
Apatia n�o � doen�a, mas sim um conjunto de sinais comportamentais que se originam a partir de alguma condi��o espec�fica, como um trauma ps�quico ou uma doen�a f�sica.
Em geral, a apatia pode ser caracterizada pela falta de motiva��o, desinteresse social, isolamento, indiferen�a.
"Qualquer pessoa pode ter um momento de ficar ap�tico, ent�o pode ser normal, como ansiedade ou tristeza", explica Luiza Bisol, psiquiatra do Ambulat�rio de Sa�de Mental do complexo Hospitalar da Universidade Federal do Cear� (UFC) e docente da mesma universidade, que � vinculada � rede Ebserh.
Ela pode surgir em qualquer idade, mas aqui faremos um recorte em crian�as, cujos sintomas podem surgir nos primeiros meses de vida ou ao longo da inf�ncia.
- 'Ningu�m sabe explicar por que meu beb� morreu enquanto dormia'
- A tr�gica hist�ria de Olly, menino de 13 anos assassinado em trama movida por redes sociais
No caso de crian�as menores — at� os cinco anos — os sintomas podem ir desde irrita��o, choro sem motivo aparente, tristeza, dificuldade de demonstrar afeto, emo��es.
"A gente avalia o desenvolvimento ao longo do tempo, mas � poss�vel ter beb�s que manifestam apatia", afirma Bisol.
J� em crian�as maiores — at� os doze anos —, os sintomas mais comuns da apatia v�o desde o isolamento, des�nimo e tristeza, at� a falta de interesse em se comunicar com a fam�lia ou fazer amizades. Mas n�o h� uma regra.
"O pediatra � o primeiro m�dico que vai avaliar a crian�a e fazer uma triagem individual. E se ele falar para a fam�lia que n�o � nada ou apenas uma fase, a gente vai deixar de intervir, sendo que o mais importante em condi��es psiqui�tricas � a interven��o", ressalta D�bora Passos, pediatra neonatologista da UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Pro Matre.
A apatia pode ser confundida com algumas caracter�sticas de personalidade, como inibi��o ou timidez.
"Na timidez, o indiv�duo tem uma resposta e iniciativa ao mundo, mas � mais contida. Nesse caso, ela s� precisa de mais est�mulo, diferente da apatia, quando voc� d� os est�mulos, tenta interagir, e a crian�a n�o responde", descreve Mauro Victor de Medeiros Filho, psiquiatra da Inf�ncia e Adolesc�ncia do Servi�o de Psiquiatria da Inf�ncia e Adolesc�ncia do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Cl�nicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo).
� poss�vel notar essa diferen�a ao levar a crian�a a um ambiente novo, como em uma festa. No in�cio, ela pode chegar com certo receio, mas em seguida se solta e come�a a brincar. Essa atitude � caracterizada apenas como inibi��o ou timidez, n�o apatia.
O psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de S�o Paulo diz, ainda, que a apatia tamb�m pode ser confundida com recusa.
"Ent�o, crian�as 'do contra' que n�o querem fazer algo ou confrontar podem n�o responder ou n�o reagir simplesmente porque est�o se opondo. Nesse caso elas est�o fazendo for�a e dispondo de energia para ser do contra, o que � ao contr�rio da apatia", relata Filho.
E s�o v�rias as causas que podem justificar uma apatia persistente, entre elas, problemas ps�quicos como:

- Depress�o infantil;
- TDAH (Transtorno de D�ficit de Aten��o com Hiperatividade)
- Transtornos de ansiedade;
- Transtornos relacionados a traumas ou estresse agudo que a crian�a tenha passado: abuso sexual e moral, maus-tratos, luto, separa��o dos pais, bullying, dificuldade financeira em casa;
- Esquizofrenia (essa doen�a n�o � t�o comum em crian�as).
J� entre as principais condi��es f�sicas est�o:
- Hipotireoidismo;
- Anemia;
- Hipovitaminose (quando existe a falta de uma ou mais vitamina no organismo);
- Doen�as oncol�gicas e/ou metab�licas.
Outro motivo que pode levar ao desenvolvimento de apatia � o transtorno do espectro autista (TEA).
"Nesse grupo de transtorno existe uma diversidade de sintomas e entre eles podemos, sim, ter a apatia, porque essas crian�as podem ter muita dificuldade de socializa��o", avalia Bisol, psiquiatra da Universidade Federal do Cear�.
Utilmente, segundo os especialistas, h� muitas altera��es comportamentais em fun��o da pandemia e do isolamento social.
"S�o reflexos do que vivemos e n�o tem doen�as relacionadas. � absolutamente comportamental", comenta a pediatra D�bora Passos, ressaltando que esses casos tamb�m precisam de avalia��o cl�nica e acompanhamento psicol�gico.
Jos� Martins Filho, m�dico pediatra, professor titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) chama aten��o para outro ponto importante: a falta de est�mulo familiar.
- Ap�s investiga��o da BBC, chin�s � preso acusado de espalhar v�deos racistas com crian�as africanas
- Os degradantes v�deos racistas com crian�as africanas feitos para entretenimento por youtubers chineses
"Eu tenho um livro chamado A crian�a terceirizada onde eu falo de pais e m�es que saem para trabalhar e n�o podem brincar com as crian�as. Da� elas v�o para a escola e ficam retra�das ou ent�o s� ficam nos aparelhos eletr�nicos. Tudo isso pode acarretar nesse sintoma de apatia", alerta o especialista, que apresenta um canal no YouTube chamado Fam�lia Amor e Cuidado voltado para pais e cuidadores.
Como descobrir que a crian�a est� com apatia?
O primeiro passo � observar o comportamento da crian�a, pois a apatia costuma ser bastante percept�vel.
"� preciso analisar a consist�ncia e a frequ�ncia desses sinais comportamentais, porque � preciso descobrir o que est� causando essa apatia precocemente", indica a psic�loga infantil Cynthia Marden, do ambulat�rio de psiquiatria do Hospital Universit�rio Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Para�ba (HULW-UFPB), que faz parte da Rede Ebserh.
Nesse sentido, � v�lido ressaltar que cada crian�a tem um tempo de desenvolvimento diferente, enquanto umas andam, falam e demonstram interesse em aprendizados mais cedo, outras demoram um pouco mais. E tudo bem, desde que a crian�a atinja o esperado para a sua faixa et�ria em termos de desenvolvimento f�sico e cognitivo.
Por isso � t�o importante que, mesmo depois do primeiro ano de vida, a crian�a continue sendo acompanhada periodicamente.
"O pediatra n�o � um m�dico s� da crian�a, ele � um m�dico da fam�lia. � muito al�m do que apenas pesar e medir a crian�a. Muitas vezes, o pediatra chama aten��o para aquilo que os pais n�o est�o percebendo, e isso acontece muito no consult�rio", relata Passos, a pediatra do Hospital e Maternidade Pro Matre.

Al�m do m�dico, professores tamb�m t�m um papel essencial em um poss�vel diagn�stico, j� que eles passam ao menos meio per�odo com as crian�as.
"Tirar um tempo na semana ou mesmo no final de semana para interagir com a crian�a � fundamental, caso contr�rio, os pais n�o v�o perceber qualquer comportamento at�pico nos filhos", alerta Passos.
E ap�s descartar doen�as f�sicas no atendimento cl�nico inicial, o pediatra encaminha a crian�a para avalia��o do psic�logo ou psiquiatra.
"A partir do momento que h� frequ�ncia e persist�ncia tendo preju�zo no campo funcional, como a crian�a n�o querer tomar banho, fazer a li��o, sair para os lugares, n�o ter interesse frente a um instrumento musical ou que haja preju�zo social como falta de intera��o com os amigos ou a fam�lia, podemos dizer que a apatia come�ou a se tornar um problema", define Filho, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Cl�nicas.
Apatia tem tratamento?
Como a apatia n�o � uma doen�a, o tratamento � direcionado para a causa do sintoma. Ou seja, se for uma anemia, o quadro � que dever� ser tratado para melhorar as rea��es adversas.
O mesmo ocorre com transtornos psicol�gicos, que normalmente s�o tradados com terapias e, em alguns casos, medica��o. "Lembrando que ela � um sintoma que pode estar presente em v�rios diagn�sticos", diz Filho.
A postura dos pais em rela��o a esse sintoma � orientada de acordo com a patologia. "Ent�o teremos uma postura para depress�o diferente se o caso for de ansiedade. As orienta��es aos pais devem ser associadas aos diagn�sticos relacionados a apatia", conclui Filho, psiquiatra da Inf�ncia e Adolesc�ncia do Instituto de Psiquiatra do Hospital das Cl�nicas.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61898646
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!