(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

Por que popula��o brasileira fica mais feminina e idosa e como isso molda futuro do pa�s

Ao longo de 200 anos, homens j� foram a maioria entre os brasileiros, mas isso mudou nas �ltimas d�cadas e essa mudan�a vai se acentuar ainda mais, explica dem�grafo.


04/09/2022 08:09 - atualizado 04/09/2022 09:57


Idosa em praia do Rio, em foto de 2020
Ao final do s�culo 21, pessoas com mais de 60 anos devem ser 40% da popula��o do Brasil; maioria ser� de mulheres (foto: Getty Images)

O futuro do Brasil � feminino. � tamb�m, cada vez mais, idoso e negro.

Predominantemente masculina e jovem at� os anos 1940, a popula��o brasileira vem se transformando em ritmo equivalente ao de pa�ses asi�ticos.

E as mulheres, que demoraram muito mais do que os homens a poderem votar, hoje tamb�m superam numericamente os eleitores masculinos — al�m de impulsionarem o crescimento da popula��o economicamente ativa do pa�s.

Essas e outras mudan�as ao longo dos �ltimos dois s�culos — desde a proclama��o da Independ�ncia, em 1822 — s�o detalhadas pelo dem�grafo Jos� Eust�quio Diniz Alves no livro rec�m-lan�ado Demografia nos 200 Anos da Independ�ncia do Brasil e cen�rios para o s�culo 21.

Nesse per�odo, a popula��o brasileira cresceu mais de 45 vezes: passou de estimados 4,7 milh�es em 1822 para os cerca de 215 milh�es que ter� no final deste ano.

Por d�cadas, o pa�s recebeu um influxo de pessoas que eram majoritariamente do s�culo masculino, desde pessoas escravizadas vindas da �frica at� imigrantes vindos de pa�ses como Jap�o e It�lia, em uma estrat�gia do governo para "branquear a popula��o" ap�s a aboli��o da escravid�o.

O foco no fortalecimento da for�a de trabalho, fosse ela escravizada ou livre, foi um dos principais motivos para que at� meados do s�culo 20, o p�ndulo demogr�fico no Brasil pendesse numericamente para os homens.

O que aconteceria depois mudaria rapidamente esse cen�rio.

Mais anos de vida, menos filhos


Gráfico da população com 60 anos ou mais no Brasil
(foto: BBC)

Com os avan�os socioecon�micos do pa�s, a mortalidade infantil caiu e a expectativa m�dia de vida, que era apenas de 25 anos na �poca da Independ�ncia, subiu para 75.

Ao mesmo tempo, o n�mero de filhos por mulher, em m�dia 6,2 em 1940, caiu para 1,7 em 2020. Essa mudan�a, chamada de "transi��o da fecundidade", "� considerada uma das transforma��es sociais mais importantes e mais complexas", escreve Diniz Alves, cujos levantamentos embasam os gr�ficos desta reportagem.

"Durante a maior parte da hist�ria brasileira, as taxas (de natalidade) eram altas para se contrapor �s elevadas taxas de mortalidade e porque as fam�lias desejavam muitos filhos, j� que as crian�as traziam mais benef�cios do que custos para os pais. Por�m, (...) os custos dos filhos subiram e os benef�cios diminu�ram. Os filhos deixaram de ser um 'seguro' para os pais, que passaram a contar com o sistema de prote��o social e previd�ncia. Essa transi��o tem um grande impacto nas fam�lias e na sociedade, pois muda a rela��o entre as gera��es e modifica a estrutura et�ria."

A combina��o de menos beb�s nascendo e pessoas vivendo mais significou o crescimento da propor��o de idosos no pa�s. E a balan�a da longevidade pendeu para o lado das mulheres.

Em todo o mundo, segundo Diniz Alves, os homens s�o menos longevos: s�o proporcionalmente mais atingidos pela viol�ncia urbana e tendem a cuidar menos da sa�de. Mas, na Am�rica Latina em geral, Brasil inclu�do, o fen�meno � mais acentuado.


Mulhere e bebê em Manaus em foto de 2020
N�mero de filhos por mulher, que era em m�dia 6,2 em 1940, caiu para 1,7 em 2020 no Brasil (foto: Getty Images)

Um exemplo disso � o fato de que 90% das v�timas de homic�dio e latroc�nio do pa�s em 2021 foram do sexo masculino, de acordo com o mais recente Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica.

Homens tamb�m s�o a maioria das v�timas fatais dos acidentes de tr�nsito. Um levantamento do Detran paulista em 2020 apontou que 93% dos mortos em colis�es no Estado eram do sexo masculino.

O documento Dados da Morbidade Masculina no Brasil, elaborado em 2015 pelo Minist�rio da Sa�de, aponta que eles respondiam por 68% das mortes na faixa et�ria entre 20 a 59 anos.

As principais causas de morte nessa faixa et�ria foram les�es, envenenamento e outras consequ�ncias de causas externas; doen�as do aparelho digestivo; doen�as circulat�rias, infecciosas, parasit�rias e respirat�rias.

"O sexo masculino possui os piores �ndices de morbimortalidade, e ainda assim n�o tem o h�bito de procurar os servi�os de sa�de de forma preventiva", diz o Minist�rio em um boletim epidemiol�gico de 2022.

Como resultado dessa conjuntura de fatores, os homens brasileiros passaram a viver, em m�dia, 7,1 anos a menos do que as mulheres.

"O Brasil teve mais homens em boa parte da sua hist�ria, at� cerca de 1940. Hoje, por�m, temos cerca de 5 ou 6 milh�es de mulheres a mais", explica Diniz Alves � BBC News Brasil.

Os homens tamb�m foram mais impactados pela pandemia de covid-19, que reduziu em quase dois anos a expectativa de vida m�dia dos brasileiros.

Segundo um estudo da Faculdade de Sa�de P�blica da Universidade Harvard, nos EUA, coordenado pela dem�grafa M�rcia Castro, a pandemia ampliou em cerca de 9,1% a diferen�a na expectativa de vida entre homens e mulheres.

Com isso, homens est�o vivendo cerca de 1,57 ano menos e mulheres, 0,9 por conta da pandemia.

Maioria nas elei��es

Esse fen�meno demogr�fico j� tem grandes implica��es eleitorais.


Gráfico de mulheres no eleitorado
(foto: BBC)

Se o pa�s j� tem 6 milh�es de mulheres a mais do que homens, a diferen�a fica ainda maior se leva-se em conta apenas o contingente de pessoas aptas a votar.

Hoje, o eleitorado brasileiro � composto por 53% de mulheres contra 47% de homens, uma diferen�a de quase 8 milh�es de pessoas.

Essa virada tardou cerca de 70 anos em acontecer. "As mulheres brasileiras conquistaram o direito de voto em 1932. Por�m, mesmo sendo maioria da popula��o, continuaram minoria do eleitorado at� a virada do s�culo", explica Diniz Alves.

"Em 1974, mais de quatro d�cadas depois dessa conquista, as mulheres ainda eram apenas um ter�o do eleitorado. A diferen�a de g�nero diminuiu aos poucos e, em 1998, houve empate, com cerca de 53 milh�es de eleitores para cada sexo. J� nas elei��es do ano 2000, pela primeira vez, as mulheres superaram os homens no n�mero de eleitores registrados."

No cen�rio atual, um subgrupo feminino em especial, o das evang�licas, � apontado como um dos p�ndulos da elei��o presidencial de outubro.

Esse eleitorado votou em peso em Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e ainda apoia, em sua maioria, o atual presidente, embora tenha ficado mais dividido entre ele e seu principal advers�rio no pleito, o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT).

Um futuro com 40% da popula��o acima de 60

Ao mesmo tempo, o fen�meno demogr�fico atual provoca um r�pido processo de envelhecimento dos brasileiros, algo que Diniz Alves tamb�m destaca em sua pesquisa.

Em 1950, as pessoas de 60 anos ou mais eram apenas 5% da popula��o total do pa�s. No fim s�culo 21, por�m, devem chegar a 40%, prev� o dem�grafo, a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) e das proje��es populacionais da ONU.


Marcha das Mulheres Negras, em julho, em São Paulo
Marcha das Mulheres Negras, em julho, em S�o Paulo; mulheres vivem mais, estudam mais e acumulam mais tarefas %u2014 mas ganham menos (foto: Reuters)

� um caminho semelhante ao visto em grande parte da popula��o mundial, mas com consequ�ncias importantes para a "cara" do pa�s no futuro.

As estimativas da ONU indicam que, nos padr�es atuais, o Brasil ter� cerca de 184,5 milh�es de habitantes em 2100, na entrada do s�culo 22. Desse total, impressionantes 73,3 milh�es — 40% da popula��o — ter�o mais de 60 anos.

"E, entre a popula��o no topo da pir�mide et�ria, as mulheres v�o predominar durante todo o per�odo" dessa transi��o demogr�fica, prev� Diniz Alves.

Dentro desse contingente de pessoas com mais de 60 anos, haver�, segundo as previs�es, quase 4 milh�es de mulheres a mais do que homens.

� por isso que o futuro do Brasil vai ser cada vez mais idoso, mais feminino e, seguindo a tend�ncia atual, de renda mediana, antecipa o dem�grafo. Provavelmente tamb�m crescer� a parcela que se autodeclara negra.

"No s�culo 19, a maioria da popula��o era negra (em decorr�ncia da escravid�o), e depois houve um processo de embranquecimento, impulsionado pela imigra��o europeia e asi�tica. No s�culo 20, a maior parte se autodeclarava branco. Agora, nos anos 2000, aumentou a autodeclara��o de pretos e pardos", diz o dem�grafo.

De fato, segundo o IBGE, o n�mero de pessoas que se autodeclaram pretos aumentou de 7,4% em 2012 para 9,1% em 2021 e os pardos foram de 45,6% para 47% nos �ltimos dez anos. Os autodeclarados brancos ca�ram 46,3% para 43%.

Mulheres puxam 'b�nus demogr�fico', mas enfrentam barreiras


Gráfico da população economicamente ativa
(foto: BBC)

Diniz Alves ressalta ainda que, enquanto a transi��o a um pa�s mais idoso n�o se completa, o pa�s ainda est� no per�odo chamado de b�nus demogr�fico — janela de oportunidade em que a popula��o economicamente ativa, mais jovem, ainda � bem mais numerosa do que a idosa, que depende mais de aposentadorias.

Esse per�odo, se aproveitado, ajuda a aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) de um pa�s e sua estrutura de previd�ncia, poupan�a, investimento e bem-estar social, preparando-o para a mudan�a na popula��o.

"Com certeza o b�nus demogr�fico brasileiro � puxado totalmente pelas mulheres", afirma o dem�grafo.

Isso porque a popula��o economicamente ativa, que em grande parte do s�culo passado foi predominantemente masculina, foi ganhando cada vez mais mulheres.

"E elas n�o s� entraram no mercado de trabalho como passaram os homens em todos os n�veis escolares no Brasil", do ensino m�dio at� a p�s-gradua��o. O problema � que elas ainda enfrentam muito mais obst�culos em suas carreiras.

O relat�rio de 2019 da Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE) "Education at Glance" apontou que, ao mesmo tempo em que as mulheres brasileiras tinham 34% mais probabilidade de se formar no ensino superior do que seus pares do sexo masculino, tamb�m tinham menos chance de conseguir emprego.

"Embora a disparidade de g�nero na educa��o favore�a as mulheres, a situa��o no mercado de trabalho � ao rev�s", afirmou o relat�rio.

Os poss�veis motivos para isso incluem as decis�es sobre qual curso estudar — vieses que podem levar homens a profiss�es mais bem pagas — e desigualdades na progress�o de carreira e na divis�o de tarefas n�o remuneradas.

O levantamento mais recente do IBGE mostra que, em 2019, as mulheres gastavam 21,4 horas semanais com afazeres dom�sticos e cuidado de pessoas, contra 11 horas gastas pelos homens.


Gráfico da população brasileira com educação superior
(foto: BBC)

Hoje, em m�dia, as trabalhadoras brasileiras ganham cerca de 22% a menos do que os trabalhadores, uma diferen�a que se sustenta mesmo entre pessoas que ocupam cargos semelhantes e t�m n�vel educacional parecido.

Mas esse percentual � diferente de regi�o para regi�o — e � maior no Norte e no Nordeste.

Existem tamb�m diferen�as que prejudicam em particular as mulheres negras. Os dados do IBGE mostram que a cada real ganho por um homem branco, uma mulher negra recebe R$ 0,43 — isso � 57% menos do que o sal�rio de homens brancos, 42% menos do que o de mulheres brancas e 14% menos do que o de homens negros recebem.

O Censo e a Pesquina Nacional de Domic�lios (Pnad) mostram ainda que a diferen�a nos rendimentos de homens e mulheres aumenta conforme a faixa et�ria.

Se elas ganham em m�dia 88% do que ganham os homens entre os 16 aos 24 anos, quando passam dos 60, ganham somente 64% do que recebem os homens desse mesmo grupo de idade.

Por fim, as mulheres sofrem com taxas maiores de desemprego e informalidade, segundo dados do IBGE citados por Diniz Alves.

Tudo isso indica que "a sociedade brasileira n�o faz justi�a a essa contribui��o feminina ao b�nus demogr�fico" e n�o est� aproveitando a oportunidade de enriquecer antes que a popula��o envelhe�a, conclui o pesquisador.

"Uma parte dessa discrimina��o contra as mulheres � 'culpa' do mercado de trabalho, mas outra � da sociedade, que joga as responsabilidades da vida reprodutiva e o cuidado com idosos no ombro das mulheres. Entre as mulheres mais pobres, isso � ainda mais s�rio."

Observando historicamente, escreve Diniz Alves, "as mulheres brasileiras (...) adquiriram n�veis crescentes de educa��o, aumentaram as taxas de participa��o no mercado de trabalho e avan�aram nas diversas �reas sociais. O desafio do s�culo 21 ser� construir uma sociedade mais justa e com equidade de g�nero."

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62632851

Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)