Ariadne Ribeiro (professora, pesquisadora, especialista em dependência química, tutora do Columbia Univeristy Women Empowering, mestra e doutora do Programa de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unifesp. No Unaids desde 2019.)

Ariadne Ribeiro (professora, pesquisadora, especialista em depend�ncia qu�mica, tutora do Columbia Univeristy Women Empowering, mestra e doutora do Programa de Psiquiatria e Psicologia M�dica da Unifesp. No Unaids desde 2019.)

(Divulga��o/Unaids)

Um relat�rio global divulgado neste m�s pelo Unaids — entidade ligada � Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) — apontou que o Brasil est� no caminho para acabar com a epidemia de Aids como amea�a � sa�de p�blica at� 2030. Isso, por�m, n�o reduz o grave problema social que est� por tr�s da dissemina��o da doen�a. O alerta � de Ariadne Ribeiro, oficial da Igualdade e Direitos do Unaids Brasil. Ela salienta que as popula��es marginalizadas continuam sendo as mais afetadas pela transmiss�o do HIV. Segundo relat�rio, intitulado O Caminho que P�e Fim � Aids , o Brasil tem uma propor��o para a Aids de 88-85-95 — ou seja, 88% das pessoas que vivem com HIV conhecem seu status sorol�gico, 85% das pessoas que sabem que vivem com HIV est�o em tratamento antirretroviral e 95% das pessoas em tratamento est�o com a carga viral suprimida. A meta a ser alcan�ada � 95-95-95 em todo mundo. Leia a seguir os principais pontos da entrevista ao Correio .

 

O que o Brasil precisa fazer para chegar a 2030 sem que a Aids continue a ser um grave problema de sa�de p�blica?

A Aids s� � desenvolvida se pessoas que vivem com HIV n�o se tratam. O que a gente precisa fazer � com que todas pessoas conhe�am seu diagn�stico. Todo mundo precisa se testar, como se fosse exame de rotina. Se uma parcela da popula��o n�o realiza a testagem, n�o sabe que tem o v�rus — o que ocasiona a demora para conseguir o tratamento —, isso resulta em uma alta taxa de mortalidade. As medica��es atualmente oferecidas pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) interrompem a cadeia de transmiss�o e fazem com que as pessoas que t�m o HIV tenham uma melhor qualidade de vida. Nossa maior dificuldade est� relacionada � desigualdade no Brasil, �s popula��es marginalizadas — em especial os jovens e negros. A estrat�gia de sa�de p�blica s� funciona se for oferecido para as pessoas que mais precisam as mesmas condi��es.

Qual o perfil do brasileiro que tem Aids atualmente?

Quem se infecta mais com o HIV s�o homens que fazem sexo com outros homens. Por�m, quem morre mais pela infec��o que o v�rus ocasiona s�o mulheres negras. H� uma interfer�ncia desse vi�s de ra�a. Isso altera a forma como os servi�os de sa�de chegam � popula��o branca e negra. Vai al�m do atendimento pelo SUS. H� mulheres, por exemplo, que vivem uma cultura de perdoar a trai��o, e outras nem sabem que est�o sendo tra�das pelos companheiros — isso gera o desconhecimento da sua condi��o e a falta de tratamento. A informalidade dos empregos cada vez mais frequente tamb�m faz com que muitos direitos de sa�de deixem de ser garantidos pelas empresas e, assim, as pessoas s�o negligentes em fun��o de outras necessidades. O medo de passar fome vai se sobrepor � sa�de.

No levantamento divulgado pela Unaids, o Brasil aparece como um dos �nicos que t�m distribui��o na rede p�blica do medicamento contra a Aids. Como isso diferencia o pa�s dos outros do continente?

O Brasil sempre foi vanguardista no aspecto da sa�de. A gente tem uma percep��o de que o SUS � um dos modelos mais apropriados para a redu��o da desigualdade na oferta de medicamentos � popula��o. Nos outros pa�ses, ainda est�o se discutindo pacotes essenciais de medica��o. A sa�de em outros pa�ses ainda � artigo de luxo e se estuda mundialmente qual a melhor forma de criar projetos parecidos com o SUS. Nosso sistema de sa�de p�blica � uma das experi�ncias mais relevantes globalmente. A medica��o entregue pelo SUS tem efic�cia comprovada e tem uma quantidade de efeitos colaterais muito menor do que as percebidas ao longo das d�cadas. � mais facilitado — n�o existe a necessidade de ter v�rias doses, � apenas uma dose di�ria de dois comprimidos. � importante ressaltar que os investimentos dos governos para desenvolver medica��o para as pessoas que vivem com o HIV foram essenciais para sabermos lidar com outras epidemias e pandemias, como a de covid-19 e Monkey Pox (var�ola do macaco). Os avan�os no desenvolvimento das vacinas, por exemplo, � fruto do investimento nas pesquisas e tecnologias que desenvolveram as medica��es para Aids, e foram financiadas pelas Na��es Unidas. � uma das maiores retribui��es para a sociedade que a gente conseguiu.

Um dos principais problemas apontados pelo relat�rio � chegar no p�blico-alvo, que, pelos dados, s�o principalmente homens homossexuais, homens que fazem sexo com outros homens e pessoas trans. Por que isso acontece?

Algumas popula��es v�o ter menos acesso � educa��o e � sa�de por conta da vulnerabilidade social. Na popula��o trans, por exemplo, h� uma marginaliza��o compuls�ria — muitas vezes n�o tem apoio da fam�lia, da escola ou do trabalho. A estrat�gia para conseguir fazer com que essas pessoas tenham acesso � medica��o da Aids vai al�m da sa�de. � cidadania. Precisa fortalecer outras pol�ticas p�blicas para acompanhar e acolher essa popula��o.

No Brasil, v�rios ambulat�rios trans est�o sendo abertos. Isso � uma forma de melhorar os �ndices do relat�rio da Unaids?

O ideal � sempre ter estrat�gias combinadas. Se voc� sabe que uma determinada popula��o tem uma demanda espec�fica de sa�de, por que n�o oferecer um pacote de servi�os apropriados dentro da sa�de integral? Quando a pessoa � atendida em ambientes espec�ficos, pode ser acompanhada, fazer testagem, sorologia e, se necess�rio, fazer o tratamento. � um aspecto de equidade, sa�de voltada para as pessoas e muito mais efetivo que servi�os separados.

O que a sociedade precisa fazer para alcan�ar a meta 95-95-95?

A sociedade como um todo tem que entender que o HIV n�o � problema s� de popula��es espec�ficas, n�o escolhe quem vai infectar. Se a pessoa tem vida sexual ativa, tem que manter a rotina de exames e testagem. Assim, temos estrat�gia funcionando e caminho para acabar com a Aids como amea�a � sa�de p�blica.