Cigarros eletr�nicos est�o proibidos no Brasil desde 2009
Tratar a depend�ncia por cigarros eletr�nicos j� virou rotina para a cardiologista Jaqueline Scholz. "Cada vez mais recebo no meu consult�rio jovens de 16 a 24 anos que usam esse produto e t�m uma taxa de nicotina no organismo equivalente ao consumo de mais de 20 cigarros por dia", calcula.
Para ter ideia, o fumante brasileiro consome em m�dia 17 cigarros "convencionais" por dia, segundo um levantamento do Instituto Nacional de C�ncer (Inca).
Diretora do Ambulat�rio de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Cora��o (InCor), a m�dica mostra-se preocupada com o apelo desses dispositivos, especialmente entre os adolescentes e os adultos jovens.
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Um levantamento publicado neste ano mostrou que quase um em cada cinco brasileiros de 18 a 24 anos usaram o cigarro eletr�nico pelo menos uma vez na vida, mesmo que a comercializa��o desse produto seja proibida pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa).
"Se n�o cuidarmos desse problema agora, o uso desses dispositivos tem tudo para virar uma epidemia em breve", complementa.
Em entrevista � BBC News Brasil, a especialista listou todos os riscos e controv�rsias do uso do cigarro eletr�nico e o impacto que isso pode ter na sa�de.
Lobo em pele de cordeiro?
Scholz aponta que, desde o surgimento das primeiras vers�es h� cerca de 20 anos, esses aparelhos sempre se promoveram com base no argumento de que seriam menos danosos � sa�de.
"Ainda se diz que, por n�o ter combust�o e n�o produzir fuma�a, esses dispositivos seriam supostamente mais seguros", contextualiza.
A cardiologista lembra que essas informa��es serviram de base para vender o cigarro eletr�nico em muitos pa�ses como uma esp�cie de "redu��o de danos", ou um tratamento para indiv�duos que desejavam parar de fumar.
A grande quest�o, argumenta ela, � que n�o existem estudos cient�ficos suficientes para dar suporte a tais afirma��es — e toda a publicidade relacionada a esses produtos parece estar mais voltada a conquistar novos usu�rios (especialmente os jovens), e praticamente ignora esse poss�vel vi�s terap�utico.
"V�rios pa�ses, como o pr�prio Reino Unido, aceitaram esse argumento e liberaram os cigarros eletr�nicos. O que aconteceu nesses lugares foi um aumento da preval�ncia de fumantes", observa Scholz.
Para a m�dica, n�o faz sentido ver o cigarro eletr�nico como um tratamento m�dico e deix�-lo apenas na m�o das pessoas, para que elas decidam quando e como us�-lo. "Se o prop�sito desse produto fosse terap�utico mesmo, ele n�o poderia ser vendido em qualquer lugar, como acontece agora."
"Ele teria que ser prescrito ap�s uma avalia��o m�dica, em que o profissional concluiria que o paciente n�o consegue parar de fumar com os outros m�todos que temos a oferecer. A partir da�, seria poss�vel indicar a dosagem e o uso correto dessa subst�ncia", complementa.
A m�dica diz com conhecimento de causa: ela lidera um dos mais bem sucedidos ambulat�rios de tratamento do tabagismo do pa�s. Ao aliar medicamentos, mudan�as comportamentais e acompanhamento, ela consegue que at� 70% dos pacientes larguem o v�cio.
Scholz aponta que, al�m de n�o cumprir as promessas terap�uticas, o cigarro eletr�nico pode seguir pelo caminho contr�rio e fazer mal � sa�de.

Diversos l�quidos arom�ticos podem ser utilizados nos cigarros eletr�nicos
Getty ImagesCondicionamento e est�mulo ao v�cio
A m�dica chama a aten��o para tr�s dos principais ingredientes que aparecem nesses dispositivos: o propilenoglicol, a nicotina e as subst�ncias arom�ticas.
O propilenoglicol funciona como uma esp�cie de ve�culo, capaz de diluir e carregar a nicotina pelo nosso organismo.
A nicotina, por sua vez, � uma subst�ncia psicoativa encontrada originalmente no tabaco, que provoca uma depend�ncia muito forte.
Durante o uso do cigarro eletr�nico, ela � tragada pela boca, passa pelos pulm�es, cai na corrente sangu�nea e vai parar no c�rebro, onde provoca uma sensa��o moment�nea de bem-estar.
Por fim, temos as subst�ncias arom�ticas, que imitam os mais diversos cheiros, que v�o de menta a creme brul�e.
Scholz destaca que esses tr�s ingredientes podem representar riscos � sa�de em diferentes aspectos.
"Para come�ar, os aromas tornam esses dispositivos algo mais aceito socialmente. Afinal, o cheiro de menta, mel ou morango � muito mais agrad�vel do que o dos cigarros convencionais."
E esse atributo, argumenta a cardiologista, aumenta a curiosidade e tira o medo de um p�blico mais jovem, que desde pequeno est� acostumado a ouvir sobre os malef�cios do tabagismo "tradicional".
"J� o propilenoglicol � muito usado na ind�stria aliment�cia, e o pessoal simplesmente assumiu que, como ele � seguro para ser consumido na comida, tamb�m n�o far� mal quando inalado", diz.
"Mas n�o temos estudos suficientes sobre isso, at� porque esses dispositivos hoje trazem tantos aditivos que n�o possu�mos uma ideia exata das rea��es qu�micas que acontecem ali, numa temperatura alta."
"E n�s j� vimos alguns trabalhos que detectaram subst�ncias cancer�genas na bexiga e na urina de usu�rios do cigarro eletr�nico", complementa a especialista.
Depend�ncia e les�es em �rg�os vitais
Para fechar a lista, n�o d� pra se esquecer da nicotina.
"As novas gera��es de cigarro eletr�nico trazem sais de nicotina que s�o cada vez menores e entregues em alta quantidade, o que aumenta a depend�ncia", informa Scholz.
A m�dica conta que, ao receber um usu�rio desses aparelhos em seu consult�rio, ela sempre realiza um teste r�pido de urina, que mede a quantidade de nicotina que o indiv�duo tem no organismo.
"� muito comum que os pacientes jovens, de 16 a 24 anos, tenham um n�vel de nicotina que equivale a fumar mais de 20 cigarros convencionais por dia", calcula.
Ali�s, o pr�prio mecanismo desses dispositivos facilita o uso constante. Al�m de n�o ter nenhum cheiro desagrad�vel, ele n�o precisa ser aceso ou apagado. "Esse � um produto que voc� pode utilizar continuamente. Voc� deixa no bolso, d� uma baforada e guarda de novo. Depois pode pegar novamente, quando quiser", explica Scholz.
"Isso cria uma rotina de condicionamento, e a pessoa passa a usar o cigarro eletr�nico na rua, no trabalho, no banheiro da escola, deitado na cama…"
Al�m de causar depend�ncia, a nicotina tamb�m tem efeitos em �rg�os importantes, como o cora��o e os pulm�es.
"A nicotina n�o � uma subst�ncia in�cua. Ela aumenta a frequ�ncia card�aca, altera a press�o arterial e pode lesar o endot�lio, a camada interna dos vasos sangu�neos", lista.
"Por isso, o risco card�aco de um usu�rio de cigarro eletr�nico � praticamente o mesmo de algu�m que fuma cigarros convencionais."
"Nos pulm�es, as nanopart�culas de nicotina podem entrar nos alv�olos, causar espasmos respirat�rios e at� doen�as inflamat�rias", acrescenta a m�dica.
"H� alguns anos, tivemos uma s�rie de casos desse tipo, especialmente nos Estados Unidos, que chamaram a aten��o. Uma parte desses pacientes usava outras subst�ncias, mas cerca de um ter�o consumia exclusivamente a nicotina."

Cigarros eletr�nicos podem causar uma doen�a inflamat�ria nos pulm�es de indiv�duos suscet�veis, avalia m�dica
Getty ImagesComo resolver esse problema?
Scholz v� com bons olhos a recente decis�o da Anvisa, que manteve a proibi��o do cigarro eletr�nico no Brasil.
"Foi a melhor coisa a ser feita. Se esse produto estivesse liberado, isso iria se transformar numa terra devastada em termos de novos usu�rios", considera.
"A partir do momento em que essa decis�o entrar em vigor como lei definitiva, a tend�ncia � termos uma melhora na fiscaliza��o da venda e do uso desses dispositivos em lugares p�blicos."
As principais empresas do ramo se mostraram contr�rias � posi��o da Anvisa.
Em nota enviada � BBC News Brasil, a BAT Brasil (British American Tobacco Brasil), conhecida como Souza Cruz e maior ind�stria de tabaco do pa�s, destacou que a decis�o recente da Anvisa � "mais uma etapa do processo regulat�rio e n�o representa a conclus�o final da ag�ncia." Para a empresa, a libera��o traria maior controle sanit�rio para a produ��o e venda dos cigarros eletr�nicos.
"Entendemos que a Anvisa, ao manter o tema na Agenda Regulat�ria, continuar� avaliando as evid�ncias cient�ficas que substanciaram a decis�o de cerca de 80 pa�ses que j� regulamentaram esses produtos. Al�m disso, a diretoria da Anvisa externou sua grande preocupa��o com o mercado ilegal dos cigarros eletr�nicos no Brasil, que segue crescendo, abastecido por produtos contrabandeados e sem qualquer controle sanit�rio", disse.
"Uma regulamenta��o adequada garantiria a milh�es de consumidores adultos de cigarros eletr�nicos no Brasil o acesso ao produto legal, com composi��o e proced�ncia conhecidos, par�metros de qualidade, fiscaliza��o e monitoramento sanit�rio", concluiu a empresa.
J� a Japan Tobacco International criticou o fato de o uso desses dispositivos eletr�nicos ser "abastecido pelo com�rcio il�cito". A Philip Morris Brasil declarou que continuar� "o di�logo sobre a regulamenta��o do tabaco aquecido", que � um "produto diferente dos chamados cigarros eletr�nicos".
O tabaco aquecido, como mencionado pela empresa, � um dispositivo que n�o traz aromas diferentes, mas carrega nicotina.
Por fim, Scholz destaca que, para os usu�rios de cigarro eletr�nico que desejam abandonar o v�cio, existem tratamentos validados cientificamente. "Temos recursos terap�uticos e v�rios ambulat�rios capacitados espalhados pelo Brasil, inclusive no Sistema �nico de Sa�de (SUS)", informa a cardiologista.
"� poss�vel amenizar o sofrimento das pessoas, que ficam em abstin�ncia, e alcan�ar bons resultados", conclui.
Esta reportagem foi originalmente publicada em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62269733
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