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Estado de Minas ESPORTE E DIVERSIDADE

O futebol brasileiro est� embranquecendo?

Fil�sofa Sueli Carneiro diz que jovens negros t�m sido substitu�dos por brancos de classe m�dia; BBC debateu tema com quem atua dentro e fora dos gramados


04/06/2022 10:50 - atualizado 04/06/2022 11:59


Jogadores alinhados
Jogadores brasileiros que disputaram a Copa de 2018 e membros da comiss�o t�cnica. (foto: CBF)

Pel�, Garrincha, Le�nidas da Silva, Rom�rio, Neymar… � longa a lista de atletas negros que fizeram do Brasil o pa�s mais vitorioso no futebol mundial.

Por�m, para a fil�sofa Sueli Carneiro, os tempos s�o outros.

"Voc� pega o campeonato franc�s: � uma profus�o de gente preta como voc� n�o v� mais aqui no Brasil, que � o tal do futebol pentacampe�o, e que foi pentacampe�o gra�as aos jogadores negros", disse a fil�sofa no podcast Mano a Mano, apresentado pelo rapper Mano Brown, em 26 de maio.

Segundo Carneiro, que � um dos principais nomes do movimento negro brasileiro e raramente concede entrevistas, jovens negros v�m sendo substitu�dos no futebol por meninos brancos de classe m�dia.

Mano Brown perguntou ent�o � fil�sofa se o futebol teria deixado de ser "o sonho de consumo da molecada negra", ao que Carneiro rebateu: "eles n�o deixaram de desejar futebol, eles t�m sido gradativamente exclu�dos".

A fala de Carneiro, doutora em Filosofia pela USP e fundadora do Geled�s - Instituto da Mulher Negra, ecoou nas redes sociais.

Mas o que pessoas do universo futebol�stico pensam sobre a opini�o? O futebol brasileiro est� embranquecendo?

A BBC fez a pergunta a quatro pessoas que trabalham com futebol dentro ou fora dos campos.

A resposta un�nime foi que sim, os negros est�o perdendo espa�o no esporte s�mbolo nacional.

As diverg�ncias se deram quanto ao grau do fen�meno: enquanto alguns avaliam que ele se restringe a est�dios e categorias de base, um ex-jogador j� v� efeitos desse processo na sele��o brasileira atual (leia mais abaixo).


Jogadores alinhados para cantar hino nacional
Sele��o brasileira que venceu a Copa de 1970, no M�xico, teve Pel� como destaque. (foto: Getty Images)

Esporte de brancos e imigrantes

Quando chegou ao Brasil, em 1895, o futebol era um esporte praticado principalmente por brancos. Na primeira metade do s�culo 20, v�rios jogadores da sele��o eram filhos de imigrantes europeus.

Com o tempo, no entanto, o futebol e a sele��o se tornaram multirraciais.

Desde a Copa de 1950, em maior ou menor grau, atletas negros vestiram a camisa brasileira em todos os Mundiais. Alguns, como Pel�, Garrincha e Rom�rio, foram os destaques de equipes que se sagraram campe�s.

� poss�vel, por�m, que negros percam o protagonismo no futebol brasileiro no futuro, segundo comentaristas entrevistados pela BBC News Brasil.

Eles disseram que a mudan�a na forma com que meninos s�o selecionados pelos clubes t�m deixado as equipes juvenis mais elitizadas e, consequentemente, mais brancas.

No passado, muitos jovens jogadores vinham de campos nas periferias das cidades, onde eram identificados por olheiros a servi�o dos clubes. Foi assim que muitos meninos negros de fam�lias pobres conseguiram chegar a grandes times e se destacar no esporte.

Hoje, no entanto, os entrevistados afirmam que cada vez mais clubes t�m buscado atletas em escolas de futebol particulares, que cobram mensalidades dos alunos. A mudan�a, segundo os analistas, tem favorecido meninos de classe m�dia, cujas fam�lias t�m condi��es de pagar as escolas e s�o majoritariamente brancas.


Jogadores lado a lado
Jogadores da sele��o brasileira em 1914, ano em que equipe realizou as primeiras partidas oficiais (foto: CBF)

Alimenta��o ruim

O ex-jogador Edinaldo Batista Lib�nio, o Grafite, cita � BBC outro fator que estaria excluindo do esporte muitos meninos negros pobres: a m� qualidade da alimenta��o.

Hoje comentarista de futebol, Grafite diz que jovens que n�o comem direito na inf�ncia chegam em piores condi��es f�sicas �s "peneiras", os processos de sele��o dos clubes. E hoje, segundo ele, as equipes consideram a forma f�sica mais importante do que a habilidade ao escolher jovens atletas.

O ex-jogador diz ter notado um sinal "gritante" do desequil�brio na forma��o f�sica dos atletas na �ltima Copa S�o Paulo de Futebol J�nior, principal competi��o nacional para jogadores com at� 20 anos de idade.

Segundo ele, o desempenho f�sico de equipes do Sul e Sudeste no torneio foi muito superior ao dos times do Nordeste, cujos atletas tinham origens mais pobres.

Grafite se tornou um s�mbolo do combate ao racismo no futebol em 2005, quando acusou o zagueiro argentino Leandro Des�bato de cham�-lo de "negrito de mierda" durante uma partida em S�o Paulo.

O zagueiro, que negou a ofensa, chegou a ficar dois dias preso no Brasil antes de voltar � Argentina.


Torcedores do Flamengo no estádio
Torcedores do Flamengo no Maracan�; para analistas, reforma do est�dio para a Copa de 2014 elitizou o p�blico que frequenta os jogos. (foto: Getty Images)

Embranquecimento dos est�dios

O comentarista de futebol Paulo Cesar Vasconcellos menciona outro p�blico do futebol que estaria vivendo um "processo de embranquecimento": as torcidas nos est�dios.

Ele afirma que muitos campos reformados para receber a Copa de 2014 deixaram de receber pessoas mais pobres, muitas delas negras.

Foi o caso do Maracan�: as obras eliminaram a chamada "geral", setor da arquibancada com ingressos mais baratos e que costumava abrigar grande n�mero de negros.

"Veja como a moderniza��o do futebol � perversa: a partir do momento em que os est�dios foram repaginados e se tornaram mais bem cuidados, entendeu-se que eles n�o podiam mais ter o pobre", diz Vasconcellos.

E a sele��o?

Se h� concord�ncia entre os entrevistados quanto ao embranquecimento dos est�dios e categorias de base, h� diverg�ncias quanto ao alcance desse fen�meno entre as equipes profissionais.

Para Marcelo Medeiros Carvalho, diretor executivo do Observat�rio da Discrimina��o Racial no Futebol, jovens negros de baixa renda continuam chegando aos clubes de futebol gra�as aos olheiros.

Ele diz que esses profissionais podem ter perdido espa�o com o avan�o das escolinhas de futebol, mas n�o desapareceram. "O olheiro, talvez inconscientemente, ainda olha para esse menino negro e acha que vai descobrir um novo Pel�, um novo Rom�rio", afirma.


Seleção da França alinhada na semifinal contra a Bélgica na Copa do Mundo da Rússia
Sele��o da Fran�a, citada pela fil�sofa Sueli Carneiro por abrigar grande n�mero de atletas negros. (foto: Fifa)

Paulo Cesar Vasconcellos tamb�m acha que a elitiza��o nas categorias de base ainda n�o produz efeitos vis�veis no futebol brasileiro profissional.

"Tanto � que o maior nome do futebol no mundo no momento � um jovem negro de fam�lia humilde chamado Vinicius Jr.", afirma o comentarista, referindo-se ao jogador brasileiro que se tornou um dos destaques do Real Madrid, da Espanha, e dever� estar na sele��o brasileira na pr�xima Copa.

Vasconcellos avalia ainda que "por ora n�o h� um processo de embranquecimento da sele��o". "A maioria dos jogadores ainda vem de classes mais baixas e tem na profiss�o de jogador a salva��o da fam�lia".

A possibilidade de ascender socialmente pelo futebol, ali�s, � um elemento que distingue o futebol masculino do futebol feminino no quesito racial, diz Renata Mendon�a, comentarista de futebol e cofundadora do Dibradoras, ve�culo que enfoca as mulheres do esporte.

Ex-jornalista da BBC, Mendon�a diz que, como o futebol feminino nunca ofereceu boas perspectivas de carreira no Brasil, muitas atletas profissionais dependeram do apoio financeiro da fam�lia para permanecer no esporte.

E como negros s�o maioria entre os mais pobres, diz a comentarista, "� poss�vel que muitas meninas negras tenham tido que abandonar o esporte por n�o terem condi��es de seguir bancando seu sonho".


Atletas mulheres treinando
Sele��o brasileira de futebol feminino; muitas atletas dependem do apoio financeiro da fam�lia para perseverar na carreira, diz comentarista (foto: CBF)

Pele mais clara

J� para o ex-jogador Grafite, a elitiza��o das categorias de base j� produz efeitos no futebol profissional e na pr�pria sele��o brasileira.

Presente na Copa de 2010, ele afirma que, "considerando o plantel geral, o n�mero de negros vem diminuindo" na sele��o, e "jogadores de pele clara v�m sendo predominantes".

O ex-jogador diz ainda que o tom de pele dos jogadores negros da sele��o tem clareado ao longo das �ltima d�cadas, algo que ele atribui � "miscigena��o" da popula��o brasileira no per�odo.

Na sele��o que venceu a Copa de 1970, por exemplo, havia v�rios negros retintos (de pele mais escura) - caso de Pel�, Z� Maria, Joel e Everaldo.

Hoje, negros com esse tom de pele se tornaram mais raros na sele��o principal e na ol�mpica. Esta �ltima, por abrigar em sua maioria jogadores com at� 23 anos de idade, tende a indicar qual ser� a cara da sele��o principal no futuro.


Jogadores brasileiros posam para foto
Jogadores que representaram o Brasil nos �ltimos Jogos Ol�mpicos, em T�quio, em 2021. (foto: AFP)

Pretos retintos

Para o jornalista esportivo Marcos Luca Valentim, um dos membros do Ubuntu Esporte Clube, podcast que busca trazer uma "vis�o afrocentrada" do esporte, quanto mais escuro � o tom da pele de uma pessoa no Brasil, "mais chances ela tem de sofrer racismo e de ter oportunidades negadas".

O fen�meno � conhecido entre pesquisadores e ativistas do movimento negro como "colorismo".

"Pessoas pretas retintas t�m menos possibilidade de entrar nas categorias de base n�o porque os clubes n�o as queiram, mas porque, por este ser um problema estrutural, ter�o menos acesso ao transporte e a outras condi��es para chegar �s peneiras", diz Valentim.

Mesmo que consigam entrar no esporte, essas pessoas tendem a ser mais discriminadas ao longo da carreira e receber apelidos pejorativos, segundo o jornalista.

Mas n�o s� pretos retintos sofrem tratamento discriminat�rio no futebol brasileiro.

J� em 1964, o jornalista M�rio Filho escreveu em seu cl�ssico O Negro no Futebol Brasileiro que as duras cr�ticas que tr�s jogadores negros (Barbosa, Juvenal e Bigode) receberam ap�s a derrota do Brasil na Copa de 1950 eram um sinal do racismo entre os brasileiros.

Marcelo Carvalho, do Observat�rio da Discrimina��o Racial no Futebol, diz que � comum se atribuir o fracasso de um jogador negro "� quest�o da noite, da malandragem, das mulheres". J� a derrocada de jogadores brancos raramente � associada a essas causas, diz Carvalho.

E num momento em que h� cada vez mais jogadores estrangeiros nos clubes brasileiros, Carvalho questiona por que h� t�o poucos atletas africanos no Brasil, ainda que eles tenham grande espa�o nos clubes europeus. "A �frica manda jogadores para o mundo inteiro, menos para o Brasil", diz Carvalho.


Jogadores comemoram gol
Jogador do Liverpool, o senegal�s Sadio Man� (primeiro � esq.) � um dos v�rios atletas africanos que t�m se destacado na Premier League, na Inglaterra. (foto: Getty Images)

Manifesta��es contra o racismo

Para Marcos Luca Valentim, do Ubuntu Esporte Clube, uma esfera do futebol brasileiro em que negros jamais entraram � a dos dirigentes de clubes e federa��es. Essa falta de negros no topo, segundo ele, tende a desencorajar atletas negros a protestar contra o racismo.

"Clubes que se comportem como empresas podem achar problem�tico ter atletas com atitudes contestat�rias", diz o apresentador.

"Os negros proporcionam o show, mas quem gere o show s�o os brancos", afirma Valentim.

Paulo Cesar Vasconcellos tamb�m critica a aus�ncia de negros na estrutura de comando do futebol brasileiro.

"Temos v�rios t�cnicos estrangeiros no futebol brasileiro, mas quantos t�cnicos negros temos na s�rie A? S� um. E dirigentes? E m�dicos negros entrando em campo?", questiona.

"A estrutura � toda branca, e aos negros sempre restaram os postos de massagista, cozinheiro, faxineiro, roupeiro", afirma o comentarista.

"O futebol � um territ�rio no qual o negro � s� p� de obra, nada mais."

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