Coluna do Bob Faria // O encanto das Copas

Bob Faria

Talvez seja pura mem�ria afetiva, n�o sei. Mas, para mim, o melhor filme oficial sobre copas do mundo de todos os tempos chama-se “Todos os Cora��es do Mundo”. � o filme da copa de 1994. Falo de mem�ria afetiva, porque foi a primeira copa que cobri, ainda como rep�rter, e que obviamente marcou muito a minha vida e me ajudou a entender a dimens�o que este esporte tem. No filme, dirigido pelo Brasileiro Fernando Meireles, viajamos ao redor do planeta � medida que os lances acontecem em campo e experimentamos o pulsar das torcidas em cada canto da terra, de cidades gigantescas a min�sculas tribos escondidas no interior da �frica e da Amaz�nia. De fato, � uma dimens�o grande demais para um jogo t�o simples. Mas, talvez por isso, t�o impregnado na alma e nos cora��es.

O mundo, e sua copa, mudaram muito desde que a competi��o foi disputada pela primeira vez, em 1930. Estivemos � beira da destrui��o da civiliza��o, pelo menos tr�s vezes (nas duas grandes guerras e durante a chamada Guerra Fria), mas o jogo nunca perdeu seu encanto ou sua relev�ncia como simulacro das rela��es humanas. Continua sendo um jogo simples de entender, com regras razoavelmente f�ceis e que pode ser praticado em qualquer pequeno espa�o. Luis Fernando Ver�ssimo tem uma �tima cr�nica onde descreve a incr�vel facilidade com que organiza um jogo de futebol, usando qualquer objeto ligeiramente arredondado como bola e quatro coisas quaisquer (inclusive a mochila de aula do irm�o menor ou eventualmente o pr�prio irm�o menor, como delimitadores de meta).

Mas eu dizia como o mundo mudou desde que houve a primeira copa. Entramos no s�culo XX a bordo de carro�as tracionadas por cavalos. Sa�mos dele a bordo de naves espaciais. E j� estamos na segunda d�cada do S�culo XXI, pensando em col�nias extraplanet�rias e nos aproximando da chamada Singularidade, quando a Intelig�ncia Artificial se equiparar� � intelig�ncia humana. Mas o jogo de futebol continua reunindo bilh�es de cora��es em volta de uma bola, e a cada quatro anos isso ganha a propor��o de uma celebra��o ao esp�rito esportivo e � equaliza��o social sob o formato de uma disputa onde as mais variadas culturas convergem para, em tese, respeitar as mesmas dezessete regras e suas normas.

Estamos muito longe de viver em um mundo em paz. Pelo contr�rio, encurtadas as dist�ncias atrav�s da tecnologia, desencadeou-se tamb�m uma epidemia de fraturas sociais e ideol�gicas provavelmente sem precedentes na hist�ria humana.

Mas a copa tem uma capacidade que, para alguns, pode ser um m�rito, para outros, pode ser uma vergonha, que � mostrar o melhor lado do que o esporte representa, varrendo para debaixo do tapete as mazelas que cada pa�s sofre (independentemente do seu poder econ�mico ou desenvolvimento social).

Estamos observando de perto dessa vez, o Catar, com todas as suas peculiaridades, que sob nosso olhar ocidental se mostram verdadeiramente aterradoras. Um pa�s que simplesmente segrega os direitos individuais e pune severamente quem n�o se enquadra nas normas estabelecidas. Sim, este � um pa�s que para nossa percep��o de mundo � uma aberra��o no avan�o da humanidade. Essa � s� a minha opini�o. Cada um pode ter a sua, sem nenhum ju�zo de valor.

Mas uma coisa podemos dizer: a copa do mundo est� l� agora, chamando a aten��o n�o s� para os melhores jogadores do mundo, mas tamb�m para lan�ar luz sobre quest�es que para uma boa parte do mundo deveriam estar no passado.

Vale uma reflex�o. Quanta luz esse jogo � capaz de gerar? O suficiente para nos cegar ou para nos encantar. Depende de como vemos nos conectamos a todos os cora��es do mundo.