Conjunto de micr�bios que habitam o trato gastrointestinal tem importantes implica��es para a sa�de
De asma a Alzheimer, passando por obesidade, diabetes e alguns tipos de c�ncer, nas duas �ltimas d�cadas multiplicaram-se as pesquisas que buscam, na microbiota intestinal, a origem — e a cura potencial — de uma infinidade de doen�as. Em 2007, uma reportagem de capa da revista Nature chegou a chamar o conjunto de organismos que habitam o trato gastrointestinal de "nosso outro genoma". Agora, o mesmo peri�dico traz um artigo no qual dois microbi�logos acusam muitas publica��es de exagerarem nas promessas e de perpetuarem mitos sobre esse campo de estudo.
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Outra informa��o falsa, dizem, � a de que esses micro-organismos superam as c�lulas humanas em 10 por 1. "An�lises mais detalhadas indicam que o n�mero real, embora ainda impressionante, provavelmente est� mais pr�ximo de uma propor��o de 1 por 1, o que pode variar muito de pessoa para pessoa", escreveram Walker e Hoyles, no artigo, publicado na revista Nature Microbiology . O n�mero superestimado tem origem em um palpite da d�cada de 1970, que vem sendo repetido n�o s� em reportagens leigas, mas nas publica��es cient�ficas.
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"O campo do microbioma intestinal deixou de ser assunto de um nicho para se transformar em um dos t�picos mais quentes de toda a ci�ncia", diz Alan Walker. "No entanto, uma pequena desvantagem disso � que trouxe muito exagero e uma tenta��o de simplificar demais as intera��es e atividades microbianas realmente complexas que ocorrem em nossos intestinos", acredita. "Acho muito importante ressaltar que muita ci�ncia do microbioma � excelente. No entanto, a quantidade de pesquisas em andamento em todo o mundo disparou nas �ltimas duas d�cadas, portanto, o grande volume de artigos provavelmente ser� um fator de equ�vocos."
"Heran�a"
Um desses equ�vocos, segundo os autores, � afirmar que a microbiota � herdada da m�e, no nascimento. De fato, parte dela � transferida diretamente no parto, mas, proporcionalmente, poucas esp�cies s�o herdadas, afirmam os autores. "De fato, a maior parte da expans�o da diversidade da microbiota intestinal ocorre ap�s o nascimento, durante os primeiros anos de vida, e aumenta dramaticamente ap�s o desmame", sustenta o artigo.
Cada adulto tem uma configura��o �nica de microbiota, at� mesmo g�meos id�nticos criados na mesma casa, explicam Walker e Hoyles. "Portanto, embora a composi��o da microbiota ainda n�o seja totalmente compreendida, as comunidades microbianas adultas parecem ser predominantemente moldadas por exposi��es ambientais anteriores, bem como por v�rios outros fatores, como dieta, medicamentos e gen�tica do hospedeiro, com 'heran�a' direta da m�e em nascimento desempenhando um papel igualmente menor."
Mireia Valles-Colomer, pesquisadora do Laborat�rio de Metagen�mica Computacional da Universidade de Trento, na It�lia, concorda com os colegas brit�nicos sobre a prolifera��o de erros em reportagens e artigos que tratam do microbioma intestinal. "Como outras �reas de pesquisa em r�pido desenvolvimento e tamb�m de grande interesse para o p�blico em geral, nem sempre os dados mais precisos s�o usados quando se discute o microbioma." Ela ressalta que, embora Walker e Hoyle n�o tenham descoberto os erros, a compila��o dos mitos � importante para que o assunto seja tratado de forma adequada. "Pode ajudar o campo a avan�ar com mais precis�o e concentrar esfor�os em quest�es priorit�rias de pesquisa", acredita.
Descobertas inconsistentes com estudos em humanos
Informa��es exageradas sobre o potencial do microbioma podem acabar levantando esperan�a em tratamentos que, por enquanto, n�o t�m fundamento cient�fico s�lido, diz o artigo publicado na revista Nature Microbiology . Uma delas � a de que a propor��o de bact�rias dos filos firmicutes e bacteroidetes � alterada na obesidade. "Essa comumente usada, mas err�nea alega��o decorre principalmente de pesquisas baseadas em roedores e de descobertas em estudos humanos individuais", escreveram os autores, Alan Walker e Lesley Hoyles. "De fato, j� houve pelo menos tr�s metan�lises (conjunto de resultados de pesquisas) relatando que essa descoberta � inconsistente em estudos em humanos", alegam.
Rog Knight, diretor do Centro de Inova��o do Microbioma e professor da Universidade da Calif�rnia, em San Diego, destaca que boa parte das pesquisas que associam disfun��es na microbiota a doen�as, como obesidade, s�o dif�ceis de serem reproduzidas em outros laborat�rios. "A falta de replica��o das associa��es do microbioma com a doen�a � um t�pico importante, e tem mais nuances do que o descrito no artigo", afirma.
Marcador
Para ser �til como teste cl�nico, um micr�bio ou padr�o de microbioma n�o precisa causar a doen�a, mas apenas atuar como um marcador preciso, explica. "Achamos que � realmente verdade que alguns dos marcadores s�o diferentes em diferentes popula��es. � assim que o mesmo medicamento pode ser mais eficaz para um grupo de pessoas do que para outro — isso n�o significa que voc� n�o deva usar o medicamento, mas que deve descobrir para quem ele funciona, em vez de administr�-lo a todos." Por isso, ainda � precoce pensar que uma f�rmula de probi�tico, por exemplo, seria um bom tratamento para obesidade, por exemplo.
Walker e Hoyles acreditam que apontar os mitos sobre o microbioma ajudar� a concentrar esfor�os de pesquisa no que, de fato, pode gerar resultados �teis do ponto de vista cient�fico e cl�nico. "Dados os muitos impactos potenciais na sa�de, a enorme quantidade de financiamento e o grande interesse p�blico em microbiomas, rejeitar as afirma��es infundadas � crucial se quisermos evitar gastos finitos pesquisando caminhos improdutivos e prejudicando a confian�a do p�blico em nossas conclus�es."
Palavra de especialista // Michael Woodworth, pesquisador em terap�utica microbiana da Universidade Emory, nos Estados Unidos
Muitos desses mitos foram destacados por autores anteriormente, mas � �til consolid�-los para desencorajar sua perpetua��o. Os pontos levantados pelos autores n�o descartam a import�ncia da pesquisa do microbioma, suas abordagens ou seu impacto na sa�de humana. Em vez disso, eles coletaram muitos pontos comumente citados que n�o s�o apoiados por fortes evid�ncias ou s�o inconsistentes com o entendimento atual. Qualquer campo rigoroso e din�mico exige esse tipo de reflex�o peri�dica.
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