Menina fazendo exercício de fala com a boca sentada em sofá, em frente a instrutora, que aparece de costas

Das crian�as que gaguejam, apenas 20% n�o se recuperam espontaneamente e continuam gaguejando na idade adulta

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O que vem � mente quando voc� pensa em algu�m que sofre de gagueira? Essa pessoa � homem ou mulher? Ela � fraca e nervosa, ou heroica e poderosa? Se voc� tivesse a oportunidade, voc� se casaria com ela, apresentaria aos seus amigos ou a recomendaria para um emprego?


Seu comportamento sobre as pessoas que gaguejam podem depender, em parte, do que voc� acredita que seja a causa do dist�rbio. Se voc� acha que a gagueira deve-se a causas psicol�gicas, como o nervosismo, saiba que pesquisas indicam que voc� tem mais propens�o a distanciar-se das pessoas que gaguejam e observ�-las de forma mais negativa.


Sou uma pessoa que gagueja e aluna de doutorado em ci�ncia da fala, linguagem e audi��o. Enquanto crescia, eu tentava ao m�ximo esconder minha gagueira e passar como falante fluente.


Eu evitava sons e palavras que pudessem me fazer gaguejar. Eu evitava pedir os pratos que eu queria comer na lanchonete da escola para evitar a gagueira. Eu pedia ao meu professor para n�o me chamar na aula porque eu n�o queria lidar com a risada dos meus colegas quando me ouvissem gaguejar.


Estas experi�ncias me motivaram a pesquisar a gagueira, de forma a poder ajudar as pessoas que gaguejam a lidar melhor com a condi��o - incluindo a mim pr�pria.


Ao escrever sobre o que o campo cient�fico tem a dizer sobre a gagueira e suas causas biol�gicas, espero poder reduzir a estigmatiza��o e a incompreens�o que envolvem o dist�rbio.

A experi�ncia da gagueira

As caracter�sticas mais reconhec�veis do desenvolvimento da gagueira s�o as repeti��es, prolongamentos e bloqueios na fala das pessoas. As pessoas que gaguejam podem tamb�m sofrer tens�o muscular durante a fala e exibir comportamentos secund�rios, como tiques e caretas.

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As pessoas que gaguejam, muitas vezes, reagem � sua experi�ncia de gagueira com ansiedade, frustra��o e
constrangimento. Frequentemente, elas tamb�m antecipam que podem gaguejar e, como eu fazia, tomam a��es proativas para evitar gaguejar, eliminando sons ou situa��es.


Alguns podem tamb�m desenvolver cren�as e pensamentos que n�o ajudam, sobre si pr�prios e sua capacidade de comunicar-se com os demais, como achar que n�o ter�o sucesso na vida ou que n�o conseguem falar adequadamente.

Dist�rbio do neurodesenvolvimento


Modelo de cérebro na cor amarela

Causa ou consequ�ncia? Cientistas t�m estudado a rela��o entre funcionamento cerebral e gagueira

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A causa exata da gagueira ainda � desconhecida. Mas � amplamente aceito que a gagueira � um dist�rbio complexo do neurodesenvolvimento.


Estudos com imagens dos neur�nios de crian�as e adultos que gaguejam indicam mau funcionamento em �reas do c�rebro respons�veis pela sincroniza��o dos movimentos e controle motor especializado - como a produ��o da fala - chamadas de circuito corticobasal g�nglio-t�lamo-cortical.


Mas os pesquisadores tamb�m sabem que o desenvolvimento cerebral pode ser moldado pela experi�ncia. Por isso, as anomalias da conectividade cerebral entre os adultos que gaguejam podem ser resultado da sua experi�ncia de gaguejar, sem que contribu�ssem para o in�cio da gagueira.


Estudos em andamento para observar diferen�as entre crian�as e adultos que gaguejam podem ajudar a esclarecer os principais d�ficits associados ao in�cio da gagueira.


Cerca de 1 em cada 100 pessoas em todo o mundo gagueja. E cerca de 5% a 8% das crian�as na idade pr�-escolar desenvolve a gagueira.


A maioria das crian�as que gaguejam - cerca de 80% - recupera-se espontaneamente com ou sem interven��o, antes de cerca dos sete anos de idade. J� os 20% restantes sofrem de gagueira at� a idade adulta.


Pesquisadores descobriram d�ficits neuroanat�micos similares em crian�as com 9 a 12 anos de idade que continuam a gaguejar e nas que se recuperam. Mas as que continuam a gaguejar na idade adulta s�o, em sua maioria, meninos e t�m um familiar que tamb�m gagueja.


No in�cio da gagueira, a raz�o entre meninos e meninas � de cerca de 1 para 1. Mas as meninas que gaguejam t�m mais possibilidade de recuperar-se do que os meninos. Por isso, a raz�o entre homens e mulheres entre os adultos que gaguejam � de cerca de 4 para 1.


As pessoas com gagueira que persiste at� a idade adulta tamb�m tendem a apresentar desempenho mais fraco em pelo menos uma avalia��o padronizada da pron�ncia ou manipula��o de sons em palavras. Elas podem, por exemplo, pronunciar uma palavra sem o seu som inicial.


Os pesquisadores ainda est�o estudando os fatores que podem prever se a gagueira infantil ir� ou n�o persistir at� a idade adulta.

Diversos caminhos

Um equ�voco comum sobre a gagueira � acreditar que ela seria causada pela ansiedade. Afinal, voc� pode observar que as pessoas que gaguejam podem nem sempre gaguejar da mesma forma.


Os adultos que sofrem de gagueira n�o gaguejam quando falam sozinhos em particular. Eles tamb�m relatam que gaguejam mais sob alta press�o, quando os ouvintes s�o indelicados ou ao falar ao telefone.


Mas os fatores causais, muitas vezes, s�o mais complexos do que se pensa. Para come�ar, observar que duas coisas s�o associadas, como gagueira e ansiedade, n�o significa que uma seja a causa da outra.


Os pesquisadores normalmente n�o sabem qual vari�vel vem primeiro, se a gagueira ou a ansiedade, nem se existem explica��es alternativas para a associa��o.


Al�m disso, muitos fatores est�o normalmente associados ao desenvolvimento de qualquer dist�rbio complexo do neurodesenvolvimento. Separar esses fatores e descobrir sua rela��o � extremamente complicado e levar� muitos anos de pesquisa.


Como a gagueira envolve principalmente a falta de flu�ncia da fala, � prov�vel que d�ficits neurais nas regi�es cerebrais respons�veis pela produ��o da fala sejam a causa do dist�rbio.


Mas as pesquisas indicam uma s�rie de condi��es, como fatores lingu�sticos e emocionais, que podem manter a gagueira por toda a vida ou aumentar o dist�rbio em certas situa��es.

Como superar o estigma


Joe Biden durante discurso

O presidente dos EUA, Joe Biden, gagueja desde a inf�ncia e inspirou milh�es de pessoas com essa condi��o

Reuters

Pesquisas indicam que a gagueira normalmente � considerada uma caracter�stica indesej�vel e que as pessoas que gaguejam s�o discriminadas e, muitas vezes, desvalorizadas na sociedade.


Exemplos ocorrem quando elas s�o demitidas do emprego, tratadas com indulg�ncia, levadas menos a s�rio e s�o evitadas.


Nos �ltimos anos, v�m surgindo cada vez mais manchetes sobre pessoas que gaguejam. A elei��o do presidente americano Joe Biden, que gagueja desde a inf�ncia, inspirou milh�es de pessoas que gaguejam. Mas, paralelamente, a fala de Biden vem sofrendo maior escrut�nio e j� gerou cr�ticas insens�veis, como a de que "seu c�rebro estaria quebrado".


Pol�tica � parte, a ret�rica sobre a gagueira pode estigmatizar ainda mais o dist�rbio e possibilitar que outras pessoas se sintam autorizadas a zombar das diferen�as de fala das pessoas.

Redefinir a recupera��o

Atualmente, n�o existe cura eficaz para a gagueira, quando ela persiste at� a idade adulta.


Em um estudo em larga escala, menos de 2% dos adultos que cresceram com gagueira indicaram que n�o se identificam mais como algu�m que gagueja. Portanto, a gagueira na idade adulta n�o � sinal de fracasso moral, de que a pessoa n�o estaria se esfor�ando muito ou n�o teria autodisciplina suficiente para falar fluentemente.


Ainda assim, cerca de 30% dos adultos que gaguejam afirmam que se recuperaram, embora cerca de 10% deles tenham regredido. A recupera��o foi definida n�o s� como redu��o da gagueira, mas tamb�m como maior controle de como eles gaguejam, dizendo o que pretendem dizer, al�m de aceitar melhor a gagueira, evitar menos palavras e ter menos emo��es negativas sobre a gagueira.


Ironicamente, em ambientes em que as pessoas podiam gaguejar sem julgamento - como em confer�ncias de autoajuda -, as pessoas que gaguejam relataram que sua fala ficou mais f�cil, elas sofreram menos ansiedade ao falar e se sentiram mais extrovertidas e amistosas com rela��o aos demais.


* Xiaofan Lei � aluna de PhD em patologia da fala da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

Este artigo foi publicado originalmente no site de not�cias acad�micas The Conversation e republicado sob licen�a Creative Commons. Leia aqui a vers�o original em ingl�s.