
Pel�, Garrincha, Le�nidas da Silva, Rom�rio, Neymar… � longa a lista de atletas negros que fizeram do Brasil o pa�s mais vitorioso no futebol mundial.
Por�m, para a fil�sofa Sueli Carneiro, os tempos s�o outros.
"Voc� pega o campeonato franc�s: � uma profus�o de gente preta como voc� n�o v� mais aqui no Brasil, que � o tal do futebol pentacampe�o, e que foi pentacampe�o gra�as aos jogadores negros", disse a fil�sofa no podcast Mano a Mano, apresentado pelo rapper Mano Brown, em 26 de maio.
Segundo Carneiro, que � um dos principais nomes do movimento negro brasileiro e raramente concede entrevistas, jovens negros v�m sendo substitu�dos no futebol por meninos brancos de classe m�dia.
Mano Brown perguntou ent�o � fil�sofa se o futebol teria deixado de ser "o sonho de consumo da molecada negra", ao que Carneiro rebateu: "eles n�o deixaram de desejar futebol, eles t�m sido gradativamente exclu�dos".
A fala de Carneiro, doutora em Filosofia pela USP e fundadora do Geled�s - Instituto da Mulher Negra, ecoou nas redes sociais.Mas o que pessoas do universo futebol�stico pensam sobre a opini�o? O futebol brasileiro est� embranquecendo?
A BBC fez a pergunta a quatro pessoas que trabalham com futebol dentro ou fora dos campos.
A resposta un�nime foi que sim, os negros est�o perdendo espa�o no esporte s�mbolo nacional.
As diverg�ncias se deram quanto ao grau do fen�meno: enquanto alguns avaliam que ele se restringe a est�dios e categorias de base, um ex-jogador j� v� efeitos desse processo na sele��o brasileira atual (leia mais abaixo).

Esporte de brancos e imigrantes
Quando chegou ao Brasil, em 1895, o futebol era um esporte praticado principalmente por brancos. Na primeira metade do s�culo 20, v�rios jogadores da sele��o eram filhos de imigrantes europeus.
Com o tempo, no entanto, o futebol e a sele��o se tornaram multirraciais.
Desde a Copa de 1950, em maior ou menor grau, atletas negros vestiram a camisa brasileira em todos os Mundiais. Alguns, como Pel�, Garrincha e Rom�rio, foram os destaques de equipes que se sagraram campe�s.
� poss�vel, por�m, que negros percam o protagonismo no futebol brasileiro no futuro, segundo comentaristas entrevistados pela BBC News Brasil.
Eles disseram que a mudan�a na forma com que meninos s�o selecionados pelos clubes t�m deixado as equipes juvenis mais elitizadas e, consequentemente, mais brancas.
No passado, muitos jovens jogadores vinham de campos nas periferias das cidades, onde eram identificados por olheiros a servi�o dos clubes. Foi assim que muitos meninos negros de fam�lias pobres conseguiram chegar a grandes times e se destacar no esporte.
Hoje, no entanto, os entrevistados afirmam que cada vez mais clubes t�m buscado atletas em escolas de futebol particulares, que cobram mensalidades dos alunos. A mudan�a, segundo os analistas, tem favorecido meninos de classe m�dia, cujas fam�lias t�m condi��es de pagar as escolas e s�o majoritariamente brancas.

Alimenta��o ruim
O ex-jogador Edinaldo Batista Lib�nio, o Grafite, cita � BBC outro fator que estaria excluindo do esporte muitos meninos negros pobres: a m� qualidade da alimenta��o.
Hoje comentarista de futebol, Grafite diz que jovens que n�o comem direito na inf�ncia chegam em piores condi��es f�sicas �s "peneiras", os processos de sele��o dos clubes. E hoje, segundo ele, as equipes consideram a forma f�sica mais importante do que a habilidade ao escolher jovens atletas.
O ex-jogador diz ter notado um sinal "gritante" do desequil�brio na forma��o f�sica dos atletas na �ltima Copa S�o Paulo de Futebol J�nior, principal competi��o nacional para jogadores com at� 20 anos de idade.
Segundo ele, o desempenho f�sico de equipes do Sul e Sudeste no torneio foi muito superior ao dos times do Nordeste, cujos atletas tinham origens mais pobres.
Grafite se tornou um s�mbolo do combate ao racismo no futebol em 2005, quando acusou o zagueiro argentino Leandro Des�bato de cham�-lo de "negrito de mierda" durante uma partida em S�o Paulo.
O zagueiro, que negou a ofensa, chegou a ficar dois dias preso no Brasil antes de voltar � Argentina.

Embranquecimento dos est�dios
O comentarista de futebol Paulo Cesar Vasconcellos menciona outro p�blico do futebol que estaria vivendo um "processo de embranquecimento": as torcidas nos est�dios.
Ele afirma que muitos campos reformados para receber a Copa de 2014 deixaram de receber pessoas mais pobres, muitas delas negras.
Foi o caso do Maracan�: as obras eliminaram a chamada "geral", setor da arquibancada com ingressos mais baratos e que costumava abrigar grande n�mero de negros.
"Veja como a moderniza��o do futebol � perversa: a partir do momento em que os est�dios foram repaginados e se tornaram mais bem cuidados, entendeu-se que eles n�o podiam mais ter o pobre", diz Vasconcellos.
E a sele��o?
Se h� concord�ncia entre os entrevistados quanto ao embranquecimento dos est�dios e categorias de base, h� diverg�ncias quanto ao alcance desse fen�meno entre as equipes profissionais.
Para Marcelo Medeiros Carvalho, diretor executivo do Observat�rio da Discrimina��o Racial no Futebol, jovens negros de baixa renda continuam chegando aos clubes de futebol gra�as aos olheiros.
Ele diz que esses profissionais podem ter perdido espa�o com o avan�o das escolinhas de futebol, mas n�o desapareceram. "O olheiro, talvez inconscientemente, ainda olha para esse menino negro e acha que vai descobrir um novo Pel�, um novo Rom�rio", afirma.

Paulo Cesar Vasconcellos tamb�m acha que a elitiza��o nas categorias de base ainda n�o produz efeitos vis�veis no futebol brasileiro profissional.
"Tanto � que o maior nome do futebol no mundo no momento � um jovem negro de fam�lia humilde chamado Vinicius Jr.", afirma o comentarista, referindo-se ao jogador brasileiro que se tornou um dos destaques do Real Madrid, da Espanha, e dever� estar na sele��o brasileira na pr�xima Copa.
Vasconcellos avalia ainda que "por ora n�o h� um processo de embranquecimento da sele��o". "A maioria dos jogadores ainda vem de classes mais baixas e tem na profiss�o de jogador a salva��o da fam�lia".
A possibilidade de ascender socialmente pelo futebol, ali�s, � um elemento que distingue o futebol masculino do futebol feminino no quesito racial, diz Renata Mendon�a, comentarista de futebol e cofundadora do Dibradoras, ve�culo que enfoca as mulheres do esporte.
Ex-jornalista da BBC, Mendon�a diz que, como o futebol feminino nunca ofereceu boas perspectivas de carreira no Brasil, muitas atletas profissionais dependeram do apoio financeiro da fam�lia para permanecer no esporte.
E como negros s�o maioria entre os mais pobres, diz a comentarista, "� poss�vel que muitas meninas negras tenham tido que abandonar o esporte por n�o terem condi��es de seguir bancando seu sonho".

Pele mais clara
J� para o ex-jogador Grafite, a elitiza��o das categorias de base j� produz efeitos no futebol profissional e na pr�pria sele��o brasileira.
Presente na Copa de 2010, ele afirma que, "considerando o plantel geral, o n�mero de negros vem diminuindo" na sele��o, e "jogadores de pele clara v�m sendo predominantes".
O ex-jogador diz ainda que o tom de pele dos jogadores negros da sele��o tem clareado ao longo das �ltima d�cadas, algo que ele atribui � "miscigena��o" da popula��o brasileira no per�odo.
Na sele��o que venceu a Copa de 1970, por exemplo, havia v�rios negros retintos (de pele mais escura) - caso de Pel�, Z� Maria, Joel e Everaldo.
Hoje, negros com esse tom de pele se tornaram mais raros na sele��o principal e na ol�mpica. Esta �ltima, por abrigar em sua maioria jogadores com at� 23 anos de idade, tende a indicar qual ser� a cara da sele��o principal no futuro.

Pretos retintos
Para o jornalista esportivo Marcos Luca Valentim, um dos membros do Ubuntu Esporte Clube, podcast que busca trazer uma "vis�o afrocentrada" do esporte, quanto mais escuro � o tom da pele de uma pessoa no Brasil, "mais chances ela tem de sofrer racismo e de ter oportunidades negadas".
O fen�meno � conhecido entre pesquisadores e ativistas do movimento negro como "colorismo".
"Pessoas pretas retintas t�m menos possibilidade de entrar nas categorias de base n�o porque os clubes n�o as queiram, mas porque, por este ser um problema estrutural, ter�o menos acesso ao transporte e a outras condi��es para chegar �s peneiras", diz Valentim.
Mesmo que consigam entrar no esporte, essas pessoas tendem a ser mais discriminadas ao longo da carreira e receber apelidos pejorativos, segundo o jornalista.
Mas n�o s� pretos retintos sofrem tratamento discriminat�rio no futebol brasileiro.
J� em 1964, o jornalista M�rio Filho escreveu em seu cl�ssico O Negro no Futebol Brasileiro que as duras cr�ticas que tr�s jogadores negros (Barbosa, Juvenal e Bigode) receberam ap�s a derrota do Brasil na Copa de 1950 eram um sinal do racismo entre os brasileiros.
Marcelo Carvalho, do Observat�rio da Discrimina��o Racial no Futebol, diz que � comum se atribuir o fracasso de um jogador negro "� quest�o da noite, da malandragem, das mulheres". J� a derrocada de jogadores brancos raramente � associada a essas causas, diz Carvalho.
E num momento em que h� cada vez mais jogadores estrangeiros nos clubes brasileiros, Carvalho questiona por que h� t�o poucos atletas africanos no Brasil, ainda que eles tenham grande espa�o nos clubes europeus. "A �frica manda jogadores para o mundo inteiro, menos para o Brasil", diz Carvalho.

Manifesta��es contra o racismo
Para Marcos Luca Valentim, do Ubuntu Esporte Clube, uma esfera do futebol brasileiro em que negros jamais entraram � a dos dirigentes de clubes e federa��es. Essa falta de negros no topo, segundo ele, tende a desencorajar atletas negros a protestar contra o racismo.
"Clubes que se comportem como empresas podem achar problem�tico ter atletas com atitudes contestat�rias", diz o apresentador.
"Os negros proporcionam o show, mas quem gere o show s�o os brancos", afirma Valentim.
Paulo Cesar Vasconcellos tamb�m critica a aus�ncia de negros na estrutura de comando do futebol brasileiro.
"Temos v�rios t�cnicos estrangeiros no futebol brasileiro, mas quantos t�cnicos negros temos na s�rie A? S� um. E dirigentes? E m�dicos negros entrando em campo?", questiona.
"A estrutura � toda branca, e aos negros sempre restaram os postos de massagista, cozinheiro, faxineiro, roupeiro", afirma o comentarista.
"O futebol � um territ�rio no qual o negro � s� p� de obra, nada mais."
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!