Mulher enjoada olhando para cartelas de comprimidos

Alguns rem�dios at� aliviam o enjoo, mas � importante procurar um m�dico se o inc�modo n�o vai embora depois de alguns dias

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Dispon�vel nas farm�cias desde 1964, o plasil � uma das mais populares solu��es para lidar com quadros de n�useas e enjoos.

Esses sintomas s�o bastante frequentes e est�o relacionados a diversas condi��es — de uma comida que "caiu mal" no est�mago a uma gravidez, de uma dificuldade para viajar de carro ou �nibus a um efeito colateral do tratamento contra o c�ncer.

O medicamento, cujo princ�pio ativo � o cloridrato de metoclopramida, � indicado para diversas dessas situa��es e ajuda a trazer um al�vio r�pido para essa sensa��o de mal-estar que afeta o sistema digestivo e o c�rebro (entenda os detalhes a seguir).

Uma coisa que pouca gente sabe � que, entre os efeitos colaterais mais frequentes no uso do plasil, est�o as chamadas rea��es extrapiramidais. Em resumo, alguns indiv�duos que tomam o f�rmaco desenvolvem tremores em bra�os e pernas, espasmos e aumento na contra��o ou na rigidez dos m�sculos.

Outros podem desenvolver a chamada acatisia, ou uma sensa��o de inquietude e irritabilidade que vem associada a movimentos involunt�rios do corpo.

Segundo a pr�pria bula do medicamento, esses eventos adversos s�o considerados "comuns", o que significa que eles acometem entre 1 e 10% dos pacientes que tomam plasil.

Saiba a seguir por que isso acontece — e quais s�o as maneiras de evitar ou controlar esses problemas.

Est�mago embrulhado

Para entender os detalhes do mecanismo de a��o do plasil, � preciso saber antes as situa��es que motivam o uso desse rem�dio.

O enjoo e a n�usea s�o sensa��es de mal-estar que acometem o sistema digestivo e estruturas espec�ficas do sistema nervoso. Geralmente, eles aparecem junto com �nsia de v�mito, dor de cabe�a e tontura.

As causas desse inc�modo s�o as mais variadas. As mais comuns s�o a ingest�o de comida estragada, muito gordurosa ou que n�o "caiu bem" no est�mago. Nesse contexto, a n�usea serve como um bloqueio determinado pelo sistema nervoso para que o alimento n�o siga adiante no processo de digest�o — e seja eventualmente expulso pela boca antes de provocar problemas maiores.

H� tamb�m quem sinta essa chatea��o ao viajar por estradas cheias de curvas, ou ao tentar focar a vis�o num objeto enquanto est� num ve�culo em movimento. Nessas situa��es, o enjoo aparece pelo pr�prio balan�o do corpo de um lado para o outro, ou pela dificuldade em focar em algo fixo (como o livro ou a tela do celular) enquanto o resto do cen�rio est� em movimento constante.

A n�usea tamb�m � uma das marcas dos primeiros meses de gravidez e pode pintar durante crises de ansiedade ou outros transtornos que abalam a mente e o corpo.

� justamente para silenciar esse inc�modo que existem os antiem�ticos, a classe de drogas da qual o plasil faz parte. O objetivo deles � controlar, por diferentes mecanismos de a��o, enjoos e n�useas relacionados �s mais diversas causas.

O gastroenterologista Rafael Bandeira, do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alem�o Oswaldo Cruz, em S�o Paulo, explica que essa medica��o acelera o trabalho do est�mago, fazendo com que a comida passe mais r�pido por esse �rg�o.

Com isso, aquela amea�a de que o conte�do da refei��o anterior tome o caminho contr�rio, suba pelo tubo digestivo e seja expulso pela boca, diminui.

"A metoclopramida atua como um antagonista da dopamina. N�s temos v�rios receptores deste neurotransmissor espalhados pelo corpo e, no sistema digestivo, ele tem um efeito inibit�rio", diz o m�dico.

Ao bloquear a a��o da dopamina nessa parte do corpo, portanto, o plasil faz com que o trato digestivo atue de forma mais acelerada — e, assim, afaste em poucos minutos aquelas chatea��es que deixaram o est�mago embrulhado.


Mulher com incômodo na barriga

A n�usea e o enjoo podem estar relacionados a uma s�rie de situa��es %u2014 de uma comida que n�o caiu bem a uma gravidez

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M�sculos sem controle?

A bula do plasil informa que um efeito colateral muito comum (ou seja, que afeta mais de 10% dos usu�rios) � a sonol�ncia.

Na sequ�ncia, os eventos adversos considerados comuns (que acometem entre 1 e 10%) s�o os sintomas extrapiramidais — classificados no texto como "tremor de extremidade [pernas e bra�os], aumento do estado de contra��o do m�sculo e rigidez muscular".

Ainda segundo a bula, essas rea��es "podem ser mais frequentes em crian�as e adultos jovens", e chegam a ocorrer "ap�s [a ingest�o de] uma �nica dose".

Outros efeitos colaterais comuns citados s�o s�ndrome parksoniana (tremores involunt�rios), acatisia (sensa��o de inquietude f�sica), depress�o, diarreia, astenia (fraqueza) e hipotens�o (press�o baixa).

"O uso prolongado ou de dosagens mais altas aumentam o risco de alguns desses efeitos colaterais", explica Bandeira.

Mas por que esses problemas, e particularmente essa tal rea��o extrapiramidal, acontecem?

Como foi dito acima, o plasil age como antagonista do neurotransmissor dopamina.

"A metoclopramida � um rem�dio lipossol�vel, que dilui muito bem em gordura, e isso permite que ela passe com facilidade para o sistema nervoso central", responde Bandeira.

"Isso significa que ela tamb�m pode ter a��es ali. Por um lado, trata-se de algo bom, porque aumenta o efeito antiem�tico dele, mas, por outro, pode trazer esses eventos adversos", complementa ele.

Em outras palavras, ao agir na dopamina para acelerar as coisas l� no est�mago, o plasil tamb�m pode acabar interferindo em outros processos que s�o influenciados por esse neurotransmissor, como � o caso da regula��o dos m�sculos.

A boa not�cia � que interromper o uso da medica��o pode reverter completamente o efeito colateral. Mas, em alguns casos mais graves, � necess�rio utilizar outros rem�dios para recuperar a fun��o dos m�sculos afetados.

Como descrito em bula, o plasil tamb�m � contra-indicado para al�rgicos a qualquer componente da f�rmula e n�o deve ser utilizado por indiv�duos que fazem tratamentos psiqui�tricos, fazem tratamento contra a doen�a de Parkinson ou epilepsia, para menores de 1 ano ou para mulheres que est�o amamentando. Por causa da sonol�ncia, o rem�dio tamb�m n�o deve ser consumido por quem vai dirigir ou operar m�quinas pesadas.

A dose da medica��o tamb�m pode ser reduzida, a crit�rio do m�dico, no caso de indiv�duos com problemas nos rins ou no f�gado.

Procurada pela BBC News Brasil, a Sanofi, farmac�utica respons�vel pelo plasil, enviou uma nota dizendo que o produto "faz parte da Lista de Medicamentos Essenciais da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), que relaciona os medicamentos essenciais para um sistema b�sico de sa�de, de acordo com sua efic�cia, seguran�a e custo-efetividade para condi��es de sa�de priorit�rias".

"S�o mais de 50 anos de hist�ria de um medicamento que continua trazendo benef�cios para a popula��o, � amplamente conhecido pela classe m�dica, e comumente utilizado para tratar de enjoos e n�useas."

Sobre a rea��o extrapiramidal, a Sanofi destaca que "os efeitos colaterais mais comuns consistem em sensa��o de inquietude e agita��o e, ocasionalmente, movimentos involunt�rios dos membros e da face".

"Tais rea��es s�o completamente revertidas ap�s a interrup��o da medica��o, e o tratamento dos sintomas adversos pode ser necess�rio, de acordo com a avalia��o m�dica."

Por fim, o laborat�rio informa que atualmente s� comercializa o rem�dio na forma de comprimidos e descontinuou as vers�es em gotas, solu��o oral e injet�vel. "A Sanofi refor�a que possui uma robusta �rea de Farmacovigil�ncia que monitora continuamente o perfil de seguran�a de seus produtos no mercado para promover a seguran�a dos pacientes", conclui a nota.

A BBC News Brasil tamb�m questionou a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) sobre os n�meros de venda do plasil no pa�s.

A assessoria de imprensa do �rg�o respondeu que, "nos �ltimos tr�s anos, o medicamento teve apenas um fabricante ativo [a Sanofi]".

"Nesse caso, por quest�es de sigilo concorrencial, a Secretaria da C�mara de Medicamentos da Anvisa � impedida de divulgar dados de comercializa��o."


Médica conversando com paciente

Rem�dios como o plasil podem ser usados por um tempo maior %u2014 desde que tenham acompanhamento e orienta��o de um profissional da sa�de

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Uso adequado

Que fique claro: apesar de a rea��o extrapiramidal ser um poss�vel efeito colateral do plasil, isso n�o significa que esse medicamento � perigoso ou n�o deva ser usado. Todo e qualquer tratamento tem seus riscos — e o que os profissionais de sa�de fazem � justamente prescrever as melhores op��es, que trazem o m�ximo de benef�cios e o m�nimo de preju�zos.

Nesse contexto, a metoclopramida est� indicada para o al�vio de enjoo e v�mitos no geral, sejam eles de origem no sistema nervoso central ou em partes perif�ricas do organismo, relacionados a cirurgias, doen�as metab�licas, quadros infecciosos ou secund�rios ao uso de outros medicamentos.

Ela tamb�m pode ser utilizada durante a gesta��o, desde que exista uma recomenda��o m�dica para o uso. Segundo a bula, "estudos em pacientes gr�vidas n�o indicaram m� forma��o fetal ou toxicidade neonatal durante o primeiro trimestre da gravidez".

Vale lembrar que o plasil ajuda a trazer al�vio, mas n�o resolve o problema que est� por tr�s desses sintomas. Portanto, se o inc�modo voltar, ou persistir por alguns dias, � importante buscar uma avalia��o m�dica para fazer um diagn�stico adequado.

"Se a n�usea n�o vai embora, precisamos achar o motivo disso", refor�a Bandeira.

Nessas situa��es, o uso do plasil � pontual: a pessoa tem o enjoo, toma o rem�dio, melhora e pronto. O uso cont�nuo, ainda mais sem a supervis�o de um especialista, n�o � indicado.

Mas h� uma situa��o bem espec�fica em que esse antiem�tico pode ser necess�rio por um tempo maior: a gastroparesia, um dist�rbio em que o esvaziamento do est�mago fica lento demais e gera saciedade precoce, sensa��o de barriga pesada, estufamento, gases, n�useas, v�mitos, entre outros.

E essa condi��o tem provocado uma esp�cie de "renascimento" do plasil nos �ltimos anos, segundo os especialistas.

"O plasil acabou caindo um pouco em desuso e deixou de ser a primeira op��o para tratar n�useas e v�mitos, porque temos medica��es com menos efeito colateral e uma efic�cia um pouco melhor, como � o caso de dimenidrinato [Dramin] e ondansetrona [Vonau]", destaca o gastroenterologista Fernando Seefelder Flaquer, do Hospital Israelita Albert Einstein, em S�o Paulo.

"Por uma s�rie de motivos, temos um aumento nos casos de gastroparesia hoje em dia, como o uso de rem�dios para emagrecer, os casos crescentes de diabetes ou at� de covid longa", diz o m�dico.

A metoclopramida vai justamente acelerar a passagem do alimento pelo sistema digestivo, que est� um tanto mais lenta em pacientes acometidos pela gastroparesia.

"E, com isso, o uso do plasil nesse contexto tem conquistado espa�o", conclui ele.

Vale refor�ar que esse uso cont�nuo deve sempre ser acompanhado pelo m�dico — at� para evitar ou minimizar as tais rea��es extrapiramidais e outros eventos adversos poss�veis.