pessoa agachada

De acordo com os n�meros apurados pela SBP, a maior preval�ncia de suic�dio ocorre entre os jovens do sexo masculino

Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil
Cerca de mil crian�as e adolescentes, na faixa et�ria entre 10 e 19 anos de idade, cometem suic�dio no Brasil a cada ano, de acordo com a s�rie hist�rica levantada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021. O dado se baseia em registros do Sistema de Informa��o sobre Mortalidade (SIM), do Minist�rio da Sa�de.

 

A presidente do Departamento Cient�fico de Preven��o e Enfrentamento das Causas Externas na Inf�ncia e Adolesc�ncia da SBP, Luci Pfeiffer, disse que, “com certeza” h� um n�mero muito maior subnotificado. “S�o aqueles casos [da crian�a ou adolescente] como se ca�sse, tomou rem�dio a mais, e ali tinha o desejo de morte”, explicou a pediatra.

Ao todo, no per�odo pesquisado, o Brasil registrou 9.954 casos de suic�dio ou morte por les�es autoprovocadas intencionalmente. “Todo dia morrem tr�s crian�as por suic�dio no Brasil”, disse Luci Pfeiffer, alertando para a exist�ncia de todo um arsenal de est�mulos nas redes sociais de autoagress�o e do suic�dio como uma sa�da. “Da� a import�ncia de se falar sobre isso, dos sinais de alerta para procurar ajuda, “porque h� um problema a tratar”.


A maioria dos casos est� consolidada entre os adolescentes. Foram 8.391 �bitos (84,29%) na faixa et�ria de 15 a 19 anos; e 1.563 mortes (15,71%) na faixa de 10 a 14 anos de idade. “Na verdade, at� os 26 anos, � o maior n�mero de casos no pa�s e no mundo tamb�m”.

Preval�ncia

De acordo com os n�meros apurados pela SBP, a maior preval�ncia de suic�dio ocorre entre os jovens do sexo masculino. Ao longo da s�rie hist�rica, de 2012 a 2021, os rapazes representam mais que o dobro de casos sendo homens 6.801 epis�dios (68,32%) e mulheres 3.153 (31,68%). J� pela distribui��o geogr�fica, os estados que apresentam as maiores taxas, englobando meninos e meninas, s�o S�o Paulo (1.488), seguido de Minas Gerais (889); Rio Grande do Sul (676); Paran� (649); e Amazonas (578).

 

Luci Pfeiffer disse que h� uma falha grande nos registros das tentativas de suic�dio. “Dificilmente uma crian�a ou adolescente chega � morte na primeira tentativa. E elas devem ser levadas muito a s�rio”, alerta.

 

Na avalia��o da especialista, muitas fam�lias consideram esses epis�dios como algo que a crian�a ou o jovem fez para chamar a aten��o. “De modo geral, s�o cometidas duas ou tr�s tentativas at� que eles consigam chegar � morte. Por isso, n�s ter�amos ainda um tempo de preven��o secund�ria”.

 

Segundo a m�dica, as meninas s�o as que mais tentam o suic�dio, enquanto os meninos o fazem de forma mais eficiente e com agressividade direta. Os pais, respons�veis, m�dicos e profissionais que trabalham com a popula��o pedi�trica devem estar atentos aos primeiros sinais. “Porque isso vem j� de algum tempo”, observou a doutora.

Viol�ncia intrafamiliar

Segundo a especialista, existem fatores de risco muito importantes como, por exemplo, a viol�ncia intrafamiliar, n�o apenas como espancamentos. “Muitas vezes, os pais, sem perceber, agridem o filho com palavras como “voc� n�o devia ter nascido”, “voc� � insuport�vel” ou “voc� n�o serve para nada”. Isso acontece em todas as classes sociais. Existe uma viol�ncia f�sica que fatalmente coloca na crian�a ou adolescente a falta de lugar, a falta de amor dos pais, que s�o pilares da personalidade”.

 

Luci Pfeiffer explicou que, hoje, h� um enfraquecimento dos v�nculos reais entre pais e filhos. “Muitos pais s� sabem que o filho est� desistindo da vida na primeira tentativa. H� sinais, contudo, que podem despertar o alerta. Crian�as tristes, que deixam de brincar, s�o um exemplo”.

 

“O desejo de morte vai fazer com que essa crian�a ou adolescente cada vez se afaste dos seus pares, dos prazeres da vida, como brincar, jogar, namorar, de ter colegas e amigos. Primeiro, h� o isolamento e o afastamento da fam�lia, depois isolamento dos seus pares, das fontes que d�o satisfa��o, at� que, cada vez mais, eles buscam atitudes de risco. A�, v�m as autoagress�es de muitas formas, como cortes, anorexia, bulimia”, alerta a especialista.

 

De acordo com Luci Pfeiffer, a causa do suic�dio de crian�as e adolescentes � multifatorial. Tem sempre algo da fam�lia, do desenvolvimento, “e uma exig�ncia excessiva de todos os cantos”.

“Atualmente, as m�dias e redes sociais n�o s� estimulam a autoagress�o, como colocam padr�es de normalidade de pertencer a grupos com exig�ncias, a partir de crian�as de 7 a 8 anos, como bater na professora, fazer mais faltas no jogo de futebol. E essas exig�ncias t�m um contraponto de fam�lia e escola, que leva a crian�a ou adolescente a tentar a morte porque n�o suporta mais a dor de n�o ser importante para ningu�m ou de n�o se sentir importante”.

 

Esse isolamento leva � ideia de que o sofrimento acaba com a morte. “Eu sempre pergunto para eles: quem garante? O que vai acontecer depois? N�o seria melhor lutar pela vida agora?”.

 

Luci Pfeiffer assegura que n�o existe nenhuma medica��o no mundo que tenha interrompido o caminho da viol�ncia, que � a autoagress�o. O bullying na escola j� � o segundo passo para uma sequ�ncia de viol�ncia e para a crian�a ou adolescente come�ar a pensar no suic�dio como uma sa�da. “E aquilo cresce como em um funil. Eles v�o colocando a insatisfa��o dos pais e da fam�lia, o fracasso na escola, o fracasso com os parceiros e com os pares, at� que eles entram na parte final do funil. A� � bem mais r�pido. V�o se concentrando todas as possibilidades, at� que eles planejam como morrer”.

Prote��o

A presidente do Departamento Cient�fico de Preven��o e Enfrentamento das Causas Externas na Inf�ncia e Adolesc�ncia da SBP lamentou que n�o haja no Brasil leis que protejam as crian�as e adolescentes das m�dias sociais, que fazem um marketing de consumo e propiciam meios para o suic�dio, embora isso seja um crime pelo artigo 122 do C�digo Penal.

 

A recomenda��o da especialista � que, aos primeiros sinais, a crian�a deve ser levada a um pediatra para uma avalia��o geral, inclusive por uma equipe interdisciplinar e por profissionais da sa�de mental, como psic�logo, psicanalista, psiquiatra, especialistas em inf�ncia e adolesc�ncia. Como se trata, ao mesmo tempo, de uma viol�ncia, � preciso chamar tamb�m a rede de prote��o, coisa que, dificilmente, as pessoas fazem. A tentativa de suic�dio � de notifica��o obrigat�ria, destacou.

 

Frente a suspeitas de sofrimento ps�quico, a rede de prote��o, integrada pelo conjunto da escola, pais e unidades de assist�ncia � sa�de, como os Centros de Refer�ncia da Assist�ncia Social (Cras) e Centros de Refer�ncia de Assist�ncia Social (Creas), precisa ser acionada, independente do padr�o econ�mico e sociocultural da fam�lia, para se saber que outras origens pode estar o desejo de morte. “E levantar o hist�rico desde a gravidez e do desejo do filho at� para onde ele chegou. Os pais e a escola precisam buscar ajuda e acompanhamento m�dico, tanto de profissionais da sa�de mental e do pediatra que coordene essa equipe interdisciplinar, para que a gente possa proteger o que n�s temos de mais valioso, que � a vida de crian�as e adolescentes”.