O v�rus influenza H5N1, causador da gripe avi�ria, � conhecido desde 1996
Das cidades litor�neas do Daguest�o, na R�ssia, � costa do Peru, passando por fazendas de visons na Espanha e granjas nos Estados Unidos, foram v�rios os epis�dios registrados de milh�es de animais que morreram (ou foram sacrificados) ap�s terem contato com esse agente infeccioso.
"Se o H5N1 ganhar a capacidade de ser transmitido de uma pessoa para outra, esse pode ser um dos problemas mais graves que a humanidade j� enfrentou", diz o virologista Edison Luiz Durigon, professor titular do Instituto de Ci�ncias Biom�dicas da Universidade de S�o Paulo (ICB-USP).
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A boa not�cia � que, ao contr�rio do que ocorreu na COVID-19, os governos e servi�os de sa�de j� t�m planos definidos sobre o que fazer caso um avan�o do H5N1 se torne realidade — algumas vacinas, inclusive, j� est�o prontas ou em desenvolvimento agora.
Mas, afinal, o que faz esse v�rus ser t�o preocupante assim? E por que ele voltou a ser assunto recentemente?

Em parques no Reino Unido, foram instaladas placas pedindo que as pessoas n�o alimentem as aves para evitar o contato com o v�rus da gripe avi�ria
Getty ImagesUm surto de grandes propor��es
A Organiza��o Mundial para Sa�de Animal estima que, desde outubro de 2021, foram registrados mais de 42 milh�es de casos de infec��o por H5N1 em aves. Nesse per�odo, cerca de 15 milh�es de aves dom�sticas morreram em decorr�ncia dessa gripe — e outras 193 milh�es precisaram ser sacrificadas.
Trata-se, portanto, do pior surto de gripe avi�ria j� registrado desde que esse v�rus foi identificado pela primeira vez.
O H5N1 � conhecido desde 1996, quando foi detectado por cientistas na China e em Hong Kong.
Mas ele ganhou destaque internacional a partir de 2005, ano em que a mortalidade de frangos criados em granjas na �sia subiu drasticamente. � �poca, tamb�m foram registrados epis�dios de infec��o em seres humanos — todos os afetados tiveram contato direto com aves doentes.
Os surtos tamb�m est�o se espalhando mundo afora: antes, eles se concentravam na �sia e na Europa; mais recentemente, come�aram a afetar as Am�ricas — por ora, apenas Brasil e Paraguai n�o tiveram casos confirmados da infec��o na Am�rica do Sul.
O aumento da circula��o est� relacionado �s aves migrat�rias, que v�o de um continente para o outro de acordo com a esta��o do ano. Muitas delas viajam infectadas e, quando chegam a um novo lugar, t�m contato com as esp�cies locais.
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A partir dessa proximidade, o v�rus come�a a circular numa nova regi�o — e pode chegar �s granjas, que concentram grandes quantidades de aves em armaz�ns fechados.
A m�dica veterin�ria Helena Lage Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, explica que o influenza H5N1 passou por uma "diversifica��o gen�tica".
"O subtipo que est� causando o problema atual pertence ao clado 2.3.4.4b. Ele apresenta algumas muta��es gen�ticas que tornaram o v�rus mais transmiss�vel entre as aves", aponta.
O "clado" citado pela especialista � um termo que se aproxima do significado de grupos ou variantes, que ficaram muito conhecidas por causa do coronav�rus e suas linhagens, como a �micron, a gama e a delta.
"O H5N1 � diferente de todos os outros. Nas aves, causa uma infec��o grave, com sintomas respirat�rios, como pneumonia, e at� sinais neurol�gicos", descreve Ferreira, que tamb�m � professora da USP.

Quando o H5N1 � detectado em aves de granja, todas geralmente s�o sacrificadas
Getty ImagesO 'pulo' para outras esp�cies
Al�m do alt�ssimo n�mero de aves afetadas nos �ltimos dois anos, o que tem chamado a aten��o dos cientistas mais recentemente � a quantidade de mam�feros que tamb�m est�o se infectando com o H5N1.
At� o momento, casos de gripe relacionados a esse tipo de influenza foram confirmados em ursos, raposas, gamb�s, guaxinins, visons, focas, golfinhos e le�es marinhos.
Na maioria desses casos, a infec��o acontece pelo contato pr�ximo das aves com esses mam�feros.
Muitos deles compartilham o mesmo habitat — o contato pr�ximo facilita a transmiss�o do v�rus entre esp�cies dessas duas classes de animais.
Ou seja: na maioria das vezes, o H5N1 � transmitido diretamente das aves para os mam�feros por meio de fluidos corporais (como got�culas de saliva ou fezes) ou pela preda��o, em que uma esp�cie ca�a e se alimenta da outra.
Recentemente, por�m, dois epis�dios sinalizaram que o H5N1 pode estar adquirindo aos poucos a capacidade de se transmitir de um mam�fero para o outro.
O primeiro deles aconteceu na Gal�cia, no noroeste da Espanha. Em outubro de 2022, os respons�veis por uma fazenda notificaram as autoridades sobre a transmiss�o desse influenza entre os visons (ou minks), um tipo de animal criado para a fabrica��o de casacos.
Essa foi a primeira ocasi�o em que a transmiss�o do H5N1 entre mam�feros (sem a intermedia��o de aves) foi confirmada oficialmente. Nenhum ser humano que teve contato com os visons ficou doente.
O segundo epis�dio ocorreu na costa do Peru, em que mais de 3,4 mil le�es-marinhos morreram por causa da gripe avi�ria.
Esses �bitos na costa peruana ainda est�o sob investiga��o para definir se a cadeia de transmiss�o envolveu diretamente as aves — ou o H5N1 tamb�m come�ou a ser transmitido entre os le�es-marinhos.
Para a microbiologista Marilda Mendon�a de Siqueira, chefe do Laborat�rio de V�rus Respirat�rios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-FioCruz), todas essas observa��es s�o "preocupantes".
"Para infectar, os v�rus precisam se adaptar �s condi��es do hospedeiro", ensina.
"Al�m de conseguir se encaixar nos receptores das c�lulas das novas esp�cies, o influenza precisa se adequar �s condi��es de temperatura e pH de cada organismo, que s�o diferentes em aves e mam�feros."
Em outras palavras, esse pat�geno passou — e est� passando — por uma s�rie de transforma��es em seu material gen�tico que podem facilitar o "pulo", ou a transmiss�o entre outras esp�cies, al�m daquelas em que ele j� era frequentemente observado.
"E isso causa preocupa��o, pois as condi��es do organismo de seres humanos s�o bem mais pr�ximas a de outros mam�feros do que das aves", complementa Siqueira.

Transmiss�o do H5N1 foi documentada em visons
Getty ImagesO tamanho do perigo
De acordo com a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), entre 2003 e mar�o de 2022 foram registrados 864 casos e 456 mortes causadas pelo H5N1 em seres humanos.
J� o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos estima que, entre janeiro de 2022 e mar�o de 2023, dez pessoas foram diagnosticadas com a gripe avi�ria. Duas delas morreram.
Esses �ltimos casos aconteceram em Camboja, China, Espanha, Equador, Reino Unido, Estados Unidos e Vietn�.
Embora os n�meros sejam pequenos, eles permitem calcular uma mortalidade bem alta: no c�mputo geral, 52% das pessoas que foram infectadas pelo H5N1 morreram.
"Quando vemos esses casos mais recentes, ligados principalmente ao clado 2.3.4.4b, a mortalidade observada � menor, de 20%. Mesmo assim, � algo que preocupa", pondera Ferreira.
Para comparar, a atual taxa de mortalidade do Sars-CoV-2, o coronav�rus que causa a covid-19, fica ao redor de 1%.
"Os v�rus influenza costumam se replicar nas vias a�reas superiores e nos pulm�es. J� o H5N1 parece ir al�m e atinge outros �rg�os vitais, como o c�rebro, o cora��o, o f�gado, o ba�o e os rins", detalha Durigon.
"Os atestados de �bito para gripe comum costumam dizer que o indiv�duo morreu de infec��o pulmonar ou pneumonia. J� no H5N1, a causa de morte geralmente � descrita como 'fal�ncia m�ltipla de �rg�os'", complementa o virologista.
Que fique claro: os casos de gripe avi�ria em seres humanos s�o espor�dicos e est�o todos relacionados ao contato pr�ximo com animais infectados em granjas ou na natureza. At� o momento, n�o foi registrado nenhuma cadeia de transmiss�o direta desse influenza de uma pessoa para outra.
Para isso ocorrer, seria necess�rio que o H5N1 sofresse muta��es — ou se recombinasse com outros tipos de influenza que afetam as pessoas ou as demais esp�cies (como aves e su�nos).
Mas ser� que isso pode acontecer um dia?
"Eu diria que h� uma incerteza, mas nunca estivemos t�o pr�ximos de um cen�rio desses. E uma pandemia de H5N1 seria uma trag�dia", alerta Durigon.
"O H5N1 � um candidato a causador de uma futura pandemia. A pergunta aqui n�o � 'se' isso vai acontecer, mas, sim, 'quando'", afirma Siqueira.

Milhares de le�es marinhos morreram de gripe avi�ria na costa do Peru
Getty ImagesO que fazer?
O m�dico brit�nico Jeremy Farrar, cientista-chefe da OMS, parece concordar com a vis�o dos especialistas brasileiros.
Numa entrevista recente, ele classificou o H5N1 como "uma grande preocupa��o" e sugeriu que mais atitudes devem ser tomadas para preparar o mundo para a pr�xima pandemia.
"Se um surto de H5N1 em humanos come�ar na Europa, no Oriente M�dio, nos Estados Unidos ou no M�xico amanh�, n�o ser�amos capazes de vacinar todo mundo ainda em 2023", estimou.
Os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil ponderam que, ao contr�rio do que aconteceu com a covid-19, as institui��es internacionais e os governos est�o mais preparados para lidar com eventual crise provocada pelo v�rus influenza.
"A OMS tem planos de conting�ncia para uma pandemia de influenza desde os anos 1950", lembra Siqueira.
Essa organiza��o envolve redes de vigil�ncia e an�lise laboratorial espalhados pelo mundo. O prop�sito aqui � detectar os v�rus com rapidez, antes que ele se espalhe.
Um exemplo desses sistemas de monitoramento vem do pr�prio Brasil: o Minist�rio da Ci�ncia, Tecnologia e Inova��o mant�m a Rede Previr, que avalia a presen�a de pat�genos em v�rias reservas naturais do pa�s.
"A partir do ano passado, come�amos a monitorar aves silvestres migrat�rias. Como o H5N1 chegou a outras partes da Am�rica do Sul, existe um risco muito grande de encontr�-lo tamb�m no Brasil", conta Durigon, que faz parte do projeto.
Vale destacar que essa vers�o do influenza ainda n�o foi detectada no pa�s at� o momento.
O Minist�rio da Agricultura e Pecu�ria tamb�m realiza an�lises constantes nas granjas.
"E isso � estrat�gico, uma vez que nosso pa�s � um dos maiores exportadores de frango no mundo. Se o H5N1 chega aqui e afeta os produtores locais, com a necessidade de abater os animais, isso representaria um grande problema � economia", complementa o virologista do ICB-USP.

N�o tocar em aves mortas %u2014 e notificar as autoridades ao ver uma %u2014 � um dos principais cuidados que todo mundo deve ter neste momento
Getty ImagesAl�m da vigil�ncia constante, outra a��o primordial nesse contexto � criar e testar formas de preven��o e tratamento da gripe avi�ria.
Nessa seara, as not�cias s�o positivas. "Os rem�dios antivirais que temos � disposi��o s�o eficazes contra o H5N1 em circula��o", pontua Ferreira.
As vacinas contra este influenza tamb�m j� est�o em desenvolvimento. No Brasil, o Instituto Butantan anunciou no in�cio de mar�o que j� trabalha num imunizante contra esse pat�geno.
"A expectativa � finalizar os testes pr�-cl�nicos ainda neste ano e avan�ar para o estudo cl�nico [que envolve volunt�rios humanos] em 2024", afirma a institui��o em nota publicada no site.
Siqueira estima que, diante dos planos de conting�ncia elaborados nas �ltimas d�cadas, seria poss�vel ter doses de vacina contra o H5N1 prontas para campanhas de larga escala em cinco ou seis meses.
"N�o sabemos se esse v�rus vai causar uma pandemia em um, cinco ou 100 anos. Mas precisamos estar preparados para isso", diz a especialista.
Do ponto de vista individual, existem algumas medidas b�sicas que j� podem ser colocadas em pr�tica para proteger a si mesmo — e diminuir o risco de uma pandemia futura.
"O cuidado mais importante nesse momento � n�o tocar ou chegar perto de uma ave morta que voc� vir na praia, na mata ou em qualquer lugar", orienta Siqueira.
Nesses casos, a recomenda��o � notificar as autoridades locais, que podem enviar funcion�rios com equipamentos de prote��o para fazer a remo��o e mandar o corpo para an�lise em laborat�rio.
E, naturalmente, os protocolos b�sicos de fazer a higiene das m�os e ficar afastado das atividades se estiver com sintomas de infec��o respirat�ria continuam a valer.
"Isso � algo que foi refor�ado na pandemia de COVID-19 e que precisaremos manter pelo resto das nossas vidas", conclui a microbiologista da FioCruz.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c28jn1n40r2o
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