A quantidade de pessoas que sofrem os sintomas da curiosa s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas � surpreendente
Quando ele contou � sua m�e, Sonja, ela ficou surpresa. Para ela, os pr�dios estavam como sempre foram. "Conforme o carro se movia, [na vis�o dele] os pr�dios dos dois lados come�aram a crescer de repente e pareciam estar se aproximando dele", ela conta.
Josh afirma que, certa vez, quando jogava xadrez na escola, ele observou "seus dedos ficando maiores e mais largos, at� o ponto em que ele n�o conseguia mais segurar as pe�as de xadrez".
Esses epis�dios estranhos eram mais assustadores � noite, quando "os cantos do seu quarto mudavam, as paredes se deformavam e se fechavam em dire��o a ele", gerando uma sensa��o de terror noturno, segundo Sonja.
Ela conta que, �s vezes, seu filho dizia que sua voz parecia diferente. Ele sentia que sua fala ficava "mais grave e lenta".
Levou cerca de dois anos para que a fam�lia descobrisse o que estava acontecendo. Josh sofre de um dist�rbio raro, conhecido como s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas, tamb�m conhecida como s�ndrome de Todd.
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A s�ndrome afeta a forma como as pessoas percebem o mundo � sua volta e pode distorcer a sua experi�ncia dentro do pr�prio corpo e o espa�o que ele ocupa. Ela pode incluir distor��es da vis�o e do tempo. Imagine passar a vida observando os rostos das pessoas se transformando em drag�es. Este sintoma � apenas um dos 40 tipos de distor��es visuais caracter�sticas da s�ndrome.
Alguns pacientes descrevem ver diferentes partes do corpo sendo acrescentadas �s pessoas � sua frente, como um bra�o mais curto fixado ao rosto da pessoa sentada � frente deles. Outros sintomas incluem ver pessoas ou objetos se movendo em c�mera lenta ou de forma r�pida e n�o natural, ou ainda im�veis.
A audi��o tamb�m pode ser prejudicada. As pessoas que sofrem da s�ndrome podem ouvir entes queridos falando lenta ou rapidamente, de forma estranha ou n�o natural. E eles relatam ver objetos ou suas pr�prias partes do corpo encolhendo ou aumentando de tamanho, bem diante dos seus olhos. A sensa��o � que elas mesmas est�o mudando de tamanho, que foi a experi�ncia vivida por Josh.
Este �ltimo sintoma deu o nome ao dist�rbio. Alice, a personagem do escritor Lewis Carroll, encolheu depois de beber uma po��o e cresceu depois de comer bolo.
Carroll pode ter sido inspirado por suas pr�prias distor��es de percep��o, talvez causadas por enxaquecas com aura, que s�o dist�rbios visuais tempor�rios que ocorrem com frequ�ncia em pessoas que sofrem de enxaqueca.
Outros estudiosos especularam que o escritor pode ter sofrido da s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas, causada por epilepsia, abuso de subst�ncias ou at� por uma infec��o.
As causas ainda s�o um mist�rio
Mesmo depois de ser formalmente descrita pelos m�dicos como uma s�ndrome espec�fica em 1955 e ter alguns dos seus sintomas registrados at� mesmo anteriormente, as causas exatas da s�ndrome permanecem obscuras at� hoje. � um mist�rio que deixaria a pr�pria Alice cada vez mais curiosa.
Os pesquisadores seguem tentando desvendar essa estranha condi��o. Eles esperam poder fornecer indica��es vitais sobre a forma em que o nosso c�rebro interpreta o mundo � nossa volta.
Os sinais dos nossos sentidos reunidos, combinados com as nossas experi�ncias de vida acumuladas, fazem com que cada um de n�s perceba o mundo de forma diferente dos demais. Todos n�s vivemos na nossa pr�pria e �nica realidade.
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"A percep��o n�o � um processo passivo de meramente ver, ouvir, sentir, provar ou cheirar", afirma Moheb Costandi, neurocientista e escritor de Londres que discute a s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas no seu livro Body Am I ("O corpo sou eu", em tradu��o livre).
"Trata-se de um processo ativo", explica ele. "O c�rebro age mediante os est�mulos sensoriais que recebe, com base nas nossas experi�ncias e inclina��es do passado. A forma como percebemos as coisas influencia como agimos – e a forma como agimos influencia o que percebemos."
Mas, �s vezes, nossa percep��o pode ficar desordenada, como ocorre quando as pessoas sofrem alucina��es, ilus�es ou distor��es.
Com a percep��o distorcida de n�s mesmos e do mundo em que vivemos, corremos o risco de perder nossa sensa��o de n�s mesmos e sofrer despersonaliza��o. Podemos at� acabar experimentando o pr�prio mundo como sendo irreal, em um processo conhecido como desrealiza��o.
No passado, a s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas costumava ser considerada uma condi��o geralmente inofensiva, que n�o precisa de interven��o m�dica.
Seus sintomas s�o encontrados, em algum grau, na popula��o em geral e at� 30% dos adolescentes relatam experi�ncias suaves ou transit�rias da s�ndrome. Sabe-se tamb�m que certos medicamentos para tosse e subst�ncias alucin�genas il�citas ativam essa condi��o.
Mas, �s vezes, as mudan�as de percep��o do mundo s�o causadas por alguma raz�o subjacente. J� se sugeriu uma ampla variedade de causas da s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas em adultos e crian�as, incluindo derrames, tumores cerebrais, aneurismas, infec��es virais, epilepsia, enxaqueca, doen�as dos olhos e dist�rbios psiqui�tricos, como depress�o e esquizofrenia.
A s�ndrome j� foi associada a infec��es como doen�a de Lyme, influenza H1N1 e v�rus Coxsackie B1. Um estudo chegou a identific�-la como manifesta��o da doen�a de Creutzfeldt-Jakob, um dist�rbio neurodegenerativo de r�pido desenvolvimento e, muitas vezes, fatal.
O professor de psicopatologia cl�nica Jan Dirk Blom, da Universidade de Leiden, na Holanda, � um dos poucos pesquisadores que se dedicaram ao estudo da s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas. Ele enfatiza que os m�dicos precisam levar a s�rio os pacientes que descrevem esses sintomas.
Blom afirma que o diagn�stico e o reconhecimento da s�ndrome progrediram pouco nas �ltimas d�cadas. Por isso, muitas vezes, o diagn�stico dos pacientes pode levar anos. "� um verdadeiro desafio", segundo ele.
Gillian Harris, de Pulborough, no Reino Unido, foi diagnosticada apenas seis anos atr�s, com 48 anos de idade, depois de sofrer com a s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas desde jovem.
"Quando crian�a, �s vezes, eu me sentia como se as coisas estivessem mais distantes de mim", ela conta. "E, quando adolescente, tamb�m percebia que meus membros estavam enormes e meus bra�os absolutamente imensos."
Com cerca de 16 anos, Harris foi diagnosticada com epilepsia e recebeu tratamento para a doen�a.

Os sintomas da s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas s�o surpreendentemente comuns na popula��o em geral
AlamyMas as pesquisas j� existentes, por menores que sejam, est�o come�ando a fornecer algumas indica��es sobre os motivos que fazem com que a s�ndrome afete alguns pacientes e n�o outros.
"A gen�tica talvez ajude a criar a suscetibilidade � s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas em algumas pessoas, mas ainda � preciso ter confirma��o emp�rica", segundo Blom.
Nas crian�as, a encefalite causada principalmente pelo v�rus Epstein-Barr � a causa mais comum da s�ndrome. J� entre os adultos, ela � mais frequentemente associada a enxaquecas.
Enxaqueca no est�mago
Surpreendentemente, as distor��es sensoriais da s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas podem tamb�m ocorrer em pessoas que sofrem de enxaqueca abdominal, uma condi��o que apresenta os mesmos gatilhos e curas da enxaqueca mais conhecida, acrescidos de dores abdominais lancinantes que v�m em ondas e duram de duas a 72 horas.
As pessoas com enxaqueca abdominal, muitas vezes, t�m hist�rico pessoal ou familiar de dores de cabe�a causadas por enxaqueca.
Estudos do c�rebro
Exames de imagem do c�rebro tamb�m v�m oferecendo algumas indica��es. Eles sugerem que a s�ndrome pode ser causada por um dist�rbio em uma regi�o do c�rebro chamada jun��o temporoparietal-occipital.
Nela, as informa��es visuais e espaciais s�o combinadas com sinais oriundos do tato, da posi��o do corpo e de dores.
Altera��es desse ponto de encontro importante das informa��es sensoriais, causadas por les�es, danos neurol�gicos ou incha�os, podem mudar a forma como o c�rebro interpreta os sinais recebidos.
Blom afirma que ainda existe muito trabalho a ser feito para entender exatamente o que se passa no c�rebro dos pacientes com a s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas.
Mas ele acredita que a condi��o pode fornecer indica��es vitais sobre a forma em que o c�rebro compila informa��es sobre o nosso mundo.
"Acho que a s�ndrome pode nos ensinar como � sofisticado, complexo e equilibrado todo o processo de percep��o, ao qual normalmente n�o damos import�ncia", afirma Blom.
"�s vezes, a percep��o dificilmente � prejudicada quando partes razoavelmente grandes do c�rebro s�o comprometidas ou at� inexistentes (como ocorre na prosopometamorfopsia causada por feridas a bala, que tende a desaparecer em semanas)", prossegue o professor.
"Em outros casos, o mau funcionamento de pequenos conjuntos de c�lulas nervosas [na s�ndrome] pode causar altera��es grandes e duradouras da nossa percep��o."
"Esta s�ndrome nos ensina que toda a rede de percep��o (visual) tem partes enormes que podem ser contornadas ou compensadas por outras, enquanto algumas parecem ser absolutamente fundamentais, se quisermos poder perceber adequadamente aspectos muito b�sicos, como rostos, linhas, cores e movimentos", explica Blom.
Mas realizar estudos cerebrais para chegar � raiz do que acontece em pacientes com a s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas n�o � f�cil.
"Acho que o grande obst�culo � a raridade da s�ndrome e o fato de que os sintomas s�o passageiros", segundo Costandi. "Por isso, � dif�cil examinar o c�rebro do paciente quando ele est� experimentando os sintomas."
Enquanto, em alguns casos, as distor��es sensoriais decorrentes da s�ndrome podem ser suavemente desorientadoras, elas tamb�m podem ser apavorantes e at� representar risco a outros pacientes.
Como descreve Harris, agora com 54 anos, "quando os sintomas aconteciam muitas vezes, eu n�o queria ir a uma esta��o de trem sozinha, se acontecesse na plataforma, ou pegar um �nibus sozinha, se acontecesse; voc� perde sua independ�ncia. Ela afeta tudo".
As pesquisas indicam que, em sua maioria, os casos da s�ndrome de Alice no Pa�s das Maravilhas costumam se resolver ao longo do tempo. Mas, �s vezes, os sintomas podem ser recorrentes, dependendo da causa subjacente.
Gillian Harris toma a dose mais alta de dois medicamentos antiepil�pticos. Ela n�o sofre de convuls�es, nem da s�ndrome, h� dois anos. Mas Josh ainda sofre sintomas da "Alice", como ele chama, mas desenvolveu mecanismos para lidar com ela.
"Olhar pela janela ou ver-se no espelho realmente ajuda", segundo Sonja.
"Quando tudo est� acontecendo, ele olha para as suas caracter�sticas faciais e isso ajuda a reduzir seu epis�dio de Alice."
Josh agora carrega com ele um espelho de bolso quando est� fora de casa, para o caso de precisar "verificar a realidade".
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
- Este texto foi publicado em
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1m09g62d2o
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