Imagem mostra mulher demonstrando emoções

Falar de si na terceira pessoa � por vezes motivo de chacota na sociedade moderna, mas tamb�m pode trazer benef�cios cognitivos

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Como algu�m que escreve sobre psicologia, j� me deparei com centenas de estrat�gias baseadas em evid�ncias para pensar melhor. Poucas se mostraram t�o �teis para mim quanto o ile�smo.

 

De forma simplificada, o ile�smo � a pr�tica de falar sobre si mesmo na terceira pessoa, em vez da primeira. � um recurso ret�rico frequentemente usado por pol�ticos para tentar dar �s suas palavras um ar de objetividade.

 

Em seu relato da Guerra da G�lia, por exemplo, o imperador J�lio C�sar escreveu "C�sar vingou o povo" em vez de "Eu vinguei o povo".

 

A pequena mudan�a lingu�stica parece colocada de modo a fazer com que a declara��o se aproxime mais com um fato hist�rico, registrado por um observador imparcial.

 

Para o ouvido moderno, o ile�smo pode soar um pouco bobo ou pomposo – a ponto de ridicularizarmos celebridades que optam por falar de si na terceira pessoa.

Pesquisas recentes na �rea de psicologia apontam, contudo, que ele pode trazer benef�cios cognitivos concretos. Se estamos tentando tomar uma decis�o dif�cil, falar de n�s mesmos na terceira pessoa pode ajudar a neutralizar as emo��es que podem desviar nosso pensamento, permitindo-nos encontrar uma solu��o mais s�bia para o nosso problema.


Representação do paradoxo de Salomão em manuscrito alemão do século 15

Representa��o do paradoxo de Salom�o em manuscrito alem�o do s�culo XV

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Paradoxo de Salom�o

Para compreendermos esses benef�cios, devemos primeiro examinar as maneiras pelas quais os cientistas medem o grau de sabedoria do racioc�nio.

 

Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, no Canad�, foi um dos pioneiros do estudo cient�fico sobre a sabedoria. Grossmann baseou-se no trabalho de numerosos fil�sofos para catalogar uma s�rie de "componentes metacognitivos" – humildade intelectual, reconhecimento dos pontos de vista dos outros e busca por resolu��o, por exemplo – que s�o comumente considerados essenciais para uma tomada de decis�o sensata.

 

Em um de seus primeiros estudos, o pesquisador pediu aos participantes que pensassem em voz alta sobre v�rios dilemas mundanos enquanto psic�logos independentes avaliavam suas respostas a partir desses crit�rios.

 

Grossmann percebeu que esses testes de "racioc�nio s�bio" eram melhores do que os testes de QI para prever a satisfa��o geral das pessoas com a vida e a qualidade de seus relacionamentos. Uma observa��o que indicava que a pesquisa estava capturando algo �nico sobre as habilidades de racioc�nio humano.

 

Os estudos posteriores de Grossmann revelaram que o n�vel de sabedoria do racioc�nio das pessoas pode depender do contexto. Mais particularmente, ele descobriu que as pontua��es que ele atribu�a ao racioc�nio s�bio tendiam a ser muito mais altas ao considerar as situa��es das pessoas sobre terceiros do que em rela��o a seus pr�prios dilemas pessoais.

 

O cientista chamou esse fen�meno de "paradoxo de Salom�o", em refer�ncia ao famoso rei b�blico por aconselhar os outros com sabedoria, enquanto tomava uma s�rie de decis�es pessoais desastrosas que acabaram deixando seu reino no caos.

 

O problema parece ser que, ao fazermos escolhas pessoais, ficamos muito imersos em nossas emo��es, que obscurecem nosso pensamento e nos impedem de colocar nossos problemas em perspectiva.

 

Se recebi feedback negativo de um colega, por exemplo, meu sentimento de constrangimento pode me levar a ficar excessivamente na defensiva. Isso poderia me induzir a descartar os conselhos que ele me deu sem mesmo avaliar se poderiam me ser �teis a longo prazo.

Como ser mais s�bio

O ile�smo poderia ajudar a resolver o paradoxo de Salom�o?

 

A ideia faz sentido intuitivamente: ao mudarmos a chave para a terceira pessoa, nossas descri��es dos problemas come�ar�o a soar como se estiv�ssemos falando de outra pessoa, e n�o de n�s mesmos. Essa sensa��o de distanciamento nos permitiria analisar a situa��o em perspectiva mais ampla, em vez de ficarmos presos em nossos pr�prios sentimentos.

 

E foi exatamente isso que Grossmann descobriu em um estudo com Ethan Kross na Universidade de Michigan. Eles observaram que as pessoas que empregam o ile�smo para falar sobre seus problemas mostraram maior humildade intelectual, capacidade de reconhecer a perspectiva dos outros e disposi��o para chegar a um acordo – aumentando suas pontua��es gerais de racioc�nio s�bio.

 

Os estudos mais recentes apontam que o uso regular do ile�smo pode trazer benef�cios duradouros ao nosso pensamento.

Em um experimento feito com Abigail Sholer, Anna Dorfman e outros pesquisadores, Grossmann pediu aos participantes que mantivessem durante um m�s um di�rio no qual descrevessem situa��es que estavam vivenciando no momento.

 

Metade do grupo foi instru�do a escrever em terceira pessoa, enquanto a outra metade foi instru�da a escrever na primeira pessoa. O racioc�nio dos participantes foi avaliado no in�cio e no final dos testes. Como esperado, os pesquisadores descobriram que, ao longo do processo, os participantes que foram encorajados a usar o ile�smo em seus di�rios viram um aumento em suas pontua��es de racioc�nio s�bio.

 

Ao nos estimular a colocar nossos problemas em perspectiva, o uso do ile�smo tamb�m pode nos ajudar a chegar a respostas mais equilibradas para as tens�es di�rias. As pessoas que completaram o di�rio na terceira pessoa relataram emo��es mais positivas ap�s eventos desafiadores, em vez de se concentrarem apenas em sentimentos como tristeza, frustra��o ou desapontamento.

 

Com base nessas descobertas, hoje aplico o ile�smo a todas as decis�es, pequenas e grandes. Quer esteja enfrentando prova��es no trabalho, conflito com meus amigos ou com familiares, descubro que alguns momentos contemplando meus problemas a partir de uma perspectiva em terceira pessoa me ajudam a ver o problema com mais clareza.

 

*David Robson � um escritor de ci�ncia e autor de The Expectation Effect: How Your Mindset Can Transform Your Life (“O Efeito da Expectativa: Como sua Mentalidade Pode Transformar sua Vida”, em tradu��o literal), publicado pela Canongate (Reino Unido) e Henry Holt (EUA).