com a pandemia, o medo do desemprego teve sobrecarga ainda maior na press�o de resultado do dia a dia. No caso do Burnout m�dico � preocupante porque as consequ�ncias dessa exaust�o s�o ainda mais graves, uma vez que podem vir a prejudicar at� mesmo a sa�de dos pacientes sob seus cuidados.
Depress�o, estresse, cobran�a, ansiedade, perdas, sensa��o de incapacidade, tudo que m�dicos t�m lidado desde mar�o de 2020 ganham dimens�o estratosf�rica. Cen�rio que facilita o desenvolvimento do Burnout m�dico diante de uma doen�a desconhecida como a causada pelo novo coronav�rus.
Como manter a sanidade, o bem-estar?
“Tornou-se imposs�vel n�o falarmos mais sobre a necessidade de cuidados com a sa�de emocional desde o in�cio da pandemia. O estilo de vida passou por grande transforma��o e enfrentamos momentos de grande inseguran�a, medo, ansiedade. Um dos caminhos mais importantes para cuidarmos da sa�de mental � buscar se conectar com aquilo que � familiar, que faz sentido e que tem realmente impacto positivo na vida, na experi�ncia de cada um. � importante sermos aut�nticos e congruentes com os nossos valores”, avisa a psic�loga.
Mas Nayara Neves aleta que tamb�m existem cuidados particulares, que envolvem o autoconhecimento e o autocuidado, promovendo a sa�de e o bem-estar.
“Cuidados sociais importantes est�o relacionados � garantia de direitos e respeito aos valores de todos. Cuidados coletivos envolvem contatos com grupos de apoio e suporte, que crescem atualmente por meio de plataformas on-line, grupos religiosos, contatos com a fam�lia e amigos, mesmo que virtuais, com grande impacto na sa�de emocional. Os cuidados individuais, como tratamentos psicol�gicos e psiqui�tricos, podem ser necess�rios e o acesso cresce no cen�rio atual e devem ser estimulados. A pandemia trouxe a oportunidade de ampliarmos o di�logo relacionado � import�ncia de olharmos para a sa�de mental, que precisa continuamente ser discutida para a constru��o de um caminho mais pleno e saud�vel � sociedade.”
Palavra de especialista
A neuroci�ncia como aliada
Ana Carolina souxa, eurocientista e s�cia da N�mesis“Nos �ltimos tempos fala-se muito da s�ndrome de Burnout. Antes mesmo da COVID-19, que virou o modo de trabalho de cabe�a para baixo, o tema j� era considerado um dos assuntos mais relevantes para gest�o de pessoas em 2020. Pesquisa da empresa Talenses com mais de 1.400 profissionais no Brasil revelou que 44% deles j� haviam sofrido um epis�dio de Burnout. Al�m do Burnout, outros desfechos associados ao estresse, como a ansiedade e a depress�o, tamb�m foram avaliados, chegando a acometer 49% e 24% dos entrevistados, respectivamente. Na pesquisa, apenas 25% dos participantes relataram nunca ter tido um transtorno desse tipo. Ao compreender a origem do problema podemos desenvolver estrat�gias de controle do estresse que servir�o de suporte emocional para as equipes, agindo de forma preventiva e evitando que as pessoas sofram com problemas de sa�de. Vale ressaltar que situa��es de estresse s�o inerentes ao ambiente corporativo, por�m, quando mal gerenciadas, acabam trazendo preju�zos diretos e indiretos para os indiv�duos e para a pr�pria empresa. Al�m de criar canais eficientes de comunica��o, diagn�stico e tratamento do Burnout, as empresas devem se preocupar em compreender quais fatores est�o diretamente associados � resposta de estresse dos seus l�deres e colaboradores.”