Enviada especial*

Mendoza (Argentina) e Bras�lia — Uma pe�a de roupa sob medida segue o formato do corpo do cliente, sem folgas ou apertos. Considerando mais vari�veis, a medicina personalizada tamb�m busca produtos e servi�os que se encaixem nas condi��es de cada paciente.
Nessa costura pela sa�de, os processos gen�ticos e moleculares s�o informa��es estrat�gicas exploradas por profissionais variados, de cardiologistas a psic�logos e nutricionistas. No caso da oncologia, essa abordagem de precis�o � tida como um novo patamar na luta contra o c�ncer, mas com obst�culos a serem vencidos, como o acesso pouco igualit�rio �s inova��es dispon�veis.
"� o futuro da oncologia. Estamos caminhando para isso. A quimioterapia ainda tem um papel muito importante para v�rias doen�as, mas, certamente, mudamos o tratamento de muitos tumores com a medicina de precis�o", diz a oncologista Maria Ignez Braghiroli, uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Oncologia Cl�nica (Sboc). A m�dica cita como exemplo o c�ncer de pulm�o. Segundo ela, cada vez mais altera��es s�o descobertas e se tornam alvo de terapias espec�ficas para os diferentes tipos desse tumor, o mais incidente no mundo. "A gente evoluiu muito. Antes, trat�vamos todo mundo com terapia igual. � medida que fomos fazendo an�lises moleculares, foram surgindo melhores abordagens", diz.
Gonzalo Recondo, coordenador da Unidade de Oncologia Tor�cica e Medicina de Precis�o do Centro de Educa��o M�dica e Investiga��es Cl�nicas (Cemic), na Argentina, conta que h� 10 biomarcadores do c�ncer de pulm�o — prote�nas, genes e outras mol�culas indicativos da doen�a — cujas terapias espec�ficas t�m uso aprovado pelo FDA, a ag�ncia de vigil�ncia dos Estados Unidos. Elas abarcam cerca de 45% dos pacientes e t�m gerado efeitos significativos. "H� oito anos, quando essas pessoas s� podiam ser tratadas com qu�mio, a expectativa de vida era de um ano. Hoje, com a imunoterapia, esse tempo pode duplicar. Com a farmacologia dirigida, sobe para cinco, seis, sete anos", detalha.
A imunoterapia e a farmacologia dirigida s�o as abordagens mais utilizadas na medicina de precis�o. O pesquisador em oncologia Vinicius de Lima Vazquez explica que, no primeiro tratamento, as principais drogas dispon�veis ativam a imunidade do paciente para que ela destrua os tumores. No segundo, tamb�m chamado de terapia alvo, o foco � uma altera��o associada a determinado tumor identificada em uma via molecular.
"Por exemplo, tem um gene chamado BRAF que produz uma prote�na que, em excesso, faz as c�lulas se reproduzirem sem parar. Se bloqueamos a via do BRAF, podemos ter uma regress�o do tumor", explica Vazquez. O tamb�m diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital de Amor, o antigo Hospital de C�ncer de Barretos, em S�o Paulo, � um dos coordenadores de um estudo cient�fico recente que descobriu uma mol�cula com potencial para ser um alvo terap�utico contra o melanoma.
De forma geral, a medicina de precis�o � associada a uma queda de 53% no risco de progress�o de tumores, segundo Julieta D'Annunzio, diretora m�dica de c�ncer colorretal e melanoma da Pfizer para mercados emergentes. "S�o possibilidades de impactar na qualidade de vida dos pacientes por meio do melhor tratamento poss�vel, que � aquele sustentado por base cient�fica, que justifica a sua efetividade", afirma.
Outra vantagem constatada pelas pesquisas � a redu��o na toxicidade dos tratamentos, o que pode influenciar, por exemplo, nos efeitos colaterais. Lima Vazquez explica que a quimioterapia convencional � t�xica para todas as c�lulas do paciente, e mais ainda para as tumorais. Com a medicina de precis�o, esses danos podem ser reduzidos. "Como a abordagem � espec�fica para determinada muta��o, age direto naquele 'defeito' do paciente, ela consegue ser mais assertiva e efetiva para os outros tecidos e para o bem-estar do paciente de uma forma geral", compara Adriana Ribeiro, diretora m�dica da Pfizer Brasil.
N�O CURATIVA A maioria dos tratamentos dispon�veis, por�m, � voltada para os casos mais avan�ados de c�nceres e tem um efeito de controle da doen�a, contextualiza Ignez Braghiroli. Segundo a m�dica, a cirurgia segue sendo a interven��o mais eficaz quando se fala em extinguir a doen�a."Geralmente, o que a gente precisa fazer para aumentar as chances de cura s�o combina��es. Ent�o, juntamos cirurgia com quimioterapia, cirurgia com medicina de precis�o, como a terapia-alvo", diz.
"Nos casos de met�stase, temos muitas terapias-alvo. A maioria delas � para doen�as avan�adas, inclusive, mas n�o com intuito de cura, mas de controle. E isso pode durar muito tempo, por anos."
Essa administra��o de longo prazo implica alto investimento. Uma dose de uma droga-alvo pode custar mais de R$ 50 mil, os testes que indicam a ocorr�ncia da condi��o gen�tica, R$ 10 mil. "Tudo o que envolve alta tecnologia � mais caro. Ent�o, � pouco inclusivo. H� uma variedade de terapias de �ltima gera��o dispon�veis apenas para quem pode pagar", observa Lima Vazquez. Segundo o m�dico, o valor oferecido pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) para um tratamento oncol�gico n�o cobre 20% de uma terapia com drogas avan�adas aprovadas pela Anvisa.
Ignez Braghiroli, que trabalha nos sistemas p�blico e privado de sa�de, convive diariamente com essa disparidade no acesso a tratamentos. Na opini�o da m�dica, � necess�ria uma discuss�o grande sobre os custos e as prioridades em tratamentos oncol�gicos de precis�o. "N�o vai dar para oferecer tudo para todo mundo. Precisamos, como sociedade, avaliar benef�cios onde o impacto � maior, para definir o que � melhor. � assim que fazem nos pa�ses europeus", indica. "E podemos fazer uma discuss�o mais adiante. Temos que focar nisso ou em preven��o e educa��o? � um debate complexo, mas ningu�m, nem n�s nem o resto do mundo, vai conseguir fugir dele."
* A jornalista viajou a convite da Pfizer

Em busca de dados do mundo real
Ter acesso a informa��es sobre quem, de fato, pode ser beneficiado � outro desafio da oncologia de precis�o. Nesse caso, apenas as informa��es sobre os participantes de pesquisas com tratamentos experimentais podem n�o ser suficientes. A fonte mais rica de dados est� no mundo real, diz Fernando Petracci, oncologista do Instituto Alexander Fleming, na Argentina. "Esses dados fornecem 90% das evid�ncias, os 10% restantes s�o de ensaios cl�nicos", explica.
"O que precisamos � usar mais essas informa��es, fazer com que elas n�o fiquem exclusivamente na academia, que elas se transformem em evid�ncias do mundo real"
Guilherme Julian, l�der de evid�ncias do real da Pfizer Am�rica Latina
Essas informa��es precisam estar concentradas em bancos de informa��o farmacogen�ticas, um trabalho a ser aperfei�oado na Am�rica Latina, segundo Guilherme Julian, l�der de evid�ncias do real da Pfizer Am�rica Latina. "A regi�o tem muitos dados, mas faltam empresas, institutos para recolh�-los e analis�-los", justifica. Segundo Julian, no Brasil, os dados sobre o mundo real contam com uma "movimenta��o interessante" do ponto de vista do Minist�rio da Sa�de, como integra��o das informa��es e capacita��o sobre como us�-las.
O pa�s � o que tem mais dados abertos sobre sa�de da popula��o na Am�rica Latina, muito impulsionado pelo DataSUS, o departamento de inform�tica do Sistema �nico de Sa�de (SUS). Essa condi��o, avalia Julian, � favor�vel � oncologia personalizada."Estamos muito prontos para come�ar. J� come�ou, na verdade. Temos um movimento acad�mico muito bom, universidades com bons resultados, com dados importantes dispon�veis. O que precisamos � us�-los mais, fazer com que essas informa��es n�o fiquem exclusivamente na academia, que elas se transformem em evid�ncias do mundo real", diz.
Os avan�os nas pesquisas tamb�m ajudam, de certa forma, a diminuir as disparidades no acesso aos tratamentos de ponta. "Eu, como profissional do SUS, eventualmente consigo oferecer o que h� de mais moderno aos pacientes por meio dos ensaios cl�nicos", conta Maria Ignez Braghiroli, uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Oncologia Cl�nica (Sboc). Nesse caso, diz a m�dica, h� outro desafio a ser superado: o tabu acerca da participa��o nesses tipos de testes. "Muitas vezes, temos que explicar que a pessoa n�o vai ser cobaia de laborat�rio. Em terapias mais avan�adas, �s vezes, se est�, inclusive, estudando um rem�dio que tem aprova��o em outro contexto."
SINAL DE GRAVIDADE O estudo mapeia as altera��es no DNA que tornam esse tipo de c�ncer de pele mais grave. Por isso, alguns desses biomarcadores podem ser considerados marcadores de sobreviv�ncia de pacientes, o que os coloca em condi��es de um poss�vel alvo terap�utico. "Para come�ar uma terapia-alvo, � preciso identificar uma mol�cula promissora. Isso a gente fez.
Descobrimos um gene que tem uma metila��o (uma mudan�a bioqu�mica) alterada", explica Lima Vazquez. A pesquisa, feita em parceria com cientistas franceses, foi publicada em julho, na revista Nature Communications.