Ilustração de cérebro flutuando sobre mãos

Mesmo com todos os avan�os da ci�ncia, ainda n�o conseguimos fazer transplantes de c�rebro

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Gostaria de convidar voc� a fazer uma viagem ao passado. Vamos voltar at� 1970. Em mar�o daquele ano, o renomado neurocirurgi�o americano Robert J. White (1926-2010) realizou uma opera��o ins�lita.


Em um hospital de Cleveland, nos Estados Unidos, White conseguiu, pela primeira vez, conectar a cabe�a de um macaco ao corpo de outro.


A interven��o levou 18 horas. Quando o macaco acordou, ele conseguia ver, ouvir, cheirar e at� morder.


A not�cia trouxe entusiasmo. Podemos dizer que aquele foi o primeiro transplante de c�rebro - ou, melhor dizendo, de cabe�a - realizado "com sucesso".


White era profundamente religioso e n�o foi assessor de bio�tica m�dica de dois papas por acaso.


Por isso, ele preferiu chamar a interven��o de "transplante de corpo". Ele tinha certeza de que o c�rebro continha a alma e de que ela poderia ser transferida para o novo receptor.


Mas o sucesso durou pouco. O macaco morreu depois de alguns dias.


White prosseguiu com seu trabalho, realizando centenas de outros experimentos. E, at� o fim dos seus dias, fantasiou com a repeti��o da sua fa�anha em seres humanos.


Ele chegou at� a ter um candidato - um jovem tetrapl�gico que desejava conseguir um "corpo melhor". Mas o seu sonho nunca chegou a ser realizado.


White n�o foi o �nico a tentar realizar o transplante de c�rebro humano, mas certamente foi o mais conhecido.

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� dele o m�rito de ter desenvolvido diversos procedimentos cir�rgicos que continuam sendo utilizados at� hoje para salvar vidas.


Mas seu trabalho tamb�m foi objeto de duras cr�ticas. White chegou a ser considerado o s�mbolo da "ind�stria bruta e cruel da vivissec��o", o que pode ter frustrado suas aspira��es ao pr�mio Nobel.

Problemas de conex�o com a medula

Apesar dos incr�veis avan�os da ci�ncia, ainda n�o conseguimos transplantar o c�rebro.


O problema reside em uma quest�o n�o menos importante: ningu�m conseguiu conectar o novo �rg�o � medula espinhal do corpo receptor.


De fato, nos experimentos de White, os macacos ficavam paralisados do pesco�o para baixo. Isso explicaria por que o seu candidato era tetrapl�gico - neste sentido, ele n�o tinha nada a perder.


Imagens com mapa de calor de cérebro

O c�rebro forma milh�es de conex�es que controlam todas as fun��es do corpo

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Considerado por alguns o "objeto mais complexo do universo", o c�rebro estabelece milh�es de conex�es que controlam todas as fun��es do nosso corpo.


E voltar a conectar todo esse emaranhado de liga��es com a precis�o necess�ria para recompor os circuitos ainda n�o est� ao nosso alcance.


Al�m disso, se conseguirmos fazer o transplante, o que aconteceria com as nossas lembran�as, nossas emo��es e com tudo aquilo que j� aprendemos?


� uma quest�o muito importante, j� que todos n�s concordamos que este �rg�o tem a chave de acesso � nossa identidade.

Neur�nios de reposi��o

Como, atualmente, n�o � poss�vel transplantar o c�rebro completo com sucesso, talvez possamos controlar nossas expectativas e estudar sua assombrosa capacidade de remodelar-se.


A resili�ncia permite que nos adaptemos a circunst�ncias dif�ceis e superemos as adversidades. E o protagonista da nossa hist�ria sabe muito a este respeito, pois ele se adapta continuamente �s condi��es do ambiente ao seu redor.


O c�rebro consegue adaptar-se modificando as conex�es entre os seus neur�nios - formando liga��es novas e eliminando outras.


Esta capacidade � chamada de plasticidade. Ela explica por que conseguimos aprender a resolver uma equa��o matem�tica, recordar o nome de um bom vinho ou eliminar as lembran�as que j� n�o servem para n�s.


E tamb�m nos permite, em certos casos, recuperar-nos de les�es cerebrais.


Mas a plasticidade cerebral tem um lado B. Ela pode mascarar doen�as como o mal de Parkinson ou Alzheimer, que passam anos ou at� d�cadas sem serem percebidas, enquanto o c�rebro se esfor�a para compensar os estragos progressivos causados pelas enfermidades.


Sabemos que os neur�nios alteram suas conex�es, mas ser� que eles se regeneram?


Médico segurando mão de idosa

A doen�a de Parkinson � degenerativa do c�rebro, associada principalmente a sintomas motores

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A maioria das pessoas responderia que, com o tempo, vamos perdendo essas c�lulas nervosas e n�o conseguimos rep�-las.


Este assunto continua suscitando discuss�es, mas j� descobrimos que n�o � assim.


Nosso c�rebro cont�m c�lulas-m�e que geram novos neur�nios todos os dias.


Este processo se chama neurog�nese e sua descoberta revolucionou a neuroci�ncia.


Infelizmente, esta capacidade persiste apenas em regi�es muito espec�ficas do c�rebro adulto. Uma delas � o hipocampo, que participa do aprendizado e da mem�ria.


Mas tamb�m existem boas not�cias. A cria��o de novos neur�nios pode ser estimulada.


O exerc�cio f�sico e os alimentos ricos em antioxidantes, por exemplo, favorecem este processo de renova��o. E tamb�m sabemos que a obesidade, o envelhecimento e as doen�as neurodegenerativas o retardam.


Por isso, ativar a forma��o de neur�nios para que o c�rebro se regenere passou a ser um objetivo apaixonante para a ci�ncia.

Transplante de neur�nios

E � aqui que podemos retomar o velho sonho do transplante com possibilidades de sucesso.


A ideia � simples: os neur�nios morrem e n�s os substitu�mos por outros. E talvez voc� se surpreenda ao saber que j� o fazemos h� d�cadas.


Esta interven��o revelou-se um poss�vel tratamento para diversas doen�as neurol�gicas, mas vou falar sobre aquela que conhe�o melhor: a doen�a de Parkinson.


Esta doen�a � caracterizada pela morte dos neur�nios que produzem dopamina.


Sua aus�ncia gera um caos nos circuitos cerebrais, o que causa uma s�rie de problemas, principalmente motores.


Ilustração que representa neurônios

Nosso c�rebro cont�m c�lulas-m�e que geram novos neur�nios todos os dias

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Para tentar reparar estes danos, foram realizados transplantes de neur�nios que produzem esse importante neurotransmissor. E os resultados foram excelentes em animais de laborat�rios e em uma s�rie de pacientes, que observaram a melhora dos seus sintomas.


Mas estes s�o apenas experimentos. Antes de dar o salto definitivo para a pr�tica cl�nica, � preciso resolver uma s�rie de problemas.


Precisamos de uma fonte acess�vel de neur�nios. Atualmente, eles s�o obtidos a partir de tecido fetal, com as limita��es que s�o naturalmente impostas.


� preciso ter milhares dessas c�lulas para repor todas as que foram perdidas em um �nico paciente. E, se pensarmos no n�mero de pessoas afetadas, ser�o necess�rios milh�es de neur�nios.


Neste sentido, as c�lulas-m�e oferecem, sem d�vida, grandes oportunidades.


Precisaremos tamb�m conseguir com que os neur�nios sobrevivam ap�s o implante e, como se n�o fosse pouco, que se conectem corretamente com as c�lulas vizinhas. � imposs�vel ficar entediado com tanta coisa por fazer.


Quando chegarmos a este ponto, a capacidade de regenera��o cerebral pode n�o ter ainda cumprido com as expectativas.


Mas confie na ci�ncia. Como o c�rebro, ela tamb�m � especialista em resili�ncia.


*Jannette Rodr�guez Pallares � professora titular de anatomia e embriologia humana da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de not�cias acad�micas The Conversation e republicado sob licen�a Creative Commons. Leia aqui a vers�o original em espanhol.