Mais de 80% dos pacientes de Alzheimer apresentam alterações no ciclo circadiano, o "relógio biológico" que regula as funções do organismo. Algumas das implicações são a insônia e a piora cognitiva à noite, problemas que não são abordados pelos tratamentos da doença, nem mesmo pelas novas drogas voltadas especificamente a ela. Cientistas da Universidade da Califórnia, em San Diego (UCSD), apostam em uma nova abordagem — testada, por enquanto, em modelos animais. Trata-se de um jejum alimentar que não restringe a quantidade de comida ingerida, mas limita a janela alimentar diária.
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No estudo, publicado, nesta segunda-feira (21/08), na revista Cell Metabolism, os autores alimentaram camundongos no esquema de jejum intermitente e notaram que, além de uma melhora na memória, o cérebro dos animais tinha menos acúmulo de proteínas amiloide. O agregado dessa substância é apontado como uma das principais causas da doença, além dos emaranhados neurofibrilares, quando os neurônios são destruídos e formam estruturas disfuncionais.
Segundo os autores, os resultados obtidos foram tão positivos que, em breve, o estudo deve ser reproduzido em humanos. Paula Desplats, autora sênior e pesquisadora do Departamento de Neurociências, explica que, até agora, os cientistas acreditavam que as disfunções no relógio biológico observado em pessoas com Alzheimer, como a falta de sono à noite, eram resultados da degeneração do cérebro. "Mas, agora, estamos entendendo que pode ser o contrário", diz. "A interrupção circadiana pode ser um dos principais impulsionadores da patologia da doença." Assim, abordagens com esse foco são promissoras para a busca de tratamentos, afirma.
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Segundo a pesquisadora, as interrupções circadianas na doença de Alzheimer são a principal causa de internação em asilos, pois os cuidadores familiares não conseguem acompanhar o ritmo do paciente. "Qualquer coisa que possamos fazer para ajudar os pacientes a restaurar seu ritmo circadiano fará uma enorme diferença em como lidamos com a doença de Alzheimer na clínica e em como os cuidadores os ajudam a lidar com a doença em casa."
14 horas
A estratégia testada na UCSD foi controlar o ciclo circadiano por meio da alimentação. O modelo de animal usado tinha uma neurodegeneração semelhante à doença de Alzheimer em humanos, e as cobaias só podiam comer em um intervalo de seis horas por dia. Em pessoas, isso equivaleria a 14 horas de jejum diária. Não houve redução na quantidade de comida oferecida aos camundongos.
Em comparação aos animais do grupo de controle, que recebiam comida o tempo todo, os alimentados com horário restrito mostraram ter melhor memória, eram menos hiperativos à noite, seguiam um horário de sono mais regular e apresentavam menos interrupções durante o sono. Eles também tiveram melhor desempenho em avaliações cognitivas do que os demais. Isso demonstra que o jejum foi capaz de ajudar a mitigar os sintomas comportamentais da doença de Alzheimer, afirmam os autores do artigo.
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Os pesquisadores também observaram melhorias nos camundongos ao nível molecular. Em animais alimentados em um horário restrito, vários genes associados à doença de Alzheimer e à neuroinflamação eram expressos de maneira diferente. Os cientistas descobriram, além disso, que o controle da alimentação ajudou a reduzir a quantidade de proteína amiloide acumulada no cérebro.
Novos hábitos
Como o cronograma de alimentação com restrição de tempo alterou o curso da doença de Alzheimer nos camundongos, os pesquisadores acreditam que os resultados possam ser facilmente traduzidos para ensaios clínicos, especialmente porque a nova abordagem de tratamento depende de uma mudança de estilo de vida, e não de um medicamento. "A alimentação com restrição de tempo é uma estratégia que as pessoas podem integrar fácil e imediatamente em suas vidas", acredita Desplats. Segundo a neurocientista, se for possível reproduzir os resultados em humanos, a abordagem pode ser uma maneira simples de melhorar a vida das pessoas que vivem com Alzheimer e de seus cuidadores.
A diretora executiva de pesquisas da organização Alzheimer's Research UK, no Reino Unido, comemorou o resultado. "O efeito do jejum em diferentes aspectos da saúde e da doença continua sendo uma área de interesse de pesquisa. Estudos em estágio inicial sugeriram que o jejum pode ter um impacto em diferentes tipos de demência, como a doença de Alzheimer, mas as pesquisas, até o momento, não foram conclusivas. Agora, esse estudo descobriu que, em modelos de camundongos com a doença, restringir a janela de tempo para comer melhorou os sintomas de sono interrompido, a cognição e os níveis reduzidos de amiloide no cérebro", disse Susan Kolhaas.
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Porém, ela destaca algumas limitações. "Como a pesquisa foi realizada em camundongos, não sabemos se os efeitos benéficos de uma dieta restrita serão os mesmos em humanos, quanto tempo durariam quaisquer benefícios ou quanto tempo precisaria ser a janela de restrição alimentar para mostrar benefícios", diz. "Mas são estudos como esse que contribuem para a nossa compreensão fundamental da demência, o que nos dá pistas importantes sobre como podemos lidar com a doença".