"Mam�e, quero jogar futebol com eles", pediu Fabr�cio, de 11 anos, � m�e, Mariana Caminha. Era um fim de semana de sol em Bras�lia.
Ela e outros adultos faziam churrasco na �rea externa de num condom�nio fechado, e um grupo de crian�as jogava futebol na quadra ao lado. Mariana n�o conhecia aqueles meninos, mas queria atender o desejo do filho.
Fabr�cio tem autismo, ent�o, n�o participaria da partida no mesmo ritmo dos outros garotos. Sem saber como as crian�as receberiam seu filho, ela diz que decidiu dar uma chance ao acaso e pedir que inclu�ssem o menino.
"Meu impulso na hora foi dar uma olhadinha para ver quem poderia ser o l�der ali, a crian�a com maior influ�ncia no grupo. Localizei um menino maior, cheguei perto dele e disse: 'Olha, voc� est� vendo aquele menino ali? Ele quer jogar com voc�s'", disse Mariana, que trabalha em uma consultoria ambiental brit�nica.
"Ele � autista, ent�o, n�o entende muito bem as regras. Se ele entrar na quadra, voc� d� uma forcinha para ele?", pediu ela ao garoto. "O menino deu sinal de ok e n�o perguntou absolutamente nada. Eu sa� e fiquei olhando, para dar ao Fabr�cio espa�o para ter iniciativa."

Fabricio, de 11 anos, tem autismo
Arquivo pessoalO filho de Mariana entrou feliz na quadra e se juntou aos outros meninos, come�ando a correr com o grupo. A m�e ficou observando receosa, mas contente com a iniciativa do filho, e decidiu filmar a cena.
O que se desenrolou em seguida emocionou Mariana e milhares de pessoas que assistiram depois ao v�deo, que viralizou nas redes sociais.
"A minha expectativa ali era muito baixa. A minha expectativa era s� que n�o expulsassem ele, que deixassem ele jogar um pouquinho, sem mandar para fora da quadra", disse � BBC News Brasil.
"Mas o que aconteceu foi muito maior do que eu estava esperando. Eles n�o s� o inclu�ram, deixaram ele jogar, mas tamb�m mudaram a din�mica do jogo para fazer com que o Fabr�cio se sentisse parte daquilo ali."

Fabr�cio passou por v�rios neuropediatras at� ser diagnosticado
Arquivo pessoalAs imagens registradas por Mariana mostram que, depois que Fabr�cio entrou, o jogo continuou igual por alguns segundos. Depois, um menino mais velho pegou a bola e passou para Fabr�cio, indicando discretamente aos outros que eles deveriam dar espa�o para que o menino ficasse um tempo com a bola no p�.
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Organicamente, sem precisar de qualquer outra comunica��o, os meninos acompanharam Fabr�cio, sem roubar a bola. "Chuta para o gol!", gritou Mariana ao filho, com a voz carregada de entusiasmo.
Fabr�cio, ent�o, se concentrou, girou devagar em dire��o ao gol, enquanto os demais jogadores se movimentaram ao seu redor, sem disputar a bola. Ele mirou, chutou e fez o gol.
Imediatamente, os outros meninos comemoram. Um deles esticou as m�os num em um "toca aqui!". E o jogo continuou.
"Meus olhos se encheram d'�gua. Foi a inclus�o da forma mais genu�na que eu tinha experimentado durante todos esses anos, desde o diagn�stico do Fabr�cio", conta Mariana.
"N�s passamos por v�rios momentos bons e ruins no que se diz respeito � inclus�o, mas ali eu acho que foi o momento mais lindo, porque n�o foi uma crian�a, foram v�rias crian�as, crian�as que n�o conheciam ele, que talvez nem tenham conhecimento em rela��o ao autismo."
V�deo viralizou
Mariana decidiu postar o v�deo nas redes sociais e logo come�ou a receber curtidas e coment�rios emocionados.
Depois, uma conta no Instagram sobre atividades infantis em Bras�lia repostou as imagens, e, em pouco tempo, o v�deo alcan�ou mais de 20 mil visualiza��es.
A m�e de Gustavo, um dos meninos que comemoraram o gol com Fabr�cio, viu o v�deo por acaso nessa conta e ficou emocionada com a atitude do filho.
"Voc� encheu meu cora��o de alegria. O menino de amarelo � o Gustavo, meu filho. Ele tem um amig�o que tamb�m tem autismo, o Enzo. Eu amo a amizade deles", escreveu.
Mariana respondeu elogiando: "Muito lindo seu filho. Fiquei encantada com ele. Parab�ns pelo lindo ser humano que voc� est� criando".
� BBC News Brasil, a m�e de Gustavo, Ticiana Villas Boas, disse que o epis�dio demonstrou que o "preconceito vem dos adultos" e defendeu que escolas e fam�lias reforcem a inclus�o.
"A crian�a n�o tem esse olho para vigiar. 'Olha, aquele menino tem S�ndrome de Down ou aquele menino � autista'. Isso acaba partindo muito da gente. Ent�o, acho que essa parte da inclus�o devia ser realmente mais trabalhada nas escolas, com as crian�as, de modo que elas se tornem adultos diferentes. Porque, com os adultos, desfazer preconceitos � muito mais dif�cil", disse.
"Eu acho que se a gente come�a a trabalhar isso l� na inf�ncia, a gente come�a a mudar as gera��es que est�o por a�."
Ao chegar em casa, Fabr�cio demonstrou que aquele momento de inclus�o significou muito para ele.
"Quando a gente voltou, meu pai estava aqui e perguntou ao Fabr�cio como tinha sido o churrasco de anivers�rio. E ele respondeu: 'Eu joguei futebol! Joguei futebol com meus amigos'. Aquele foi o momento mais especial do dia para ele. Olha que mem�ria bonita", conta Mariana.
"A intera��o � muito importante para as crian�as com autismo, e essas crian�as t�m que estar na escola, elas t�m que aprender. Elas t�m que conviver com crian�as neurot�picas e com crian�as com outros tipos de defici�ncia, porque � na diversidade que se faz a riqueza da sociedade", defende.
E um dia de inclus�o espont�nea como aquele na partida de futebol vale muito na vida de uma fam�lia com crian�a autista, j� que os desafios s�o muitos e come�am com a dificuldade de um diagn�stico preciso, diz Mariana.
Troca-troca de m�dicos
No caso de Fabr�cio, o diagn�stico veio pouco depois dos 2 anos de idade. Pais de primeira viagem, Mariana e o marido n�o tinham ideia do que poderia ser um sinal de autismo.
Os dois moravam em Londres e, quando tiveram o beb�, n�o conviviam com pais de outras crian�as pequenas para poder observar comportamentos t�picos da idade.
"Obviamente, existiam alguns aspectos do comportamento do Fabr�cio que n�o eram muito esperados de uma crian�a naquela idade. Ele n�o batia palminha, n�o tinha um sorriso social, n�o fazia contato visual. S� que, para uma m�e de primeira viagem, isso n�o quer dizer muita coisa", conta.

Pouco depois do diagn�stico de Fabr�cio (dir.), sua m�e descobriu que estava gr�vida de Santiago (esq.)
Arquivo pessoalQuando se mudaram para Bras�lia, Fabr�cio passou a frequentar a creche, e a professora sugeriu que o levassem ao neurologista.
"Foi uma luta para a gente conseguir esse diagn�stico. Fomos a pelo cinco neuropediatras. Eles diziam que cada crian�a tem seu tempo, que isso era da personalidade dele. At� que fomos a S�o Paulo para uma consulta com um neurologista especialista em autismo que tinha 50 anos de experi�ncia", diz.
"Ele bateu o olho e, depois de um exame, j� falou: olha, o seu filho est� dentro do espectro autista, e � assim que voc� deve levar sua vida. Ent�o, ele passou uma s�rie de indica��es de profissionais. A� o mundo se abriu, porque n�s n�o t�nhamos ningu�m diagnosticado como autista na fam�lia."
Nos Estados Unidos, uma a cada 44 crian�as de at� 8 anos � diagnosticada com autismo, conforme o Centro para Controle e Preven��o de Doen�as (CDC, na sigla em ingl�s).
No Brasil, n�o h� esse levantamento, mas os dados dos Estados Unidos indicam como � alta a incid�ncia do autismo. Para efeito de compara��o, no caso da S�ndrome de Down, a preval�ncia � de 1 a cada 700 beb�s, segundo o CDC.
Mariana destaca a import�ncia de difundir informa��es sobre o autismo e de garantir um diagn�stico precoce. Quanto mais cedo uma crian�a autista recebe terapias para auxiliar no seu desenvolvimento, melhor o progn�stico.
"A gente sabe que, quando se recebe o diagn�stico, existe uma corrida contra o tempo para garantir a estimula��o precoce em uma fase crucial de desenvolvimento."
Rotina de terapias
Quando ficaram sabendo que Fabr�cio era autista, Mariana e o marido mergulharam em pesquisas para entender o que podiam fazer pelo filho.
Atualmente, o menino segue uma rotina intensa de terapias, que incluem estimula��o sensorial, fonoaudi�logo e simula��o de ambiente escolar, com exerc�cios que imitam intera��es sociais.
"� uma rotina dura. �s segundas, quartas e sextas, ele fica integral na escola. Ent�o ele vai para a escola, almo�a l� e na parte da tarde tem um monte de atividades f�sicas, de artes e tamb�m exerc�cios. Ter�as e quintas s�o os dias de terapia", diz.
"A estimula��o sensorial � importante porque a gente sabe que ele percebe as coisas diferente. �s vezes, um som soa muito mais alto do que �. �s vezes, a roupa que ele usa pode incomodar. Ent�o, existe um desequil�brio sensorial que a terapia ajuda a controlar."
Depois de ter Fabr�cio e antes de descobrir que o filho tinha autismo, Mariana engravidou novamente, de Santiago, atualmente com 8 anos. Ele n�o tem autismo e � um grande companheiro de Fabr�cio, conta a m�e dos meninos.
"O Santiago defende o irm�o e explica para as crian�as e adultos o que � o autismo. Ele sabe os comportamentos que deve ignorar para n�o refor�ar, � um superterapeuta e muito amigo do Fabr�cio."
D�vidas sobre o futuro
Para Mariana, o mais dif�cil � imaginar o que pode acontecer no futuro. Ela se considera privilegiada por conseguir arcar com os custos de terapias para o filho, mas lamenta a falta de pol�ticas p�blicas de sa�de para atender aos milh�es de pessoas no espectro autista que n�o t�m condi��es econ�micas para isso.
"O maior medo quando voc� tem um filho com defici�ncia � o que vai ser dele quando voc� n�o estiver mais aqui. Seria t�o bom se houvesse algum tipo de assist�ncia, de programa de sa�de, mas isso n�o existe. Como lidar com isso? Cada fam�lia lida de uma maneira", diz.
Por enquanto, Fabr�cio tem superado expectativas, com o apoio da fam�lia, das terapias e dos amigos. Frequenta a mesma escola do irm�o, tem amigos e sabe ler.
"Voc� tem desde pessoas autistas que s�o extremamente funcionais, que passam em concurso p�blico, se casam, at� um adulto que usa fraldas com 45 anos. Por isso, falamos de um espectro autista", explica.

Fabricio superou expectativas e aprendeu a andar, falar e ler
Arquivo pessoal"Onde o Fabr�cio est� nesse espectro? Eu n�o sei. Cada momento do desenvolvimento � uma surpresa. Ser� que ele vai conseguir falar? Falou. Depois, ser� que ele vai ser alfabetizado? Ele foi", conta.
"Agora, a gente est� entrando em um outro momento, que � a adolesc�ncia. Daqui a pouco ele � pr�-adolescente, e a� � outra hist�ria, porque vem horm�nios e tudo mais. Cada �poca tem o seu desafio. � assim com toda crian�a, mas com uma crian�a com autismo isso � mais acentuado."
Mariana diz que a maior recompensa em todo esse processo � ver que Fabr�cio � feliz. E as crian�as que espontaneamente inclu�ram o menino no jogo de futebol naquela tarde de sol eternizaram uma mem�ria de acolhimento e amizade.
"Momentos simples como esse da partida de futebol podem ter um significado enorme. Eles me fazem ver que as crian�as s�o muito mais abertas, emp�ticas e dispostas a incluir do que a gente imagina. Isso � muito bonito."
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-61710531
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