Mão com bolinhas homeopáticas

Homeopatia foi inventada na Alemanha h� mais de 200 anos

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No dia 30 de janeiro de 2010, dezenas de pessoas se reuniram na frente de farm�cias espalhadas pelo Reino Unido. Cada uma delas tomou de uma vez s� 84 comprimidos de um rem�dio homeop�tico chamado Arsenicum album, uma dose 20 vezes maior do que a quantidade recomendada.

Com o protesto, os organizadores queriam demonstrar que essa “overdose” homeop�tica n�o traria problema algum, segundo eles, j� que nesses produtos n�o haveria nada al�m de �gua, �lcool ou a��car.

“E, de fato, ningu�m passou mal, pois s� est�vamos ingerindo bolinhas feitas de a��car”, diz o ativista e escritor Michael Marshall, diretor de projetos da Good Thinking Society, uma organiza��o sem fins lucrativos que re�ne c�ticos brit�nicos, e um dos idealizadores do movimento.

No ano seguinte, a campanha se repetiu: �s 10h23 da manh� dos dias 5 e 6 de fevereiro, centenas de indiv�duos repetiram a overdose homeop�tica coletiva em 70 cidades de 30 pa�ses ao redor do mundo.

 

 

 

O hor�rio escolhido faz alus�o � constante de Avogadro, sobre a qual falaremos adiante.

Vale ressaltar que essa campanha tinha um objetivo l�dico, e n�o � indicado abusar de qualquer produto vendido em farm�cias sem a orienta��o de um especialista.

 

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Mas este � s� um entre diversos questionamentos p�blicos feitos sobre a homeopatia nas �ltimas duas d�cadas, per�odo em que a pr�tica foi retirada de servi�os p�blicos de sa�de de alguns pa�ses, como o pr�prio Reino Unido.

No Brasil, embora a homeopatia seja reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) h� mais de quatro d�cadas e ensinada em universidades, ela passou a ser mais debatida e criticada nos �ltimos cinco anos.

O assunto, ali�s, ganhou novo f�lego recentemente, com a publica��o do livro Que Bobagem! Pseudoci�ncias e Outros Absurdos que N�o Merecem ser Levados a S�rio (Editora Contexto), escrito pela microbiologista Nat�lia Pasternak e pelo jornalista Carlos Orsi.

Mas, afinal, o que � a homeopatia? E por que ela foi parar no olho do furac�o das discuss�es sobre pseudoci�ncia recentemente?

O que � a homeopatia?

As bases desse programa terap�utico foram desenvolvidas no final do s�culo 18 pelo m�dico alem�o Samuel Hahnemann (1755 - 1843).

Segundo o site da Associa��o M�dica Homeop�tica Brasileira (AMHB), o sistema se baseia em duas premissas principais.

Primeiro, a ideia de que “similar cura similar” — de acordo com a AMHB, “a subst�ncia que em grandes quantidades pode causar o problema numa pessoa sadia, quando dilu�da em altas doses pode curar a doen�a”.

Em outras palavras, a ideia � que qualquer subst�ncia presente na natureza que provoque determinado sintoma em nosso corpo seria capaz de tratar uma doen�a que gera esses mesmos sintomas.

O segundo ponto tem a ver justamente com a dilui��o. No rem�dio homeop�tico, o princ�pio ativo � misturado com �gua ou �lcool repetidamente.

Vamos a um exemplo pr�tico: uma das formula��es homeop�ticas mais comuns usa a propor��o 1:100 (h� outras escalas utilizadas).

Isso significa que uma parte de droga � dilu�da em 99 partes de �gua (ou algum outro solvente, como �lcool ou a��car). Depois, a mistura � agitada.

Mas o processo n�o para por a�: essas “dinamiza��es” (dilui��es + agita��es), no jarg�o homeop�tico, se repetem por dezenas de vezes.

Ou seja, aquela primeira dilui��o — 1 parte de droga + 99 partes de �gua — � dilu�da de novo (formula��o 1 + 99 partes de �gua/�lcool). E de novo, de novo, de novo…

Em alguns casos, essas etapas de dinamiza��o acontecem 12, 30, 200 ou at� mil vezes.

Os homeopatas acreditam que o produto final guarda uma esp�cie de “mem�ria” do princ�pio ativo que foi utilizado l� na origem, de modo que seria capaz de tratar as doen�as para o qual � prescrito.

E vale lembrar aqui que homeopatia � totalmente diferente de outras terapias consideradas alternativas, como os florais de Bach (feitos a partir de compostos extra�dos de flores) e a fitoterapia (medica��es obtidas por meio de plantas).


Samuel Hahnemann (1755-1843), o criador da homeopatia

Samuel Hahnemann (1755-1843), o criador da homeopatia

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'Cientificamente implaus�vel'

Os primeiros questionamentos feitos sobre a homeopatia t�m a ver justamente com as premissas b�sicas do sistema: o “similar cura similar” e o processo de dilui��o/dinamiza��o.

Num artigo de opini�o publicado em 2012 no jornal brit�nico The Guardian, o m�dico alem�o Edzard Ernst — ele pr�prio um ex-homeopata cujo pai e av� tamb�m trabalhavam na �rea — diz que “ambos os axiomas v�o contra a Ci�ncia”.

“Se eles fossem verdadeiros, muito do que aprendemos em F�sica e Qu�mica estaria errado”, argumenta ele.

Ernst, que � professor aposentado na Universidade de Exeter, no Reino Unido, e possui v�rios estudos e livros na �rea dos tratamentos alternativos, aponta que o princ�pio “similar cura similar” � “cientificamente implaus�vel”.

Al�m disso, as ultradilui��es fazem com que a concentra��o do princ�pio ativo fique t�o baixa que se torna indetect�vel, aponta o m�dico.

Vamos a mais um exemplo pr�tico, retirado de um artigo cient�fico publicado por Ernst e pelo fil�sofo e economista Nikil Mukerji, da Universidade de Munique, na Alemanha.

“Para tratar a alergia ao p�len, um m�dico homeopata pode escolher Allium cepa, uma prepara��o de cebola, porque esse vegetal pode causar sintomas em um indiv�duo saud�vel semelhantes ao da alergia (olhos lacrimejantes, coriza, etc.)”, aponta o texto.

“S� que o rem�dio homeop�tico Allium cepa 30C [em que o processo de dilui��o ocorre 30 vezes consecutivas] n�o tem nenhuma mol�cula de cebola”, dizem os autores.

Isso acontece porque, segundo uma conta matem�tica b�sica, a dilui��o 30C na propor��o 1:100 traz uma parte do princ�pio ativo para 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (um nonidecilh�o) de partes de �gua.

Essa propor��o supera, de longe, a constante de Avogadro (aproximadamente 6,023×10²³) — � da�, inclusive, que vem o hor�rio das 10h23 usado na campanha das overdoses homeop�ticas coletivas.

Esse postulado da Matem�tica e da Qu�mica afirma que qualquer subst�ncia dilu�da acima desta propor��o (6,023×10²³) resulta basicamente em �gua (ou no solvente principal que est� sendo utilizado).

Os produtos homeop�ticos ultrapassam de longe esse limite, como visto nos n�meros apresentados nos par�grafos acima.

“Com isso, essas solu��es s�o t�o dilu�das que n�o t�m mais nenhuma mol�cula do composto original”, explica Pasternak, que tamb�m � presidente do Instituto Quest�o de Ci�ncia (IQC).

Alguns defensores da homeopatia argumentam que, por causa do processo de agita��o e dinamiza��o, a �gua seria capaz de reter uma esp�cie de mem�ria da droga — e isso explicaria o efeito terap�utico supostamente observado no consult�rio.

“Outros partem para uma abordagem espiritual, dizendo que a �gua guarda uma energia daquele princ�pio similar”, complementa Pasternak.

Para fundamentar esse ponto, os homeopatas geralmente citam um artigo publicado em 1988 na revista Nature, que sugere uma capacidade da �gua de preservar uma “mem�ria” de materiais com os quais teve algum contato.

“Essa pesquisa j� foi refutada por uma comiss�o de especialistas e nenhum outro cientista que tentou replic�-la obteve os mesmos resultados”, contrap�e a microbiologista.

Inclusive, na p�gina da internet onde o estudo est� publicado, a pr�pria Nature sugere outras duas leituras complementares ao tema, com os t�tulos “Por que a homeopatia � uma pseudoci�ncia” e “Contra todas as probabilidades — a persistente popularidade da homeopatia”.

A BBC News Brasil tentou contato com a AMHB e com a Associa��o Paulista de Homeopatia (APH) pelos e-mails informados nos sites das entidades, para que elas pudessem se posicionar sobre as quest�es apresentadas — mas n�o foram enviadas respostas at� a publica��o desta reportagem.


Prateleira com remédios homeopaticos

Homeop�ticos trazem doses ultradilu�das de princ�pios ativos

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O que dizem as evid�ncias

Mas e se, mesmo diante da alegada “implausibilidade cient�fica”, a homeopatia funcionasse e os pacientes melhorassem ap�s tomarem os extratos ou os comprimidos?

Para comprovar esses efeitos, seria necess�rio que um grupo de cientistas realizasse os chamados testes cl�nicos, em que parte dos volunt�rios recebesse rem�dios homeop�ticos e a outra parcela tomasse placebo — uma subst�ncia sem efeito terap�utico — ou o melhor tratamento dispon�vel para aquela condi��o.

No melhor dos cen�rios, pesquisadores e participantes n�o saberiam quem faz parte de qual grupo, para evitar qualquer influ�ncia externa.

Ao final do experimento, os resultados de todos os indiv�duos seriam comparados para ver quem obteve o melhor resultado — os que receberam homeopatia ou aqueles submetidos ao placebo/outras terapias.

Seria importante ainda que todo esse processo fosse descrito e publicado na forma de artigo cient�fico numa revista especializada, onde o artigo passaria por um processo de revis�o e poderia ser avaliado, criticado e replicado por outros especialistas na �rea.

Essa � uma pr�tica comum, utilizada para embasar, aprovar e indicar qualquer interven��o na �rea de sa�de.

Segundo Pasternak, tal m�todo j� foi aplicado “exaustivamente” para avaliar diversos rem�dios homeop�ticos em diferentes contextos.

Em 2002, Ernst publicou uma “revis�o sistem�tica das revis�es sistem�ticas” em homeopatia. Em resumo, ele compilou e analisou todas as grandes an�lises com resultados de pesquisas cient�ficas nessa �rea que j� haviam sido publicadas at� aquele momento.

A conclus�o do pesquisador foi: “N�o houve nenhuma condi��o que respondesse melhor ao tratamento homeop�tico do que ao placebo ou �s outras interven��es de controle. Nenhum rem�dio homeop�tico teve efeitos cl�nicos convincentemente diferentes do placebo.”

Tr�s anos depois, em agosto de 2005, o The Lancet divulgou um editorial com o t�tulo “O Fim da Homeopatia”.

No texto, um dos mais prestigiados peri�dicos cient�ficos do mundo defende que “m�dicos precisam ser honestos com os pacientes sobre a falta de benef�cios da homeopatia”.

Os autores tamb�m se mostram surpresos com o fato de “o debate [sobre homeopatia] continuar, apesar de 150 anos de resultados desfavor�veis”.

“Quanto mais dilu�das ficam as evid�ncias da homeopatia, maior parece ser a popularidade dela”, observam eles.

Uma investiga��o sobre estudos em homeopatia encomendada pelo Governo da Austr�lia em 2015, aponta que “n�o h� nenhuma condi��o de sa�de para a qual h� evid�ncia confi�vel de que a homeopatia � efetiva”.

“A homeopatia n�o deve ser usada para tratar qualquer condi��o de sa�de que seja cr�nica, s�ria ou possa se agravar. Pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar a sa�de em risco se rejeitarem ou atrasarem tratamentos para os quais h� boa evid�ncia de seguran�a e efetividade”, aponta o texto.

J� na Inglaterra, o Servi�o Nacional de Sa�de (NHS, na sigla em ingl�s) deixou de oferecer tratamentos homeop�ticos em 2017, alegando “falta de qualquer evid�ncia da efetividade, o que n�o justifica o custo”.

A decis�o veio ap�s um inqu�rito de 2010 realizado pelo Comit� de Ci�ncia e Tecnologia do Parlamento brit�nico concluir que o governo n�o deve endossar o uso de tratamentos placebo, incluindo a homeopatia.

O Centro Nacional de Sa�de Complementar e Integrativa dos Institutos Nacionais de Sa�de dos Estados Unidos (NIH) aponta que “h� pouca evid�ncia que apoie a homeopatia como tratamento efetivo para qualquer condi��o de sa�de espec�fica”.

Ainda em terras americanas, desde 2016 os produtos homeop�ticos vendidos em farm�cias precisam conter um alerta no r�tulo dizendo que “n�o h� evid�ncia cient�fica de que funcionem” e que “as alega��es de uso s�o baseadas apenas em teorias do s�culo 18, que n�o s�o aceitas pela maioria dos especialistas da atualidade”.

Na Alemanha, ber�o do sistema, a homeopatia continua prestigiada — apesar de alguns servi�os de sa�de discutirem recentemente que n�o dariam mais reembolsos para tratamento do tipo. Uma resolu��o parecida foi tomada na Fran�a a partir de 2021.


Pessoa segurando remédio homeopático e frasco de vidro

Homeop�ticos viraram objeto de grande discuss�o no Brasil

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E no Brasil?

A homeopatia chegou ao Brasil em meados de 1840, a partir de viagens feitas pelo m�dico franc�s Benoit-Jules Mure (1809 – 1858).

Essa vertente � reconhecida como uma especialidade m�dica desde 1980 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

O cientista social Lenin Bicudo B�rbara, que investigou a homeopatia em sua tese de doutorado na Universidade de S�o Paulo (USP), aponta que a chancela do CFM ajuda a refor�ar ainda mais a imagem da homeopatia no pa�s.

“Se a gente analisar o debate p�blico, todo artigo que defende a homeopatia sempre come�a dizendo que ela � uma especialidade m�dica reconhecida pelo CFM. Isso serve para embasar todo o pensamento em torno da pr�tica e do reconhecimento social que ela tem”, destaca ele.

A homeopatia tamb�m faz parte, desde 2006, da Pol�tica Nacional de Pr�ticas Integrativas e Complementares do Minist�rio da Sa�de e � oferecida por alguns servi�os da rede p�blica.

Mas nos �ltimos anos, o debate sobre a validade da homeopatia tamb�m chegou ao pa�s: desde 2018, o IQC faz campanhas contra essas subst�ncias e questiona autoridades sobre a disponibilidade delas no Sistema �nico de Sa�de (SUS).

A entidade, presidida por Pasternak, at� aderiu � campanha 10:23 e realizou algumas “overdoses homeop�ticas coletivas” durante eventos e palestras.

Ainda no contexto brasileiro, em 2017, o Conselho Regional de Medicina do Estado de S�o Paulo (Cremesp) e a Associa��o Paulista de Homeopatia (APH) divulgaram um dossi� especial com o t�tulo “Evid�ncias Cient�ficas em Homeopatia”.

Os autores dizem que o trabalho “suporta a efic�cia e a seguran�a da terap�utica” homeop�tica.

Tr�s anos depois, em 2020, o IQC lan�ou um “contra-dossi�” em resposta ao documento feito por Cremesp e APH, em que classifica como “deplor�vel” a qualidade das evid�ncias apresentadas para defender a homeopatia pelas entidades paulistas.

“Quem trabalha com ci�ncia no dia a dia sabe que existe um universo de publica��es de m� qualidade, peri�dicos de m� qualidade, peri�dicos predat�rios (que publicam qualquer bobagem, mediante pagamento) e peri�dicos exclusivos para medicina alternativa onde a revis�o pelos ‘pares’ fica a cargo de outros praticantes de medicina alternativa”, escrevem os autores do contra-dossi�.

B�rbara lembra que os m�dicos homeopatas que atuam nas universidades s�o frequentemente cobrados por mostrar resultados positivos de pesquisas cient�ficas.

“Na Medicina de hoje, � esperado que todos os tratamentos sejam testados nos estudos cl�nicos controlados e randomizados”, diz o cientista social.

“Mas muitos dos trabalhos em homeopatia t�m metodologias falhas e, apesar de alguns apresentarem resultados positivos � primeira vista, uma an�lise mais cuidadosa revela uma s�rie de problemas na forma como aquilo foi feito”, aponta ele.

A BBC News Brasil tentou contato com Cremesp e APH para que as entidades se posicionassem sobre o tema, mas n�o foram enviadas respostas at� a publica��o desta reportagem.

Em julho, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Jeancarlo Cavalcante, um dos vice-presidentes do CFM, admitiu a possibilidade de a homeopatia ser revista como uma pr�tica m�dica.

“O CFM reconhece a especialidade, por�m, como �rg�o regulador, est� aberto para novas discuss�es. Caso as evid�ncias sejam questionadas, nada impede uma nova an�lise. Vou pedir para minha equipe coletar essas evid�ncias [sobre a inefic�cia da homeopatia] e vou levar � aprecia��o dos conselheiros”, afirmou ele ao Estad�o.

Alguns dias depois, por�m, o pr�prio CFM descartou publicamente a possibilidade de fazer essa revis�o numa s�rie de posicionamentos divulgados no site e nas redes sociais.

A BBC News Brasil procurou Cavalcante por e-mail para uma entrevista, mas o pedido foi encaminhado � assessoria de imprensa do CFM, que j� havia sido contatada pela reportagem anteriormente.

Por e-mail, o CFM enviou uma nota afirmando que “a homeopatia � praticada com rigor e �tica, diariamente, por cerca de 2,8 mil m�dicos habilitados”.

“Trata-se de uma das 55 especialidades reconhecidas no pa�s [...] Esses especialistas atendem milhares de pacientes, que reconhecem nessa linha de cuidados efic�cia na preven��o e no tratamento de doen�as”, defende.

“Diante disso, vale lembrar que n�o h� qualquer trabalho em andamento com o intuito de avaliar a perman�ncia, ou n�o, da homeopatia no rol de especialidades”, conclui o texto.


Pessoas fazem a 'overdose homepática coletiva' em 2011 na cidade de Bruxelas, Bélgica

Pessoas fazem a 'overdose homep�tica coletiva' em 2011 na cidade de Bruxelas, B�lgica

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O que dizem as autoridades

Em seu site oficial, a AHMB publicou em 2022 um artigo intitulado “Homeopatia � ci�ncia e sa�de”.

Ali, a entidade detalha um “mapeamento de evid�ncias” e afirma que os produtos homeop�ticos teriam um “alto grau de confian�a” com resultados contra “infe��es do trato respirat�rio em crian�as, otite, Transtorno de D�ficit de Aten��o e Hiperatividade (TDAH), s�ndrome do intestino irrit�vel, fibromialgia, diarreia, periodontite e s�ndrome p�s-menopausa”.

O texto pondera que existem “evid�ncias de efic�cia cl�nica para algumas condi��es, mas tamb�m h� aspectos ainda em aberto, com resultados contradit�rios, os quais necessitam de estudos complementares para a confirma��o da sua efic�cia”.

Para saber como os especialistas veem o uso da homeopatia como tratamento para essas enfermidades, a BBC News Brasil pediu que nove sociedades m�dicas diferentes se posicionassem.

O ginecologista C�sar Eduardo Fernandes, presidente da Associa��o M�dica Brasileira (AMB), disse que a entidade “defende a legalidade”.

“Como a homeopatia � reconhecida legalmente como uma sociedade m�dica de especialidade, n�s tamb�m a reconhecemos como tal. Portanto, ela merece continuar como parte de nossa sociedade. Essa n�o � essa discuss�o que vai levar a AMB a tomar qualquer medida que possa trazer danos aos homeopatas do Brasil”, defendeu o m�dico.

“N�s entendemos que a homeopatia tem lugar na assist�ncia m�dica � popula��o brasileira e continuaremos a respeit�-la”, concluiu ele.

Sobre o tratamento da s�ndrome p�s-menopausa, a m�dica Maria Celeste, diretora da Federa��o das Associa��es Brasileiras de Ginecologia e Obstetr�tica (Febrasgo) respondeu que “n�o existem evid�ncias cient�ficas que sustentem essa pr�tica [a homeopatia]”.

“Por essa raz�o, na Febrasgo, n�o h� material que endosse ou suporte a utiliza��o da homeopatia [para s�ndrome p�s-menopausa].”

Em rela��o � fibromialgia, o m�dico Marco Ant�nio Ara�jo da Rocha Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), afirmou que “a homeopatia, pelos estudos cient�ficos atuais, n�o tem qualquer evid�ncia”

“Diretrizes de v�rias sociedades cient�ficas, entre elas a SBR, n�o recomendam o tratamento da fibromialgia com medica��o homeop�tica”, explicou ele.

Sobre supostos tratamentos homeop�ticos contra a otite, a Associa��o Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia C�rvico-Facial (ABORL-CCF) informou � reportagem que n�o se manifestaria sobre o tema.

Para as outras doen�as citadas no texto da AMHB, as sociedades, federa��es ou associa��es brasileiras de Pediatria (infec��es do trato respirat�rio em crian�as), Psiquiatria (TDAH), Gastroenterologia (s�ndrome do intestino irrit�vel e diarreia) e de Cirurgi�es Dentistas (periodontite) n�o enviaram respostas at� a publica��o desta reportagem.

E, como citado anteriormente, a pr�pria AMHB tamb�m n�o respondeu o pedido de contato feito durante a apura��o.


Cachorro recebendo remédio homeopático

Animais e beb�s tamb�m s�o suscet�veis ao efeito placebo, sugere pesquisadora

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Argumentos comuns

Nos debates sobre a homeopatia, m�dicos e pacientes costumam usar experi�ncias individuais para defender o uso dessas subst�ncias.

Pasternak entende que esse tipo de argumento � perigoso. “N�o podemos nos esquecer do efeito placebo. Quando voc� faz um tratamento, pode se sentir melhor apenas pelo fato de ser acolhido com cuidado, empatia e carinho”, explica a microbiologista.

Segundo ela, esse tipo de condicionamento acontece at� mesmo com beb�s e animais, mesmo que eles n�o compreendam a comunica��o verbal do mesmo jeito que crian�as, adolescentes, adultos e idosos.

“Em segundo lugar, muitos produtos homeop�ticos acabam indicados para tratar condi��es recorrentes e cr�nicas, como a dor, em que h� picos e melhoras sucessivas. O indiv�duo tende a ir ao m�dico quando est� numa crise e toma uma subst�ncia dessas. Da� ele se sente melhor pela pr�pria curva natural da doen�a, mas credita o sucesso � homeopatia”, continua ela.

E isso sem contar as doen�as autolimitadas, como infec��es respirat�rias simples e at� algumas alergias, que costumam melhorar naturalmente depois de alguns dias, independentemente de qualquer medica��o.

“Um resfriado passa sozinho em uma semana. Mas, se voc� tomar um homeop�tico, vai melhorar em sete dias”, brinca ela.

Outro argumento frequente sobre a homeopatia aponta que, mesmo que seja placebo, algumas pessoas se beneficiam das subst�ncias — e isso, por si s�, j� seria suficiente para t�-las � disposi��o.

Mais uma vez, Pasternak discorda. “H� uma quest�o de �tica m�dica aqui, pois como seria poss�vel prescrever uma coisa que n�o trata aquela doen�a?”, questiona ela.

“O efeito placebo � inconsistente, n�o funciona do mesmo jeito para todas as pessoas. Em alguns casos, essa pr�tica pode mascarar sintomas e atrasar o diagn�stico de doen�as graves”, alerta.

Como citado anteriormente, a BBC News Brasil procurou a AMHB e a APH para que as entidades se posicionassem sobre essas quest�es, mas n�o foram enviadas respostas at� a publica��o desta reportagem.

Em nota publicada em seu site oficial, a AMHB classifica as campanhas contra a homeopatia como “frutos da desinforma��o”.

“Este � um momento em que a uni�o e a tranquilidade se fazem necess�rias para podermos, de forma equilibrada, fazer frente a esses ataques que a nossa especialidade tem sofrido. Informamos tamb�m que medidas legais e de resposta adequadas est�o sendo tomadas”, pontua a entidade.

A BBC News Brasil tamb�m tentou contato por e-mail com o m�dico homeopata Marcus Zulian Teixeira, que assina diversos dos pareceres e notas publicadas sobre o tema, mas n�o foram enviadas respostas at� a publica��o desta reportagem.


Pessoa usando produto

Disponibilidade de homepatia na rede p�blica brasileira gerou cr�ticas de entidades recentemente

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Decis�es informadas e uso de recursos p�blicos

Pasternak tamb�m critica o uso de dinheiro p�blico para custear a homeopatia no SUS.

“A decis�o de oferecer uma terapia ou outra deve levar em conta que os recursos s�o escassos e limitados, portanto � necess�rio fazer o melhor uso deles”, opina.

“A homeopatia e outras pr�ticas de medicina alternativa n�o deveriam estar no SUS, porque o servi�o � pago com dinheiro do contribuinte. E as decis�es de sa�de p�blica precisam ser baseadas em Ci�ncia.”

A BBC News Brasil pediu um posicionamento do Minist�rio da Sa�de sobre as cr�ticas envolvendo as pr�ticas alternativas no SUS, mas n�o foram enviadas respostas at� a publica��o desta reportagem.

Na contram�o, caso algu�m queira comprar produtos homeop�ticos com dinheiro pr�prio, isso � uma decis�o que compete a cada pessoa, acredita a microbiologista.

“Na esfera individual, o nosso papel � oferecer as informa��es, para que cada um possa tomar a melhor decis�o diante dos fatos”, diz Pasternak.

“Mas as pessoas t�m o direito de saber o que � a homeopatia de verdade”, completa ela.

Para Marshall, a confus�o da homeopatia com outras terapias alternativas (como florais de Bach ou fitoter�picos, por exemplo) representa um trunfo.

“N�o � de interesse dos seguidores da homeopatia que essa diferen�a fique clara, porque isso fornece uma certa credibilidade, ao diluir os limites entre uma pr�tica e outra”, opina.

No Reino Unido, onde a homeopatia foi retirada do servi�o p�blico em 2017, a discuss�o sobre uso de dinheiro p�blico foi um dos principais fatores que pesaram na decis�o.

“N�s descobrimos que o NHS [o servi�o de sa�de p�blica brit�nico] gastava 5,5 milh�es de libras por ano com a homeopatia”, lembra Marshall.

“Dentro do or�amento total, n�o se trata de um valor gigantesco, mas, em termos de tratamentos individuais, esse dinheiro poderia ser usado para coisas que funcionam e que fariam diferen�a real na vida dos cidad�os, como m�quinas de resson�ncia magn�tica ou aumentos no sal�rio de enfermeiros e outros profissionais de sa�de”, defende Marshall.

H� algo a aprender?

Por fim, Pasternak admite que, apesar da falta de evid�ncias sobre a efetividade, a homeopatia tem algo muito valioso para ensinar a todos os que lidam com a sa�de.

“N�s temos muito a aprender sobre como esses profissionais cuidam de seus pacientes com carinho e compaix�o”, afirma ela.

“As consultas com homeopatas duram, no m�nimo, uma hora. E o m�dico dessa especialidade ouve, quer saber a hist�ria de vida, a rela��o com familiares, as ang�stias e felicidades da pessoa”, detalha. “E todo esse cuidado, aten��o e carinho profundos fazem a diferen�a.”